OPINIÃO Ano XV – Nº 156  Setembro 2008

Jornada de estudos no CCEPA assinala mês de aniversário de Kardec

Nossa Opinião

Editorial: Unidade de princípios, pluralismo de idéias

Opinião em Tópicos:  Anencefalia //  A posição da AME // O porquê da ação // A posição espírita (Milton Medran)

Notícias: Excelente público na palestra mensal de setembro  //  Café Cultural do CCEPA teve música, cultura e muita confraternização

Enfoque

 

 

Jornada de Estudos no CCEPA assinala mês de aniversário de Kardec

Psicologia, Espiritismo e Vidas Passadas

Dois trabalhos com psicólogos espíritas marcam o principal evento do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre em outubro próximo, mês de aniversário de Allan Kardec

Jung na primeira noite

            A noite de 6 de outubro – primeira segunda-feira do mês,  quando tradicionalmente ocorre uma conferência pública no CCEPA – terá trabalho da psicóloga gaúcha Jussara Gandolfi, com o tema “O Processo de Individuação na Perspectiva Junguiana”. Às 20h30, no auditório da instituição, à Rua Botafogo, 678, Porto Alegre.

Jon Aizpúrua com Terapia de Vida Passada

            O psicólogo e escritor espírita venezuelano Jon Aizpúrua, que visitará algumas cidades do Brasil e Argentina, no próximo mês de outubro, profere conferência, no mesmo horário e local, na noite de 7 de outubro, com o tema “Terapia de Vida Passada – uma visão espírita”

            No boletim América Espírita, encartado nesta edição do jornal Opinião, estamos noticiando todo o roteiro a ser desenvolvido por Aizpúrua, que profere várias conferências, por iniciativa da Associação Brasileira de Delegados e Amigos da CEPA – CEPAmigos.

 

Nossa Opinião

O nexo psicologia-espiritismo

            O enfoque dado pelo espiritismo à psicologia pode não ser do inteiro agrado de todas as escolas e segmentos que cuidam dessa ciência. Mas, melhor do que outra qualquer corrente, o espiritismo permite resgatar o sentido etimológico da palavra psicologia, qual seja: o estudo da alma.

            Allan Kardec não era psicólogo, até porque viveu numa época em que os estudos e a sistematização dessa ciência mal começavam. Mas, com inteira propriedade, soube aliar os fenômenos que estudou e a doutrina que deles resultou ao objeto da ciência que então despontava. Não por outra razão, a Revista Espírita, por ele editada, e cujo sesquicentenário comemoramos este ano, ostentava este subtítulo: “Jornal de Estudos Psicológicos”.

            Na medida em que, com o advento do espiritismo, temas como a imortalidade do espírito, sua comunicabilidade e a reencarnação deixaram de ser tratados exclusivamente como artigos de fé para serem propostos como  objeto da pesquisa científica e bases filosóficas para o aprimoramento ético do ser humano, estabeleceu-se um elo natural entre ele e a psicologia. Esta, adotando como hipóteses de trabalho aqueles postulados, ganha contornos mais ricos e sumamente interessantes. Mais do que isso: os postulados espíritas podem oferecer à psicologia a chave para a interpretação de fenômenos psicológicos, comportamentos humanos e enigmas da alma ainda mal compreendidos pela ciência.

            Os dois trabalhos a serem oferecidos ao público, nos dias 6 e 7 de outubro próximos, pelo Centro Cultural Espírita de Porto Alegre visam, exatamente, a destacar esse nexo existente entre essas duas expressões da cultura contemporânea: o espiritismo e a psicologia. (A Redação)

 

Editorial

 

Unidade de princípios, pluralismo de idéias

 

“Modificar-se-á sob o império das idéias progressistas e da experiência, mas sem abalos, sem precipitações, porque seu princípio básico está na própria Constituição.”

 (Allan Kardec, “Constituição do Espiritismo” em “Obras Póstumas”)

 

            O espiritismo, visto a partir de seus postulados básicos, é, nos países em que está organizado, praticamente, um movimento monolítico. No geral, não se observam dissensões contrariando suas propostas fundamentais, quais sejam: a existência de Deus, a imortalidade do espírito e sua comunicabilidade, a reencarnação, a pluralidade dos mundos habitados e a lei de causa e efeito a que se subordinam o agir e a liberdade humana. Segmentos que dissentiram de alguns desses pontos terminaram adotando outras denominações, o que permitiu manterem-se razoavelmente bem definidos os princípios pelos quais uma pessoa ou um grupo pode denominar-se espírita.

