OPINIÃO Ano XIV – Nº 152  Maio 2008

O Congresso dos Livre-Pensadores Espíritas das Américas

Nossa Opinião: O Espiritismo e o Desenvolvimento Integral da Humanidade

Opinião em Tópicos: Almas congeladas //  Telefonema do Ministro //  Em tudo há vida //  A fé congelada (Milton Medran)

Notícias: Maria da Glória Rosa Martins (1944-2008)

Enfoque :  Pesquisas com células-tronco embrionárias à luz do espiritismo

Opinião do Leitor

 

 

O Congresso dos Livre-Pensadores Espíritas das Américas

CEPA realiza seu XX Congresso Espírita Pan-Americano reafirmando seu perfil genuinamente kardecista, laico, humanista e livre-pensador.

 

35º evento pan-americano em 62 anos de existência

            Ao celebrar seu XX Congresso (San Juan-Puerto Rico), de 4 a 8 de junho próximo, a Confederação Espírita Pan-Americana completa 35 eventos espíritas de abrangência pan-americana, entre Congressos e Conferências Regionais (também tradicionalmente realizadas de 4 em 4 anos, no intervalo dos Congressos).

            Fundada em um Congresso Espírita, em Buenos Aires, no ano 1946, a CEPA imprime a esses eventos duas características essenciais: a oportunização de encontros fraternos e festivos de espíritas das Américas e de outros países onde se cultive o espiritismo; e a busca de novos conhecimentos, em consonância com o avanço da ciência e do pensamento, objetivando a permanente atualização do espiritismo. Exatamente de acordo com as recomendações de Allan Kardec.

            Desenvolvimento Integral da Humanidade, o tema de Porto Rico

            Temáticas sempre atuais, com exposições e ampla participação de pensadores espíritas de diferentes países, caracterizam os Congressos da CEPA. O tema central do XX Congresso Espírita Pan-Americano será: “Desenvolvimento Integral da Humanidade – A Contribuição do Espiritismo”, assunto a ser introduzido na Conferência de Abertura a cargo do presidente da CEPA, Milton Medran Moreira (Brasil). No decurso do evento, outras duas conferências públicas serão proferidas por Jon Aizpúrua (Venezuela) e Moacir Costa de Araújo Lima (Brasil). As manhãs do Congresso estarão reservadas para Painéis com desdobramentos da temática central. Serão painelistas: Dante López (Argentina), Flávio Acarón (Porto Rico), Jacira Jacinto da Silva (Brasil), Jaci Regis (Brasil), Pablo Serrano (Porto Rico), Ademar Arthur Chioro dos Reis (Brasil), Cristina Drubich (Argentina). Gustavo Molfino (Argentina), Vivian Mattei (Porto Rico), Jesus Soto (Porto Rico) e Mauro de Mesquita Spinola (Brasil).

            Temas livres

            As tardes do Congresso são reservadas ao Fórum de Temas Livres, instrumento sempre disponibilizado nos congresso da CEPA, como contribuição à liberdade de criação e de exposição, em favor do pluralismo e da genuína liberdade de pensamento e de exposição, aberta a espíritas de todo o mundo. No boletim América Espírita encartado nesta edição, vão publicados os temas inscritos até o encerramento desta edição. Entre eles, há a contribuição de uma delegação espanhola, com um trabalho sobre a história do espiritismo naquele país.

            Novos dirigentes

            O XX Congresso Espírita Pan-Americano será sede também da Assembléia Geral da CEPA, cujas instituições filiadas deverão eleger o novo presidente da entidade, obedecendo a um rodízio entre os países integrantes da instituição. O presidente Medran Moreira, que encerra seu segundo mandato, escreve no boletim América Espírita mensagem de agradecimento e de otimismo com relação aos rumos da Confederação que presidiu por oito anos.

 

Nossa Opinião

 

            O Espiritismo e o Desenvolvimento Integral da Humanidade

 

Ao definir a temática central do XX Congresso Espírita Pan-Americano, a CEPA manteve-se fiel a um de seus mais históricos propósitos: o de promover a integração da proposta espírita com todas as áreas do conhecimento humano. Contribuir com o desenvolvimento integral da Humanidade para o espiritismo pode resumir-se em duas ações fundamentais:

a) Demonstrar teoricamente a existência do espírito, sua imortalidade e sua evolução pelo instrumento das vidas sucessivas;

b) Propor a vivência e a difusão de uma ética universal, inspiradas naqueles pressupostos.

Nos dois aspectos acima reside praticamente toda a proposta revolucionária do espiritismo como ciência e como filosofia deísta, ético-moral e progressista.

Por séculos, ao curso da civilização judaico-cristã, quis a religião assenhorear-se das questões relativas ao espírito. Para garantir a hegemonia no trato desses temas, criou dogmas que lhe reservavam o poder exclusivo de interpretá-los. A própria Modernidade para se livrar do poder temporal da Igreja acabou por separar as questões da vida em duas grandes províncias: a do sagrado e a do profano. Reservou à religião a primeira, deixando a administração da segunda à sociedade politicamente organizada.

