OPINIÃO Ano XIV – Nº 154  Julho 2008

30 ANOS DE ESTUDO SISTEMATIZADO DA DOUTRINA ESPÍRITA

Nossa Opinião

Editorial: Um resgate para história

Opinião em Tópicos:  Nova Polêmica do Medrado //   Um a zero  //  Bahia de todos so santos //  Placar final (Milton Medran)

Notícias: Uma teoria espírita para os juros  //  Conferência de Grossini relembrou 150 anos da obra de Darwin e fez conexões com o espiritismo  // CVV e CCEPA de mãos dadas com a vida

 

30 Anos de Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita

(Por Marcelo Henrique Pereira, Presidente da Associação de Divulgadores do Espiritismo de Santa Catarina – ADE- SC)

É tempo de resgatar a importância e o pioneirismo dos espíritas gaúchos, na efetivação de um programa de Estudo Sistematizado do Espiritismo, verdadeira âncora do movimento espírita contemporâneo.

Antecedentes históricos

Foi em 22 de julho de 1978, quando Maurice Herbert Jones presidia a Federação Espírita do Rio Grande do Sul e Salomão Benchaya era seu Diretor Doutrinário, que se lançou no Estado gaúcho a “Campanha de Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita – ESDE”.  É bem verdade que a (antiga) Sociedade Espírita Luz e Caridade - SELC (hoje Centro Cultural Espírita de Porto Alegre - CCEPA) já mantinha, na década de 70, grupos de estudo sistematizado do Espiritismo, mas a prática não era comum no movimento espírita.
As práticas pedagógicas nas instituições espíritas, em relação aos adultos, se baseavam na leitura seqüencial dos capítulos das obras básicas, seguidas de interpretação e alguma discussão entre os participantes. O ESDE, em seu nascedouro, buscou inspiração no COEM (Centro de Orientação e Estudo da Mediunidade), exitosa iniciativa do Centro Espírita Luz Eterna, de Curitiba (PR). Já a SELC foi o verdadeiro laboratório onde se concebeu e se aprimorou a Campanha de Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita. Vale dizer que o movimento espírita, com a proposta da federativa gaúcha, iniciava uma nova e importante fase: a da conscientização da necessidade do estudo.

Da “surda resistência” à implantação
Jones buscou apoio na Federação Espírita Brasileira (FEB), para encampar o projeto e difundi-lo, oficialmente, entre as instituições do Conselho Federativo Nacional (CFN).
O livro Da Religião Espírita ao Laicismo, de Benchaya registra as enormes dificuldades enfrentadas pelo dirigente espírita gaúcho para  implantar a Campanha em âmbito nacional. Havia, conforme o autor, uma “surda resistência” que obrigou Maurice Jones a forçar a votação de sua proposta que vinha sendo sucessivamente adiada: “Argumentou Jones, na oportunidade, que não podia entender aquela surda resistência a uma Campanha de Estudo do Espiritismo em um movimento que já desenvolvia uma intensa Campanha de Evangelização Infanto-juvenil. Finalizou sua manifestação dizendo aguardar a votação, que era aberta, pois apreciaria conhecer e registrar para a história, os dirigentes de Federações Estaduais que se atrevessem a reprovar uma campanha objetivando estimular o estudo do Espiritismo”.
O esforço dos pioneiros - Salomão, pela autoria e Jones pela defesa no Conselho Federativo Nacional da FEB - foi recompensado: na tarde de 6 de julho de 1980, um domingo, a proposta gaúcha terminou aprovada pela unanimidade dos representantes presentes em Brasília. A FEB, entretanto, levaria mais de três anos para lançar oficialmente a campanha, já com roteiros e programas de estudo reelaborados por uma comissão específica.

Nossa Opinião

A redescoberta de Kardec

        Decorridos 30 anos da implantação, no Rio Grande do Sul, da Campanha de Estudo Sistematizado do Espiritismo, não é exagero afirmar que, ali, despontava uma nova era para a sedimentação das idéias espíritas no Brasil.

        Não se poderia conceber um espiritismo minimamente respeitado sem que seus estudiosos e divulgadores desenvolvessem, em seus núcleos, um programa sistemático de estudos, tendo por base as obras fundamentais de Kardec e, por complemento, outros autores que as interpretaram e ampliaram.

        A iniciativa teve outro e decisivo mérito: permitiu também que os espíritas brasileiros, antes mais voltados ao fenômeno da mediunidade e à leitura de obras psicografadas, pudessem “redescobrir” Kardec e seus fundamentos doutrinários. É que mediunidade é uma coisa e espiritismo é outra. Nem sempre as idéias transmitidas pela via mediúnica se harmonizam com a racionalidade da proposta espírita kardequiana.

