OPINIÃO Ano XIV – Nº 154 Julho 2008
30 Anos de Estudo Sistematizado da
Doutrina Espírita
(Por Marcelo
É tempo de resgatar a importância e o pioneirismo dos espíritas
gaúchos, na efetivação de um programa de Estudo Sistematizado do Espiritismo,
verdadeira âncora do movimento espírita contemporâneo.
Antecedentes
históricos Foi em 22 de julho de 1978, quando
Da “surda
resistência” à implantação |
A redescoberta de Kardec
Decorridos 30 anos da implantação, no Rio Grande do Sul, da
Campanha de Estudo Sistematizado do Espiritismo, não é exagero afirmar que,
ali, despontava uma nova era para a sedimentação das idéias espíritas no
Brasil.
Não se poderia conceber um espiritismo minimamente respeitado
sem que seus estudiosos e divulgadores desenvolvessem, em seus núcleos, um
programa sistemático de estudos, tendo por base as obras fundamentais de Kardec
e, por complemento, outros autores que as interpretaram e ampliaram.
A iniciativa teve outro e decisivo mérito: permitiu também
que os espíritas brasileiros, antes mais voltados ao fenômeno da mediunidade e
à leitura de obras psicografadas, pudessem “redescobrir” Kardec e seus
fundamentos doutrinários. É que mediunidade é uma coisa e espiritismo é outra.
Nem sempre as idéias transmitidas pela via mediúnica se harmonizam com a
racionalidade da proposta espírita kardequiana.
O melhor conhecimento das obras de Allan Kardec possibilitou
ainda outros avanços acontecidos, não sem igual ou maior resistência, no mesmo
período
Há quem, ainda hoje, afirme que essas históricas iniciativas
tiveram como conseqüência a desunião dos espíritas. Nós sustentamos que não,
que só um caminho pode promover a fortaleza do espiritismo e a união dos
espíritas: o do conhecimento, do respeito e da fidelidade a Kardec e sua obra.
Um
resgate para a História
A aspiração por uma ordem superior das
coisas é indício da possibilidade de atingi-la.
(Allan Kardec)
O dia 2 de julho deste ano assinalou um acontecimento marcante para a
história dos países da América. Mediante uma operação de inteligência,
militares colombianos conseguiram libertar quinze reféns da organização
criminosa FARC, entre os quais uma importante líder política e ex-senadora
daquele país, Ingrid Betancourt, que se achava seqüestrada havia mais de seis
anos.
O fato reveste-se de um ímpar
simbolismo, porque, mais do que o resgate da liberdade individual de pessoas -
o que, por si só é importantíssimo - consagra o avanço efetivo da presença do
Estado, em um país que, há muitos anos, vê parte de seu território e de seu
povo subjugada por organizações paraestatais, sustentadas pelo narcotráfico.
O Estado Moderno é resultado do
esforço promovido pela humanidade, ao curso de muitos séculos. Sua efetiva
implantação, vencidas fases em que o domínio da força e do poder pecuniário foi
predominante, só começou se efetivar, no mundo ocidental, há pouco mais de 200
anos, quando o absolutismo dos reis e dos pretensamente ungidos pela divindade,
logrou ser substituído pelas modernas democracias. O princípio segundo o qual
todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido é uma das mais
extraordinárias conquistas da humanidade, mas sua efetiva aplicação carece
continuamente de aperfeiçoamento.
O Brasil mesmo assiste, com imensa
preocupação, o avanço das organizações criminosas. Também sustentadas por essa
praga contemporânea que é o comércio de drogas ilegais, verdadeiras potências
econômicas, anônimas e quase sempre inidentificadas, subjugam e administram
grande conglomerados populacionais, especialmente nas principais cidades do
país. Seus tentáculos se estendem por todos os setores, incluindo-se as
instâncias políticas, administrativas, policiais e jurídicas. Responsáveis, em
grande parte, pela corrupção de agentes públicos e pela deterioração moral de
imensa parcela de homens, mulheres, jovens e crianças, as organizações
criminosas ameaçam a vigência do Estado de direito. Se este representa uma das
grandes conquistas éticas da humanidade, comprovando a exeqüibilidade da lei do
progresso, descoberta na modernidade, a debilidade ética e a ignorância de uma
enorme quantidade de pessoas acabam por constituir sério obstáculo à sua plena
realização.