            A pura aceitação desses postulados, entretanto, não faz com que todos os espíritas interpretem a vida e seus fenômenos de maneira idêntica. Tome-se como exemplo a idéia da reencarnação.       Mesmo que todos a aceitemos, na prática não a contemplamos sob idêntico prisma. Para muitos a reencarnação assume uma função eminentemente punitiva, a tal ponto que todos os males ocorridos em uma vida sejam, logo, interpretados como conseqüência direta de erros em vidas passas. Outros rejeitam essa linearidade e vislumbram na palingênese essencialmente um instrumento de progresso e de aprendizado, capaz, inclusive, de dispensar o sofrimento, desde que o agente apreenda a conveniência de emendar-se e de evoluir, esforçando-se nesse sentido.

            No que diz com a aplicação da lei moral a episódios concretos da vida, situações novas freqüentemente levam os espíritas a interpretações bem diferenciadas. Disso estamos tendo prova agora mesmo, no Brasil, quando temas como pesquisas com células-tronco embrionárias e a possibilidade de antecipação do parto de fetos portadores de anencefalia são discutidos, chegando, inclusive, em forma de demanda, à mais alta Corte judiciária do país.

Sobre esse último e delicado tema, o editor deste jornal expressa seu ponto de vista, na coluna Opinião em Tópicos da presente edição, discordando de pessoas e organismos espíritas que foram chamados a opinar no Supremo Tribunal Federal. A interpretação, feita no artigo, longe de ser isolada, reflete o entendimento de amplo segmento espírita, que se classifica como livre-pensador e progressista. De outra parte, na seção Enfoque da última página deste periódico, comenta-se o resultado de pesquisa sobre algumas posturas e interpretações atribuídas a dois segmentos, classificados pelos autores do trabalho como sendo a dos espíritas religiosos, de um lado, e dos laicos, de outro. São posições bem diversificadas, embora uma e outra se apóiem em respeitáveis opiniões de espíritos, algumas delas expressas na própria obra de Kardec.

            Há quem extraia disso a existência de dois espiritismos, o que não é correto. Todas as instituições humanas, inclusive aquelas que se orientam por dogmas religiosos, abrigam em seu seio posturas mais conservadoras e outras de feição mais progressista. A síntese que o espiritismo busca resulta precisamente do embate dialético entre as leis de conservação e de destruição, incluídas ambas por Allan Kardec na 3ª Parte de O Livro dos Espíritos. É justamente desse exercício dialético que resulta o progresso, também arrolado como uma lei moral, naquela obra.

            O que falta ao movimento espírita, entretanto, é precisamente a abertura e a aceitação de espaços livres de discussão para que o exercício do pluralismo aproxime conceitos e permita, inclusive, a atualização doutrinária, insistentemente recomendada pelo insigne fundador desse movimento de idéias. Os postulados doutrinários fundamentais, antes referidos, por não se constituírem em artigos de fé religiosa, mas em princípios filosóficos nascidos do raciocínio, admitem avanços capazes de oxigenar o espírito, fazendo-o mais suscetível de rever posições incrustadas nos escaninhos da alma.

            Aguardar, simplesmente, a orientação dos espíritos não é suficiente. Tanto quanto no seio da humanidade encarnada, no mundo dos espíritos também reina a saudável e construtiva divergência de opiniões. Enfim, a verdade em sua plenitude não está acessível ao homem – encarnado ou desencarnado -, mas dela podemos lograr razoáveis aproximações. Os instrumentos para tal são exatamente o raciocínio, o estudo e as vivências. Estas últimas se enriquecem e oferecem mais amplos descortinos, na medida em que se dá o intercâmbio com outras vivências e outras interpretações.

 

O que falta ao movimento espírita é a abertura e a aceitação de espaços livres de discussão para que o exercício do pluralismo aproxime conceitos e permita a atualização doutrinária.