        O melhor conhecimento das obras de Allan Kardec possibilitou ainda outros avanços acontecidos, não sem igual ou maior resistência, no mesmo período em que a FERGS teve como dirigentes pensadores espíritas ligados à SELC (hoje CCEPA). Nos anos 80 do século passado, desfechou-se, recorde-se, de um amplo debate sobre a própria identidade do espiritismo. Se antes era impossível vislumbrar o espiritismo que não a partir do tripé emmanuelino (Ciência/Filosofia/Religião), o debate inaugurado na época permitiu que se atentasse para a proposta original de Kardec. Esta, claramente, conduzia a uma visão de espiritismo como “ciência de conseqüências filosófico-morais”, que o distancia da conceituação de “religião”.

        Há quem, ainda hoje, afirme que essas históricas iniciativas tiveram como conseqüência a desunião dos espíritas. Nós sustentamos que não, que só um caminho pode promover a fortaleza do espiritismo e a união dos espíritas: o do conhecimento, do respeito e da fidelidade a Kardec e sua obra.

 

Editorial

Um resgate para a História

 

A aspiração por uma ordem superior das coisas é indício da possibilidade de atingi-la.

(Allan Kardec)

 

            O dia 2 de julho deste ano assinalou um acontecimento marcante para a história dos países da América. Mediante uma operação de inteligência, militares colombianos conseguiram libertar quinze reféns da organização criminosa FARC, entre os quais uma importante líder política e ex-senadora daquele país, Ingrid Betancourt, que se achava seqüestrada havia mais de seis anos.

            O fato reveste-se de um ímpar simbolismo, porque, mais do que o resgate da liberdade individual de pessoas - o que, por si só é importantíssimo - consagra o avanço efetivo da presença do Estado, em um país que, há muitos anos, vê parte de seu território e de seu povo subjugada por organizações paraestatais, sustentadas pelo narcotráfico.

            O Estado Moderno é resultado do esforço promovido pela humanidade, ao curso de muitos séculos. Sua efetiva implantação, vencidas fases em que o domínio da força e do poder pecuniário foi predominante, só começou se efetivar, no mundo ocidental, há pouco mais de 200 anos, quando o absolutismo dos reis e dos pretensamente ungidos pela divindade, logrou ser substituído pelas modernas democracias. O princípio segundo o qual todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido é uma das mais extraordinárias conquistas da humanidade, mas sua efetiva aplicação carece continuamente de aperfeiçoamento.

            O Brasil mesmo assiste, com imensa preocupação, o avanço das organizações criminosas. Também sustentadas por essa praga contemporânea que é o comércio de drogas ilegais, verdadeiras potências econômicas, anônimas e quase sempre inidentificadas, subjugam e administram grande conglomerados populacionais, especialmente nas principais cidades do país. Seus tentáculos se estendem por todos os setores, incluindo-se as instâncias políticas, administrativas, policiais e jurídicas. Responsáveis, em grande parte, pela corrupção de agentes públicos e pela deterioração moral de imensa parcela de homens, mulheres, jovens e crianças, as organizações criminosas ameaçam a vigência do Estado de direito. Se este representa uma das grandes conquistas éticas da humanidade, comprovando a exeqüibilidade da lei do progresso, descoberta na modernidade, a debilidade ética e a ignorância de uma enorme quantidade de pessoas acabam por constituir sério obstáculo à sua plena realização.

            É preciso que o Estado imponha e garanta, firmemente, a aplicabilidade da lei em todo seu território e sobre todos os cidadãos que o ocupam.

As leis modernas são, via de regra, expressões dos mais acalentados e nobres projetos humanos. Expressam o desejo coletivo dos povos e, por isso mesmo, obstaculizam, muitas vezes, projetos individuais, inspirados por sentimentos e interesses egoísticos. As percepções coletivas, nascidas das grandes idealizações do espírito, superam a capacidade individual de transformação moral e funcionam, por isso mesmo, como freios aos apetites pessoais. É, pois, a partir das leis de um país e de sua organização político-social que podemos avaliar o progresso moral de um povo, muito mais do que pela conduta individual de seus cidadãos. O caráter moralizador do Estado, superados preconceitos e privilégios ontem inerentes às teocracias e aristocracias, passa a ser, dessa forma, instrumento transformador do indivíduo, impondo-se aquele como verdadeiro modelo deste.