É preciso que o Estado imponha e
garanta, firmemente, a aplicabilidade da lei em todo seu território e sobre
todos os cidadãos que o ocupam.
As
leis modernas são, via de regra, expressões dos mais acalentados e nobres projetos
humanos. Expressam o desejo coletivo dos povos e, por isso mesmo, obstaculizam,
muitas vezes, projetos individuais, inspirados por sentimentos e interesses
egoísticos. As percepções coletivas, nascidas das grandes idealizações do
espírito, superam a capacidade individual de transformação moral e funcionam,
por isso mesmo, como freios aos apetites pessoais. É, pois, a partir das leis
de um país e de sua organização político-social que podemos avaliar o progresso
moral de um povo, muito mais do que pela conduta individual de seus cidadãos. O
caráter moralizador do Estado, superados preconceitos e privilégios ontem
inerentes às teocracias e aristocracias, passa a ser, dessa forma, instrumento
transformador do indivíduo, impondo-se aquele como verdadeiro modelo deste.
Por isso mesmo, um fato como o agora
ocorrido na Colômbia reveste-se de um simbolismo transcendente. Quando o homem
mostra-se capaz de resgatar o poder e a vigência do Estado de direito
testemunha sua crença nos supremos valores cultivados pelo espírito. (Artigo
publicado no jornal Zero Hora de Porto Alegre, edição de 7.7.08, firmado
pelo jornalista
As percepções coletivas, nascidas das grandes
idealizações do espírito, superam a capacidade individual de transformação
moral e funcionam como freios aos apetites pessoais.
Nova
polêmica do Medrado
A
polêmica vem, de novo, da Bahia. E foi protagonizada, outra vez, por José
Medrado, o conhecido médium que, há algum tempo, entrou na Justiça e obteve o
reconhecimento dos efeitos civis de “casamento religioso” realizado no “Centro
Espírita Cavaleiro da Luz”, que ele dirige, em Salvador.
Agora,
Medrado representou junto ao Ministério Público pedindo a retirada de
circulação do livro Sim, Sim! Não, Não! Reflexões de Cura e Libertação,
de autoria do padre Jonas Abib, O requerimento de Medrado foi acatado pelo
Ministério Público e, por solicitação deste, a Justiça determinou a apreensão
por indícios de prática de “incitação de discriminação ou preconceito
religioso”, já que Abib teria feito no livro “afirmações inverídicas e
preconceituosas à religião espírita e às religiões de matriz africana, como a
umbanda e o candomblé, além de flagrante incitação à destruição e ao
desrespeito aos seus objetos de culto.”
Um a zero
Vendo-se
a coisa sob o ponto de vista religião espírita x religião católica, o
placar com essa decisão está um a zero a favor da religião espírita. Mesmo se
considerando que, antes da apreensão, o livro do padre, que pertence à ala
carismática do catolicismo (a que está muito próxima das práticas das novas
igrejas evangélicas, cada vez mais populares no Brasil e
Bahia de todos os santos
No
episódio de agora, também há de se reconhecer lógica na ação ajuizada pelo
Ministério Público e conseqüente decisão judicial. O padre, no seu livro,
discrimina espíritas, umbandistas e seguidores do candomblé. Na Bahia de todos
os santos isso tem um significado muito especial, e a Justiça tem de ser
sensível ao clamor de um povo que, vestido com paramentos do candomblé, lava as
escadarias da Igreja do Bom Fim com água-de-cheiro e manda celebrar missas pela
alma de Mamãe Menininha. O padre atenta violentamente contra esse estado de
espírito, na medida em que diz em seu livro que a Bíblia condena o candomblé, o
espiritismo e as religiões de matriz africana e que, por isso, os verdadeiros
cristãos estão autorizados, inclusive, a destruir os objetos de culto dessas
religiões. Abib, com seu livro, violenta a cultura sincrética e pacífica de um
povo que construiu uma religiosidade capaz de passar por cima de todos os
dogmas de fé, mesclando, em seus cultos populares, o que há de mais simbólico e
festivo em cada uma das religiões ali praticadas.
Placar final
Se
o espiritismo no Brasil quer continuar integrando esse universo do sincretismo
e do simbolismo religioso, as investidas judiciais de José Medrado são
oportunas e adequadas. Enfim, esse foi o caminho escolhido, majoritariamente,
pelo espiritismo do Brasil, ao lhe reclamar o status de mais uma religião. A
religião espírita se fortalece com iniciativas desse gênero.