O espiritismo é revolucionário na medida em que propõe a fusão de todas as questões da vida no que denomina de Leis Naturais. O espírito, mais do que uma parte dessa realidade única, é sua unidade fundamental. É a força motriz da capacidade transformadora e progressista do homem no meio em que vive.

Cada Congresso espírita, segundo propôs Allan Kardec, deve avançar na consecução desse objetivo. O XX Congresso da CEPA é mais um passo decisivo nesse sentido, e que se dá no momento em que a Confederação Espírita Pan-Americana se consolida como um genuíno movimento laico, kardecista e livre-pensador.  (A Redação)

 

                                               Não Julgueis

 

A tragédia está nos olhos de quem observa e não no coração de quem sofre.

(Ralph Waldo Emerson)

 

Desde o dia 29 de março, o Brasil está eclipsado por uma tragédia. Uma menina de 5 anos de idade foi jogada da janela de um apartamento, em São Paulo. Os presumíveis autores da barbárie são seu pai e sua madrasta, após terem-na espancado violentamente.

A tragédia abalou o Brasil. Multidões, por dias e noites consecutivas, acotovelam-se diante dos cenários em que se desdobram os acontecimentos e por onde se movimentam seus principais personagens.

Não fosse um meticuloso serviço de proteção policial, por certo a revolta popular já teria produzido o linchamento do casal apontado pelas investigações como autor do bárbaro delito.

Os fatos transformaram-se em macabro espetáculo midiático. Há argumentos que podem justificar essa mega exposição da mídia: O episódio, dizem, mexeu com o sentimento de justiça de uma nação inteira. Esta, indignada, em circunstâncias assim, passa a exigir do Estado a imediata contraprestação punitiva. Fenômeno popular dessa ordem, na ótica da imprensa, por seu relevo e simbolismo, deve ser registrado e por ela acompanhado pari passu. No entanto, e por outro lado, quanto mais exposição a mídia der aos fatos, mais estímulos estará criando para um clima de revolta que, facilmente, pode levar à multidão a falsa sensação de estar autorizada a julgar, condenar e executar. Na medida em que acompanhamos tão epidermicamente uma tragédia dessa dimensão, tendemos a nos investir na condição de vítimas, experimentando sofrimentos muito próximos àqueles vividos pelos personagens nela envolvidos. Nessa posição, perdemos a capacidade de agir com racionalidade para deixar fluir em nós a dor, a indignação, a revolta, a sensação de impotência e, não raro, o desejo da reação vingativa e da prática da justiça pelas próprias mãos. Como nos era dado, antes, fazer.

É preciso, no entanto, como indivíduos inteligentes, integrantes de uma sociedade onde vige o estado de direito, nos despir desses sentimentos e confiar no Estado, ente que a civilização moderna criou com o fim de lhe outorgar, entre outras tarefas, a de investigar condutas anti-sociais e sobre elas aplicar a justiça.

Mas, é preciso mais do que isso. É preciso também respeitar a dor dos familiares. É necessário entender que todos os personagens da tragédia – e nesse todos se incluam também os presumíveis autores do horrível delito – são seres humanos comprometidos com seus sentimentos, com sua história, com a trama tecida por seus erros e acertos, com seus personalíssimos e, muitas vezes, inescrutáveis condicionamentos biológicos, sociais, psíquicos e espirituais.

Ao lançarmos um olhar assim sobre o fato, tenderemos a abstrair-lhe seu viés trágico para somente nos sensibilizarmos com seus múltiplos aspectos humanos. Estes sim, quer pelos sentimentos de solidariedade que suscitam, quer pelo exame racional de suas causas e conseqüências, podem nos conduzir a atitudes de eficiente colaboração. É preciso, enfim, aceitar que todos os personagens em cena são seres humanos e como tal devem ser tratados, já que foge à nossa alçada julgá-los.

O ser humano...Ah, o ser humano! Na verdade ainda não detemos todos os componentes que nos habilitem a defini-lo e, muito menos, julgá-lo. Julgá-lo? De certa forma, é um alívio havermos abdicado de, pessoalmente, fazê-lo. Episódios como esse desafiam nosso equilíbrio e capacidade de isenção.

 

Opinião em Tópicos

 

Milton R. Medran Moreira

 

            Almas congeladas

Não imaginaria que meu artigo “Almas Congeladas”, no jornal Zero Hora (9.4.08) alcançasse tanta repercussão. Muita gente concordou com a idéia central em apoio às pesquisas com células-tronco embrionárias. Mas muitos religiosos, inclusive espíritas, mostraram-se indignados com duas afirmações que ali fiz: a) que o zigoto produzido em laboratório e, depois, congelado por meses ou anos, não é considerado um ser humano sob o aspecto jurídico; b) que, sob prisma espiritual, é irracional pressupor esteja vinculado a ele um espírito.