            Por isso mesmo, um fato como o agora ocorrido na Colômbia reveste-se de um simbolismo transcendente. Quando o homem mostra-se capaz de resgatar o poder e a vigência do Estado de direito testemunha sua crença nos supremos valores cultivados pelo espírito. (Artigo publicado no jornal Zero Hora de Porto Alegre, edição de 7.7.08, firmado pelo jornalista Milton Medran Moreira, editor de Opinião)

 

As percepções coletivas, nascidas das grandes idealizações do espírito, superam a capacidade individual de transformação moral e funcionam como freios aos apetites pessoais.

 

Opinião em Tópicos

 

Milton Medran Moreira

 

            Nova polêmica do Medrado

            A polêmica vem, de novo, da Bahia. E foi protagonizada, outra vez, por José Medrado, o conhecido médium que, há algum tempo, entrou na Justiça e obteve o reconhecimento dos efeitos civis de “casamento religioso” realizado no “Centro Espírita Cavaleiro da Luz”, que ele dirige, em Salvador.

            Agora, Medrado representou junto ao Ministério Público pedindo a retirada de circulação do livro Sim, Sim! Não, Não! Reflexões de Cura e Libertação, de autoria do padre Jonas Abib, O requerimento de Medrado foi acatado pelo Ministério Público e, por solicitação deste, a Justiça determinou a apreensão por indícios de prática de “incitação de discriminação ou preconceito religioso”, já que Abib teria feito no livro “afirmações inverídicas e preconceituosas à religião espírita e às religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, além de flagrante incitação à destruição e ao desrespeito aos seus objetos de culto.”

            Um a zero

            Vendo-se a coisa sob o ponto de vista religião espírita x religião católica, o placar com essa decisão está um a zero a favor da religião espírita. Mesmo se considerando que, antes da apreensão, o livro do padre, que pertence à ala carismática do catolicismo (a que está muito próxima das práticas das novas igrejas evangélicas, cada vez mais populares no Brasil e em toda a América Latina), já vendera nada menos que 400 mil exemplares. Medrado, um genuíno “sacerdote espírita” já obtivera vitória semelhante quando teve deferida pelo Tribunal da Justiça pretensão no sentido de que os “casamentos religiosos” celebrados em seu “templo espírita” fossem reconhecidos como aptos a produzir efeitos civis. O argumento, então, revestia-se de uma lógica interna incontestável: o que às outras religiões a lei permite há de permitir também à religião espírita. O tribunal, cujos membros nasceram, cresceram e se formaram ouvindo dizer que o espiritismo é uma religião, não podia deixar de se render a essa lógica.

            Bahia de todos os santos

            No episódio de agora, também há de se reconhecer lógica na ação ajuizada pelo Ministério Público e conseqüente decisão judicial. O padre, no seu livro, discrimina espíritas, umbandistas e seguidores do candomblé. Na Bahia de todos os santos isso tem um significado muito especial, e a Justiça tem de ser sensível ao clamor de um povo que, vestido com paramentos do candomblé, lava as escadarias da Igreja do Bom Fim com água-de-cheiro e manda celebrar missas pela alma de Mamãe Menininha. O padre atenta violentamente contra esse estado de espírito, na medida em que diz em seu livro que a Bíblia condena o candomblé, o espiritismo e as religiões de matriz africana e que, por isso, os verdadeiros cristãos estão autorizados, inclusive, a destruir os objetos de culto dessas religiões. Abib, com seu livro, violenta a cultura sincrética e pacífica de um povo que construiu uma religiosidade capaz de passar por cima de todos os dogmas de fé, mesclando, em seus cultos populares, o que há de mais simbólico e festivo em cada uma das religiões ali praticadas.

            Placar final

            Se o espiritismo no Brasil quer continuar integrando esse universo do sincretismo e do simbolismo religioso, as investidas judiciais de José Medrado são oportunas e adequadas. Enfim, esse foi o caminho escolhido, majoritariamente, pelo espiritismo do Brasil, ao lhe reclamar o status de mais uma religião. A religião espírita se fortalece com iniciativas desse gênero.

            Mas, para quem prefere que o espiritismo se apresente como um movimento de idéias arreligiosas, laicas, comprometidas com o livre-pensamento e a livre manifestação de opinião, esses procedimentos podem ser desastrosos.

            Impedir a circulação de livros que detratam o espiritismo pode dar lugar a vitórias fugazes. Amanhã ou depois, uma decisão dessa ordem, proferida liminarmente e sem o crivo do contraditório, pode ser revogada, identificando-se nela prática de injustificável censura. Resultado: o livro atacado venderá mais ainda e os espíritas ficarão com a pecha de opositores do princípio da livre manifestação de idéias. O placar final nos será altamente desfavorável.