 

 

Opinião em tópicos

            Milton R. Medran Moreira

 

Anencefalia

            No embate que se trava no Supremo Tribunal Federal visando à permissão de interrupção da gravidez em casos de fetos anencefálicos tem gente que, em nome de dogmas e crenças, distorce os fatos e faz conotações incompatíveis com o tema.

            O deputado federal Luiz Bussuma (PT-BA), espírita, presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Vida - Contra o Aborto, manifestou-se contrário à antecipação do parto desses fetos. É um direito dele, a partir de suas crenças e valores. Mas, foi infeliz ao dizer que liberar essa possibilidade é "abrir precedente para que se faça o mesmo em casos de outras deformidades, como a síndrome de down".

            Alto lá, Deputado! Ninguém tem o direito de prejulgar dessa forma. Atenhamo-nos àquilo que está em discussão, em um processo judicial com objeto perfeitamente delineado e revelador de boas intenções de parte de seus autores. A ação da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde postula apenas seja permitido às gestantes – desde que o queiram – antecipar o parto, uma vez comprovado ser o feto portador de anencefalia.  Em outras palavras, e com a objetividade que a situação recomenda: o processo busca se reconheça o direito de essas infelizes mulheres não serem processadas perante o Tribunal do Júri, por um crime doloso contra a vida, desde que, comprovadamente, padeça o feto de uma deformidade que a ciência afirma ser totalmente incompatível com a vida.

            A posição da AME

            A propósito, em debate na audiência pública promovida pelo STF sobre o tema, o advogado que patrocina a ação questionou a Dra. Marlene Severino Nobre, presidenta da Associação Médico Espírita, se ela concordava com a evidência médica de que em 100% dos casos de anencefalia ocorre a morte, ou no útero materno ou minutos depois do parto. A Dra. Marlene respondeu afirmativamente, mas sustentou que o direito à vida do anencéfalo “se sobrepõe a qualquer direito do ser já formado, incluindo-se aí a mãe”.

            Alto lá, Doutora! Não é isso que diz O Livro dos Espíritos. Aliás, a afirmação dos espíritos, na questão 359, é justamente o oposto a isso. Interrogados por Kardec se, no caso em que o nascimento da criança viesse a pôr em perigo a vida da mãe, haveria crime em sacrificar a criança para salvar a gestante, eles foram claros: “É preferível sacrificar o ser que ainda não existe a sacrificar o que existe”. Nisto, aliás, dissentiram radicalmente da posição da Igreja cuja doutrina, ainda hoje, privilegia a vida do nascituro em detrimento da mãe.

            Os especialistas ouvidos trouxeram ampla prova de que a anencefalia do feto, além de inviabilizar sua vida, fato com o quê concordou a presidenta da AME, pode causar sérios danos à gestante, tanto sob aspectos físicos como psicológicos, e, inclusive, à sua vida.

            O porquê da ação

O Código Penal vigente no Brasil penaliza a prática do aborto com pena de reclusão. Só excepciona em duas hipóteses: no caso de gravidez resultante de estupro e no de perigo de vida para a gestante. O diagnóstico de anencefalia, hoje possível ao início da gravidez, trouxe uma situação nova. Mas, a partir daí, as gestantes surpreendidas pelo diagnóstico, desde que não queiram levar a termo a gravidez, e para não responderem a um inquérito policial e conseqüente ação penal, precisam ingressar com uma ação em juízo pedindo autorização para a prática do aborto. Daí essa iniciativa, de nítido caráter humanitário, buscando se faculte a elas o que se denomina de “antecipação do parto”, sem a necessidade de aguardar os trâmites judiciais, normalmente demorados. Veja-se bem: pede-se que o Estado lhes permita essa prática e não que lhes imponha esse procedimento.

Se o Supremo indeferir esse pedido, formulado por entidade que congrega trabalhadores da saúde, estará simplesmente obrigando aquelas mulheres a levar a termo essa gestação (que não dará origem a uma nova vida) sob pena de cadeia. É isso mesmo: suspensa que não seja a aplicação de norma específica do Código Penal para casos devidamente comprovados de anencefalia do feto, a mulher que provocar o abortamento, estará sujeita a um processo penal perante o Júri Popular, por crime contra a vida.

