Artigo de Eugênio Lara - Setembro de 2000

O Pêndulo Evolutivo

A teoria do eterno retorno, apesar de sedutora, é inaceitável. De que as coisas tornam e retornam, de que as mesmas mãos que escrevem esse artigo estarão presentes novamente em um outro momento, semelhante, análogo. De que a história se repete ciclicamente, como se o tempo fosse circular e cíclico, alternado e repetitivo.

Se olharmos, por exemplo, o desenrolar do Espiritismo em várias partes do mundo, notadamente no Brasil, até parece que a história se repete, que as questões são as mesmas e de que os idênticos personagens tornam e retornam. De certa forma, os conflitos são parecidos mas nunca são iguais, principalmente pelo contexto sempre em mutação, ainda que os personagens retornem ao cenário existencial. Há quem diga que os místicos do século passado são os laicos de hoje e de que os científicos de antanho, arrependidos, se abrem, afetivos, para o discurso sedutor do religiosismo. Como um pêndulo, uma gangorra evolutiva, os mesmos grupos se alternam em papéis existenciais, numa guerra sem fim, num conflito insolúvel, inacabado. Será?

Não nos esqueçamos de que Roustaing, o advogado de Bordeux, discípulo rebelde de Kardec, inaugurou no seio do Espiritismo uma corrente de caráter religioso, dissidente e sectária, assumida no Brasil pela Federação Espírita Brasileira, criando assim uma quase insolúvel cisão. O fundador do Espiritismo viu nascer no seio da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas (SPEE) uma série de víboras dissidentes, o que talvez tenha contribuído, em muito, para o agravamento de seu estado de saúde. Camille Flammarion recusou a direção da SPEE em função da razoável quantidade de integrantes comprometidos com uma visão mística e religiosa do Espiritismo. Não fosse Gabriel Delanne, Ernesto Bozzano e principalmente Léon Denis, o Espiritismo teria morrido em seu nascedouro.

Na França, se não tivéssemos o esmero de grupos espíritas hodiernos dedicados ao resgate do genuíno pensamento de Kardec, o Espiritismo seria um fantasma, uma vaga lembrança. Tornou-se, de certa forma, vitorioso no Brasil, que abriga, segundo a FEB, cerca de 8 milhões de adeptos e 30 milhões de simpatizantes. O novo censo deverá rever esse número. Segundo a Biblioteca Britânica, há 12 milhões de espíritas no mundo, portanto, mais da metade sediados em nosso País, se esses dados estiverem corretos.

Como sabemos, pelas informações que nos trazem os Espíritos, pelas experiências individuais ao nível do desdobramento e sonambulismo, a chamada Experiência Fora do Corpo (EFC) que o ex-médium e ex-espírita Waldo Vieira denomina de projeciologia, o mundo extra-físico é um reflexo deste, com o qual interaje e sofre influênciações. Os católicos convictos daqui continuam católicos do outro lado desta vida, bem como os materialistas, espíritas e livre-pensadores. Esses Espíritos, agora desencarnados, formam grupos, estabelecem relações e constróem espaços habitáveis, com uma estrutura organizacional variável conforme a cultura e as suas idiossincrasias.

Os mesmos espíritas que aqui viveram retornam, muitos com idéias renovadas, mas nem todos são capazes de se aprimorarem, notadamente aqueles apegados à tradição e receosos de realizarem a ruptura para com as idéias carcomidas pela evolução das coisas.

A voz que reverbera, clamando por um Espiritismo mais autêntico, soa aqui como acolá, no além e no aquém, tanto quanto o brado conservador e relutante em enfrentar os novos tempos.

Estamos todos num mesmo barco chamado Terra e, portanto, o que fizermos dela será aquilo que nós mesmos iremos colher, como na parábola do semeador. Da mesma maneira, o ideal que abraçamos, seja ele qual for, será o resultado de nosso trabalho, de nossa ação mental. O ideal kardecista, se em algum momento de nossa vida nos atraiu e ainda que tenha sofrido os revezes de nossa traição, cria uma atração irresistível que irá se expressar em caminhos vários, independente de rótulos.

Não que, uma vez espírita, sempre espírita. As alternâncias ideológicas são mais próximas do bom senso, de uma racionalidade perceptível, de uma lógica elementar, pois a liberdade é a base do comportamento humano, e como tal, reje as manifestações de grupos, das pessoas.

Todavia, para uma corrente de pensamento que possui pouco mais de um século, temos de considerar o ardor de uma idéia abraçada e vivenciada, validada por nossas experiências palingenéticas, numa dimensão toda pessoal que, um dia, será traduzida de forma racionalizada, experimental, na medida em que as condições de validação se tornem mais desenvolvidas. A imortalidade e a evolução são o grande mote da idéia espírita.

Isso significa que os velhos adeptos dessa idéia, que se filia nos domínios do laicismo, voltam a se reencontrar no cenário existencial e, portanto, os conflitos não sendo os mesmos, se repetem de modo diferenciado até que sejam superados, pela força de nossas ações ou pela força das coisas, no dizer dos Espíritos.

O tempo não espera por ninguém, não retorna, é um fluxo ininterrupto, um devir, um continuum, compacto e desconexo, mais próximo da figura da espiral do que do círculo, descentralizada, descentrada, intercambiável. A cobra que morde o próprio rabo não se aplica na compreensão simbólica dos princípios espíritas. A figura da cepa ainda é o símbolo mais adequado, tanto quanto a espiral, que aliás, lembra muito as nebulosas, as galáxias. Não seria o buraco negro uma espiral que gira ao contrário, em sentido anti-horário, como se o tempo congelasse e a luz, absorvida, se transformasse em um componente abissal?

São apenas figurações, delírios quase poéticos que objetivam demonstrar que o tempo cíclico, retornável não se sustenta. O fluxo da vida é ininterrupto, apenas segmentado em existências que se espaçam com o tempo a fim de aprendermos a vivenciar o extra-físico e assim nos autoconstruirmos, reafirmando nossa eterna individualidade e nos livrando das mazelas que, se num dado momento nos causa prazer e preserva nossa vida, em outro instante tornam-se perniciosas e prejudiciais ao desenvolvimento das coisas e de nós mesmos.