           

 

Notícias

CVV e CCEPA de mãos dadas com a vida

            O Centro Cultural Espírita de Porto Alegre – CCEPA -, uma vez mais colabora com o Centro de Valorização da Vida – CVV – Posto de Porto Alegre, cedendo seu auditório para a realização da 8ª Semana de Valorização da Vida, em comemoração aos 38 anos de existência da entidade em Porto Alegre.

            Abertura da Semana

           As atividades serão abertas no dia 27 de julho, domingo, às 10 h, no Parque da Redenção, com divulgação do trabalho do CVV, a ser feito por voluntários da entidade.

            Na segunda-feira, 28/7, às 16h, será realizado um chá beneficente no Restaurante Birra & Pasta, no Shopping Praia de Belas, com apresentação do Coral dos Idosos do Asilo Padre Cacique, seguido da palestra “38 anos valorizando a vida”, a cargo da Voluntária Conceição.

            Palestras no CCEPA

            As atividades da 8ª Semana de Valorização da Vida, a partir do dia 29, serão todas realizadas no auditório do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre, à Rua Botafogo, 678, Bairro Menino Deus, Porto Alegre, conforme programação a seguir detalhada:

            29/7 – terça-feira - 20h - Palestra “Natureza da Doença Mental – Saúde Mental”, c/ Nirma Carpes (enfermeira e advogada).

            30/7 – quarta-feira – 20h – Palestra “Voluntariado e Cidadania”- c/Claudia Franciosi (gerente de mobilização da ONG Parceiros Voluntários.

            31/7 – quinta-feira – 20h -  Palestra “A Importância da Auto-Estima nos Transtornos de Humor” – c/ Débora Vilgevani Schaf (médica psiquiátrica do Hospital de Clínicas.

            1º/8 – sexta-feira – 20h – Palestra “Nascimento Ecológico e Valorização da Vida” c/ Ricardo Herbert Jones (médico obstreta, homeopata e escritor), seguido de ato de encerramento com confraternização pelos 38 anos do Posto CVV/POA.

                        O médico Ricardo Herbert Jones encerra a Semana de Valorização da Vida, com a palestra “Nascimento Ecológico e Valorização da Vida”.

 

CCEPA promove Café Cultural em Setembro. Apareça.

 

Conferência de Grossini relembrou 150 anos da obra de Darwin e fez conexões com o espiritismo

            A tradicional conferência da primeira segunda-feira do mês no Centro Cultural Espírita de Porto Alegre esteve, em julho, a cargo de Carlos Grossini, Diretor do CCEPA, que abordou o tema “Evolução e Espiritismo”, assinalando os 150 anos do lançamento da teoria da evolução. Grossini destacou a importância do trabalho conjunto de Charles Darwin e Alfred Russel Wallace, relembrando a condição de espírita deste último.

 

 

Uma teoria espírita para os juros

 

                                                                                                José Rodrigues*

 

A prática de juros, entendida como o efeito do dinheiro gerar dinheiro e provocar maior acumulação de capital, na denominação histórica de usura, mesmo combatida por grandes códigos da humanidade, está na base da maioria das crises econômicas e de desigualdades sociais. O tema permeia o Velho Testamento, passa pelo Corão e pela Torá e deságua em muitas constituições de países, que tentam impor um limite a esse retorno, cuja raiz está no espírito de ambição da criatura humana, pronta a buscar o máximo pelo mínimo, fazer com que outros trabalhem por si e alimentar o sonho do ócio, sabe-se lá por quanto tempo.

Uma das fontes mais antigas, o livro Deuteronômio (22:19) indica que “A teu irmão não emprestarás com juros, nem dinheiro, nem comida...”. A Torá, dos judeus, chama os juros de ‘mordida’ (neshech), alusão ao golpe de uma serpente para atacar a presa iminente, uma bela imagem, enquanto a Lei da Shari’ah, dos árabes, condena, genericamente, a usura, a ganância e a cobrança de juros (riba), mas institui, nas práticas comerciais um modelo que pode crescer no mundo – o que já vem ocorrendo – o emprestador e o tomador assumem uma parceria no negócio

Os chamados ‘fundos islâmicos’ avançam no mundo, seja pelo número de adeptos do islamismo (cerca de 1,6 bilhão de pessoas), pelo aumento dos recursos advindos dos altos preços do petróleo, ou pelo menor risco que apresentam.