A posição espírita

Colocada a situação nos estritos limites da ação que tramita no STF, é de se perguntar: É justo opor-se a ela? É isso minimamente humano? É defensável por pessoas realmente caridosas e preocupadas com a dor humana? Enfim, perante esse drama da vida de que lado devem estar os espíritas? Exatamente como no episódio da autorização para pesquisas com células-tronco embrionárias, num pólo do debate está o dogma e de outro o sentimento de humanismo e de valorização da vida. Não convém jamais perder de vista o caráter eminentemente humanista do espiritismo.

É freqüente se ouvir no meio espírita, exatamente como nas Igrejas, que a vida a Deus pertence e tudo o que diga respeito a ela está envolto em uma sacralidade tal que será pecaminoso interferirmos em suas leis, sob pena de invadirmos os domínios divinos. Alto lá, gente! Está na hora, sim, penso, de interferirmos, inteligente e eticamente, em todos os processos da vida, em favor de sua dignidade - tanto da gestante como do gestado - contribuindo, através da medicina, do direito e dos conhecimentos que o nosso estágio evolutivo nos propiciou, para que a vida física seja, sempre e em qualquer circunstância, uma oportunidade de progresso ao espírito. Nunca a imposição de um sofrimento inconseqüente e inútil a ele e àqueles que o amam.

Mas é comum também se alegar que o próprio espírito possa ter escolhido essa prova. Penso que se um espírito, atormentado pelo processo de culpa, perseguir o objetivo de passar por um sofrimento dessa natureza, ele está enfermo. O episódio não lhe será terapêutico. Talvez até contribua para o agravamento de sua perturbação.

 

Notícias

Excelente público na palestra mensal de setembro

            Cada vez mais prestigiadas, as conferências da primeira segunda-feira de cada mês, no Centro Cultural Espírita de Porto Alegre. Um público que se acostuma a acorrer ao auditório da instituição tem lotado o ambiente, todos os meses.

            No último dia 1º de setembro mais uma vez o auditório do CCEPA lotou por interessados em assistir à palestra de Rogério Hipólito Feijó Ferreira que discorreu sobre “Saúde, uma Visão Quântica”.

            Para outubro, conforme noticiamos na primeira página desta edição, o CCEPA realiza duas palestras consecutivas, nas noites de 6 (segunda-feira) e 7 (terça), esta última a ser proferida pelo conferencista internacionalmente conhecido, Jon Aizpúrua, que estará visitando o Brasil e falará no CCEPA sobre “Terapia de Vida Passada na Visão Espírita”.

 

Café Cultural do CCEPA teve música, cultura e muita confraternização

            Na tarde de sábado, 6 de setembro, realizou-se na sede do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre o I Café Cultural do CCEPA.

            Foi uma exitosa experiência, prestigiada por cerca de 90 pessoas. Além de um excelente café, preparado por um grupo de colaboradoras da instituição, sob a coordenação da Diretora Social, Sílvia Pinto Moreira, a tarde contou com o momento “nossos livros”, com comentários sobre obras lançadas por iniciativa da CEPA ou do CCEPA, um recital do Coral do Clube de Mães da Vila Assunção e vários cantores individuais, acompanhados pelo violão de Basildes dos Santos Martins.

 

Enfoque

Uma doutrina. Duas visões de mundo

 

Ademar Arthur Chioro dos Reis e jovens da Pré-Mocidade do CEAK *

 

            Esse artigo apresenta uma síntese do projeto de iniciação científica realizado por oito jovens (14 anos) pertencentes à Pré-Mocidade do CE Allan Kardec. O estudo teve como objetivo compreender os diferentes significados que os conceitos de “lei de causa e efeito”, “carma” e “livre-arbítrio” assumem entre espíritas laicos e religiosos.  A partir do estudo do Livro dos Espíritos, os autores procuraram compreender a visão espírita desses conceitos, constatando que Kardec não utilizou o conceito de carma e que reencarnação assumiu contornos diferentes do conceito de origem oriental.