Mas,
para quem prefere que o espiritismo se apresente como um movimento de idéias
arreligiosas, laicas, comprometidas com o livre-pensamento e a livre
manifestação de opinião, esses procedimentos podem ser desastrosos.
Impedir
a circulação de livros que detratam o espiritismo pode dar lugar a vitórias
fugazes. Amanhã ou depois, uma decisão dessa ordem, proferida liminarmente e
sem o crivo do contraditório, pode ser revogada, identificando-se nela prática
de injustificável censura. Resultado: o livro atacado venderá mais ainda e os espíritas
ficarão com a pecha de opositores do princípio da livre manifestação de idéias.
O placar final nos será altamente desfavorável.
CVV e CCEPA de mãos dadas
com a vida
O
Centro Cultural Espírita de Porto Alegre – CCEPA -, uma vez mais colabora com o
Centro de Valorização da Vida – CVV – Posto de Porto Alegre, cedendo seu
auditório para a realização da 8ª Semana de Valorização da Vida, em comemoração
aos 38 anos de existência da entidade em Porto Alegre.
Abertura da Semana
As atividades serão abertas no dia 27 de julho, domingo, às 10 h, no
Parque da Redenção, com divulgação do trabalho do CVV, a ser feito por
voluntários da entidade.
Na
segunda-feira, 28/7, às 16h, será realizado
um chá beneficente no Restaurante Birra & Pasta, no Shopping Praia de
Belas, com apresentação do Coral dos Idosos do Asilo Padre Cacique, seguido da
palestra “38 anos valorizando a vida”, a cargo da Voluntária Conceição.
Palestras no CCEPA
As
atividades da 8ª Semana de Valorização da Vida, a partir do dia 29, serão todas
realizadas no auditório do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre, à Rua
Botafogo, 678, Bairro Menino Deus, Porto Alegre, conforme programação a seguir
detalhada:
29/7 – terça-feira - 20h - Palestra “Natureza da Doença
Mental – Saúde Mental”, c/ Nirma Carpes (enfermeira e advogada).
30/7 – quarta-feira – 20h – Palestra “Voluntariado e Cidadania”- c/Claudia
Franciosi (gerente de mobilização da ONG Parceiros Voluntários.
31/7 – quinta-feira – 20h - Palestra “A Importância da Auto-Estima nos
Transtornos de Humor” – c/ Débora Vilgevani Schaf (médica psiquiátrica do
Hospital de Clínicas.
1º/8 – sexta-feira – 20h – Palestra
“Nascimento Ecológico e Valorização da Vida” c/
O médico
CCEPA promove Café Cultural em Setembro. Apareça.
Conferência
de Grossini relembrou 150 anos da obra de Darwin e fez conexões com o
espiritismo
A
tradicional conferência da primeira segunda-feira do mês no Centro Cultural
Espírita de Porto Alegre esteve, em julho, a cargo de Carlos Grossini, Diretor
do CCEPA, que abordou o tema “Evolução e Espiritismo”, assinalando os 150 anos
do lançamento da teoria da evolução. Grossini destacou a importância do
trabalho conjunto de Charles Darwin e Alfred Russel Wallace, relembrando a
condição de espírita deste último.
Uma teoria espírita para
os juros
José Rodrigues*
A prática de juros, entendida como o efeito do dinheiro
gerar dinheiro e provocar maior acumulação de capital, na denominação histórica
de usura, mesmo combatida por grandes códigos da humanidade, está na base da
maioria das crises econômicas e de desigualdades sociais. O tema permeia o
Velho Testamento, passa pelo Corão e pela Torá e deságua em muitas
constituições de países, que tentam impor um limite a esse retorno, cuja raiz está no espírito de ambição da criatura humana,
pronta a buscar o máximo pelo mínimo, fazer com que outros trabalhem por si e
alimentar o sonho do ócio, sabe-se lá por quanto tempo.
Uma das fontes mais antigas, o livro Deuteronômio (22:19)
indica que “A teu irmão não emprestarás com juros, nem dinheiro, nem
comida...”. A Torá, dos judeus, chama os juros de ‘mordida’ (neshech), alusão
ao golpe de uma serpente para atacar a presa iminente, uma bela imagem,
enquanto a Lei da Shari’ah, dos árabes, condena, genericamente, a usura, a
ganância e a cobrança de juros (riba), mas institui, nas práticas comerciais um
modelo que pode crescer no mundo – o que já vem ocorrendo – o emprestador e o
tomador assumem uma parceria no negócio
Os chamados ‘fundos islâmicos’ avançam no mundo, seja
pelo número de adeptos do islamismo (cerca de 1,6 bilhão de pessoas), pelo
aumento dos recursos advindos dos altos preços do petróleo, ou pelo menor risco
que apresentam.