Max Weber (1864-1920), intelectual alemão, jurista e considerado um dos fundadores da sociologia, tentou decifrar a influência de princípios religiosos no mundo ocidental, época em que as complexas fórmulas e ferramentas financeiras ainda engatinhavam. Em sua obra mais conhecida “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, baseada em ensaios escritos entre 1904 e 1905, Weber põe a vontade de ‘ganhar mais’ dentro de uma realidade histórica do homem de todos os cantos do mundo, enquanto o capitalismo advém de um sistema, uma racionalização dessa vontade. A diferença trazida pelo sociólogo está no princípio da acumulação, fruto do trabalho, levado à conta de caminho da salvação.

As teses reformistas de Lutero (Martin Luther, 1483-1546), alemão e depois do francês Calvino (Jean Cauvin, 1509-1564), foram contrapostas às do catolicismo, um sistema produtor do ascetismo, de retirada do homem do mundo para agradar a Deus, condição em que o trabalho se transformava em castigo. Lutero cansou-se do papado, enfrentou-o, denunciou o comércio das indulgências e acabou por fincar as bases do protestantismo. A frugalidade da vida de seus seguidores, bem conhecida pelo estilo dos puritanos, aliada ao trabalho, que recolocava o homem no mundo para chegar ao paraíso, desdobrou-se por vários países que viriam posicionar-se, no decorrer do tempo, com destaque na escala econômica.

Recentemente, um estudo desafiador de outros dois alemães, Sascha O. Becker e Ludger Woessmann, da Universidade de Munique (versão de abril de 2007), conclui que o desenvolvimento econômico de cidades e países de matriz protestante, na Europa, deveu-se não à ética do trabalho, mas à ética da educação. A conclusão é simples e convencedora. Os protestantes tiveram de se instruir, alfabetizar-se, para ler a Bíblia, o que se transformou em um impulso para o conhecimento. De fato, toda acumulação tecnológica advém da soma de saberes, que em nenhuma hipótese dispensa a educação.

Com toda ou meia razão, Weber apontou a eleição do trabalho pelos protestantes como ingrediente necessário à vida. E a teologia calvinista suprimiu o caráter pecaminoso dos juros.

O espiritismo não tem uma teoria específica para os juros, por si mesmo um conceito elástico, dadas as variações monetárias, resultados de mudanças de preços, o que altera o poder aquisitivo da moeda em dois tempos. Mas as tem claras sobre o trabalho e a riqueza, cuja legitimidade não admite vantagens desonestas de uns sobre outros. Indiretamente, toca nos juros, os chamados abusivos, que vão além da correlação de preços. É o caso em que o dinheiro se transforma em ‘emprego’. O conceito universal defendido pelos espíritos é o de que, mesmo sem necessidades materiais (seria pelos bens acumulados), o homem não se isenta da “obrigação de ser útil, de acordo com suas possibilidades, nem do dever de aperfeiçoar a sua inteligência ou a dos outros, o que é também trabalho”.

A tese espírita, que nada tem a ver com a de salvação, por inexistirem escolhidos ou descartados do paraíso, pode conciliar as de Weber, Becker e Woessmann, na medida em que o trabalho, auxiliado pela educação, engrandece o espírito, pela acumulação de conhecimentos e expansão da inteligência. O ingrediente faltante, o pêndulo ético, procede da ausência do orgulho e do egoísmo, restando apenas “a desigualdade do merecimento”.

 

Max Weber (1864-1920) apontou a eleição do trabalho pelos protestantes como ingrediente necessário à vida. A teologia calvinista suprimiu o caráter pecaminoso dos juros.

 

*José Rodrigues, jornalista e economista, integra o Centro Espírita Allan Kardec, de Santos e preside a Ação de Recuperação Social – ARS.

 

Para saber mais sobre o tema:            http://www.hks.harvard.edu/pepg/PDF/Papers/PEPG07-04_Becker_Woessmann.pdf

e suplemento EU & Fim de Semana do jornal Valor Econômico, de 28/03/2008.

  

 

Nota do Editor

Por falha na edição de junho (Opinião nº 153), omitimos o nome e os créditos do autor do artigo Espiritismo e Evangelismo, na seção Enfoque. Suprimos, aqui, a omissão:  o autor é Carlos Augusto P. Parchen  www.carlosparchen.net - c_a_parchen@yahoo.com.br –, Engenheiro Agrônomo e Professor Universitário em Curitiba/PR. Conferencista, freqüenta o Centro Espírita Luz Eterna e a Sociedade Espírita Fraternidade, de Curitiba.