Foi aplicado um questionário estruturado a dois grupos distintos de espíritas. O primeiro formado por 67 espíritas vinculados à CEPA, entrevistados durante o X Simpósio Brasileiro do Pensamento Espírita. O segundo por 60 espíritas de um Centro Espírita de orientação religiosa de Santos, vinculado à FEB e à USE.  Foi solicitada autorização ao dirigente espírita da casa para aplicação dos questionários ao final da reunião pública. Como critério de seleção restringiu-se a entrevistar pessoas que freqüentam um grupo espírita há mais de um ano.

            A maioria dos religiosos (66,6%) e dos laicos (74,6%) explicaram a expiação como “Uma situação que implica em dificuldades ou sofrimentos que o espírito escolhe para sua nova encarnação (quando tem condições para isso) com o objetivo de corrigir erros ou as provas não cumpridas em outras encarnações, permitindo que ele possa continuar evoluindo”, coerente com o texto de Kardec. Em relação às provas, 88% dos espíritas laicos e apenas 58,3% dos religiosos a conceituaram de acordo com a visão de Kardec: “as dificuldades e desafios que os espíritos podem escolher ou não vivenciar na encarnação para evoluir mais rápido, não implicando em punição”.

            Perguntados sobre o conceito de carma para Kardec, 69% dos laicos responderam corretamente, afirmando que em nenhum momento ele cita a palavra. Demonstraram conhecimento adequado sobre a origem do conceito no budismo e hinduísmo (86%). Entre os religiosos, apenas 40% sabiam a sua origem e 20% apontou que surgiu com o Livro dos Espíritos.

            Em relação à lei de causa e efeito, 78,3% dos religiosos e 83,6% dos laicos afirmaram que se trata de uma “Lei Divina segundo a qual cada ato ou ação do ser corresponde a um efeito”, coerente com o pensamento expresso por Kardec. Um número mais expressivo ainda de espíritas laicos (89%) afirmou que “um espírito é totalmente responsável por seus atos e pelas conseqüências que eles geram” quando questionados qual o conceito espírita de livre-arbítrio. Rejeitam, desta forma, idéias como a de que Deus atua por meio dos espíritos superiores e determina os acontecimentos importantes de nossa vida, ou que o determinismo e o fatalismo não permitem a existência de liberdades de escolhas. Entre os religiosos esse número cai para 74%.

            Quando perguntados sobre a origem de doenças graves como o câncer, a AIDS e o Alzheimer, 41,6% dos espíritas religiosos responderam que são provas ou expiações, 28,3% atribuem essas enfermidades à lei de causa e efeito. Entre os laicos, 38,8% responderam que não é possível afirmar que sejam causadas por provas, expiações, carma ou lei de causa e efeito ou meramente por problemas orgânicos. Já em relação à explicação espírita para as deficiências mentais e a loucura, 50% dos religiosos afirmaram que são provas ou expiações e 36,6%  a lei de causa e efeito. Por outro lado, 46,3% dos laicos afirmaram que não é possível afirmar sua gênese.

            Os espíritas religiosos, questionados sobre a miséria e a injustiça social, responderam que são causadas pela lei de causa e efeito (36,6%) ou provas e expiações (35%). Já os laicos responderam que se trata de problemas puramente de origem política e social (52,3%), sendo que 26,9% acreditam que não é possível afirmar nenhuma das alternativas propostas. Note-se que a maioria dos laicos apresenta opinião distinta da expressa por Kardec.

            Quando questionados como pode ser explicada a situação de uma pessoa que é atingida por uma bala perdida e desencarna, as opiniões entre os religiosos ficaram divididas entre lei de causa e efeito (36,6%) e ação decorrente da atitude irresponsável de um terceiro que arcará pelas conseqüências de seu ato (33,3%). Esta última alternativa foi escolhida pela maioria (59,7%) dos laicos, enquanto 23,9% indicaram a origem social em decorrência do sistema político e econômico.

            Ao se defrontarem com o tema “11 de setembro”, com a destruição das Torres Gêmeas e a morte de milhares de pessoas, os religiosos apontaram as provas coletivas como explicação (33,3%), expiação coletiva (36,6 % ) ou lei de causa e efeito (26,6%). Os espíritas laicos (64,2%), por sua vez, afirmaram que não era possível saber certamente os motivos da tragédia.  Quanto ao Tsunami ocorrido na Indonésia em 2004, que vitimou mais de 220 mil pessoas, 40% do grupo religioso atribuiu aquele desastre coletivo à prova coletiva e outros 40% às expiações coletivas, enquanto o grupo laico apontou que não era possível saber certamente os motivos da tragédia.