Max Weber (1864-1920), intelectual alemão, jurista e
considerado um dos fundadores da sociologia, tentou decifrar a influência de
princípios religiosos no mundo ocidental, época em que as complexas fórmulas e
ferramentas financeiras ainda engatinhavam. Em sua obra mais conhecida “A Ética
Protestante e o Espírito do Capitalismo”, baseada em ensaios escritos entre
1904 e 1905, Weber põe a vontade de ‘ganhar mais’ dentro de uma realidade
histórica do homem de todos os cantos do mundo, enquanto o capitalismo advém de
um sistema, uma racionalização dessa vontade. A diferença trazida pelo
sociólogo está no princípio da acumulação, fruto do trabalho, levado à conta de
caminho da salvação.
As teses reformistas de Lutero (Martin Luther,
1483-1546), alemão e depois do francês Calvino (Jean Cauvin, 1509-1564), foram
contrapostas às do catolicismo, um sistema produtor do ascetismo, de retirada
do homem do mundo para agradar a Deus, condição em que o trabalho se
transformava em castigo. Lutero cansou-se do papado, enfrentou-o, denunciou o
comércio das indulgências e acabou por fincar as bases do protestantismo. A
frugalidade da vida de seus seguidores, bem conhecida pelo estilo dos
puritanos, aliada ao trabalho, que recolocava o homem no mundo para chegar ao
paraíso, desdobrou-se por vários países que viriam posicionar-se, no decorrer
do tempo, com destaque na escala econômica.
Recentemente, um estudo desafiador de outros dois
alemães, Sascha O. Becker e Ludger Woessmann, da Universidade de Munique
(versão de abril de 2007), conclui que o desenvolvimento econômico de cidades e
países de matriz protestante, na Europa, deveu-se não à ética do trabalho, mas
à ética da educação. A conclusão é simples e convencedora. Os protestantes
tiveram de se instruir, alfabetizar-se, para ler a Bíblia, o que se transformou
em um impulso para o conhecimento. De fato, toda acumulação tecnológica advém
da soma de saberes, que em nenhuma hipótese dispensa a educação.
Com toda ou meia razão, Weber apontou a eleição do
trabalho pelos protestantes como ingrediente necessário à vida. E a teologia
calvinista suprimiu o caráter pecaminoso dos juros.
O espiritismo não tem uma teoria específica para os
juros, por si mesmo um conceito elástico, dadas as variações monetárias,
resultados de mudanças de preços, o que altera o poder aquisitivo da moeda
A tese espírita, que nada tem a ver com a de salvação,
por inexistirem escolhidos ou descartados do paraíso, pode conciliar as de
Weber, Becker e Woessmann, na medida em que o trabalho, auxiliado pela
educação, engrandece o espírito, pela acumulação de conhecimentos e expansão da
inteligência. O ingrediente faltante, o pêndulo ético, procede da ausência do
orgulho e do egoísmo, restando apenas “a desigualdade do merecimento”.
Max Weber (1864-1920) apontou a eleição do trabalho pelos
protestantes como ingrediente necessário à vida. A teologia calvinista suprimiu
o caráter pecaminoso dos juros.
*José Rodrigues, jornalista e
economista, integra o Centro Espírita Allan Kardec, de Santos e preside a Ação
de Recuperação Social – ARS.
Para saber mais
sobre o tema:
http://www.hks.harvard.edu/pepg/PDF/Papers/PEPG07-04_Becker_Woessmann.pdf
e suplemento EU & Fim de Semana do
jornal Valor Econômico, de 28/03/2008.
Nota do Editor
Por falha na edição de junho (Opinião nº 153), omitimos o nome e os créditos do autor do artigo Espiritismo e Evangelismo, na seção Enfoque. Suprimos, aqui, a omissão: o autor é Carlos Augusto P. Parchen
www.carlosparchen.net -
c_a_parchen@yahoo.com.br –, Engenheiro Agrônomo e Professor Universitário