            Para os espíritas religiosos tanto os problemas de ordem individual como os de ordem coletiva são explicados como provas, expiações ou como a ação da lei de causa e efeito. Os espíritas laicos entrevistados manifestaram posição claramente distinta quando questionados sobre desastres e tragédias coletivas.   Quando o problema é de origem individual, os espíritas laicos, ainda que não majoritariamente, tendem a acreditar que provas e expiações possam explicar o motivo. Porém, quando se trata da dimensão coletiva, consideram múltiplas explicações, o que os leva a afirmar que não é possível afirmar categoricamente a causa das tragédias coletivas.

            A partir do estudo desenvolvido foi possível chegar à conclusão que os espíritas laicos têm um conhecimento sobre os conceitos estudados mais coerente com os postulados de Kardec e que os religiosos também acertam a maioria das respostas, ainda que em menor freqüência.  Pode-se afirmar que há uma base conceitual comum a partir dos postulados filosóficos de Kardec.

            A concordância termina aí!  Identificamos, objetivamente, que embora sejam devedores de uma referência filosófica comum (o pensamento de Kardec), os dois grupos expressam distintas visões de mundo quando analisam situações concretas da vida, na medida em que suas explicações para os problemas do homem e do mundo atual são absolutamente diferentes e resultam em posicionamentos muitas vezes antagônicos, como por exemplo, a ferrenha oposição que fazem espíritas religiosos no Brasil contra a liberação de pesquisas com células-tronco embrionárias, aliando-se ao conservadorismo católico.

            Os espíritas religiosos tendem a explicar os problemas (individuais e coletivos) como provas, expiações ou lei de causa e efeito, subordinando-se a um determinismo rígido, a uma premeditação que envolveria as leis naturais em um sistema marcado pelo fatalismo, sem alternativas, apontando para um futuro inescapável, em que tudo está decidido e previsto. Deus para eles atua por meio dos espíritos superiores e determina os acontecimentos importantes de nossa vida. O determinismo e o fatalismo divinos não permitem, assim, a existência de liberdades de escolhas.

            Já os espíritas laicos acreditam em explicações menos vinculadas ao determinismo e ao fatalismo. Em questões relacionadas às doenças graves, morte por bala perdida, loucura e deficiências mentais, apontam não ser possível afirmar categoricamente os motivos que explicam esses problemas. Tendem a acreditar que cada situação pode ser explicada de muitas maneiras diferentes.  Professam uma visão de mundo mais complexa, em que o espírito encarnado mobiliza-se e é ao mesmo tempo mobilizado por distintos vetores, estando submetido, por um lado, às provas, expiações e aos efeitos da lei de causa e efeito; por outro lado, às influências e conseqüências da vida em sociedade (da estrutura social); e, ainda, atuam como sujeitos autônomos, utilizando-se plenamente do livre-arbítrio, que a despeito das influências palingenésicas e da estrutura social, permite que sejam efetivamente protagonistas e construam, no presente, o seu futuro.

            Religiosos e laicos partem dos mesmos pressupostos, tomando como referência a obra básica de Allan Kardec. Na teoria, aparentemente, concordam com os mesmos princípios. Na prática, aplicam os conceitos de maneira distinta. Duas formas diferentes de ver os problemas do homem, da sociedade e do mundo atual. Não se trata, portanto, de um diletantismo, um problema meramente secundário, como muitos querem fazer crer, o debate sobre a natureza e o caráter epistemológico do espiritismo. Concebê-lo enquanto uma religião forja certa concepção de mundo. Analisá-lo sobre o prisma do laicismo, do humanismo e do livre-pensar, tal qual proposto pela CEPA, permite outra concepção de homem e de mundo, uma postura kardecista e mais protagônica frente à vida.  

            Nota: o trabalho na íntegra está disponível em: www.ceak.com.br

*CEAK – Centro Espírita Allan Kardec, Santos/SP.