            Mitos e dogmas ainda dominam nosso inconsciente coletivo. E não pensemos que a maioria dos espíritas se oriente mais pela razão que pela crença. A fé de muitos espíritas não é ainda a “fé raciocinada”, proposta por Kardec. Segue atrelada a dogmas da Igreja Católica. Esta pressupõe que, havendo a fertilização de um óvulo por um espermatozóide, há, em conseqüência, a criação divina de uma alma humana. A racionalidade espírita, diferentemente, parte da idéia da preexistência do espírito e sustenta que o fenômeno da encarnação é impulsionado por sutis mecanismos psicológicos, ao curso de uma gestação É um processo inteligente para o qual concorrem a vontade do ser reencarnante e aspectos teleológicos direcionados à excelência da vida.

            Telefonema do Ministro

            “Fiquei muito confortado com seu artigo”, disse-me, por telefone, o Ministro Carlos Ayres Britto, relator no Supremo Tribunal Federal, da ação direta de inconstitucionalidade que postula a proibição das experiências com células-tronco embrionárias. O ministro teve a gentileza de me telefonar, na manhã do dia em que publiquei o artigo. Espírito sensível, jurista emérito, humanista e poeta, Ayres Britto, no diálogo de aproximadamente cinco minutos comigo, não se referiu especificamente a nenhum grupo ou pessoa. Mas ao se dizer “confortado”, deixava entrever a mágoa pela agressividade de setores religiosos do país, desde que proferiu seu voto pró pesquisa com células-tronco embrionárias. Salientou gratificá-lo a reflexão de que há uma visão espiritualista e progressista apoiando as pesquisas com aquele tipo de células. Ou seja: não será pelo fato de admitirmos a dimensão espiritual do homem que iremos condenar a utilização de material genético, não destinado à reprodução, na busca de cura de insidiosos males que prendem seres humanos a leitos de dor ou a cadeiras de rodas. “Ninguém pode deixar de se sensibilizar” – disse-me o ministro – “diante do sofrimento e da esperança de dezenas de cadeirantes que compareceram ao STF, na sessão de julgamento da ação”.

            Em tudo há vida

            Sem coragem de confessar que a oposição à pesquisa com células-tronco embrionárias sustenta-se em um dogma de fé - o de que ali existe uma alma –, religiosos tergiversam dizendo se apoiar na imposição ética do respeito à “vida humana” ali presente. O pensador espírita mineiro Antônio Baracat, professor de Filosofia da UFMG, com quem tenho dialogado sobre o tema, repele esse argumento: “Todos um dia fomos embriões”, reconhece ele: “Mas, antes disso, éramos dissociados em espermatozóide e óvulo. E antes, ainda, alimento e água que nossos pais consumiram como conditio sine qua non para a produção dos gametas respectivos. Num exercício de redução ao infinito, do embrião, passando pelo espermatozóide e pelo óvulo, pelos alimentos que nossos pais e ancestrais consumiram, chegaremos à mônada, no grau zero da criação. E no grau zero da criação, constataremos quevida em tudo: do mineral, aparentemente inerte, à maior das galáxias”. Ou seja, tudo é vida, mas não, necessariamente, humana. Nesse mesmo sentido, a sensibilidade de Ayres Britto, produziu esta jóia, de nítido matiz espiritualista-evolucionista, em seu memorável voto: “Deus fecunda a madrugada para o parto diário do sol, mas nem a madrugada é o sol, nem o sol é a madrugada”.

 

            A fé congelada

            No contato telefônico que me oportunizou, o Ministro Carlos Ayres Britto demonstrou profundo respeito às crenças individuais e à liberdade de se as cultivar. Mas não escondeu sua indignação com as tentativas que ainda se fazem de que as leis e os pretórios se dobrem ante os dogmas religiosos. “Que congelem sua fé, se o quiserem, mas ninguém tem o direito de congelar a ciência”, disse-me.

            Nós, espíritas, defendemos a inexistência de conflito entre o conhecimento e a espiritualidade, entre a razão e a fé. Mas, às vezes, nosso atavismo prende-nos ao dogma que, ainda ontem, nos sufocava, inibindo-nos o vôo da busca de novos conhecimentos, no rumo da plenitude da vida.

 

Notícias

 

Maria da Glória Rosa Martins (1944/2008)

A Glória fará falta...

(Por Homero Ward da Rosa –Pres. da S.E.Casa da Prece e Delegado da CEPA em Pelotas/RSl)

Há pessoas que têm talento para liderar. Mesmo quando não querem ou nem pensam nisso lideram.Nascem assim. Em geral, são simpáticas, comunicativas, otimistas, corajosas e responsáveis. Enfrentam ousados desafios, para concretizar os projetos que assumem.Não raro, esquecem de si, embora não esqueçam os outros.Mas, repentinamente a vida muda. Quando ninguém espera nem parece a melhor hora. São as trapaças da sorte, disse o poeta. São os mistérios da vida, penso eu. O certo é que a Glória partiu; despediu-se de nós e se foi.

Em 19 de abril, um sábado ensolarado, que a noite de luar sucedeu. O sol e a lua inspiravam nela alegria, entusiasmo, força, gratidão pela vida - e acompanharam-na também no desenlace do corpo. Sim, a Glória nos deixou...parece incrível! Como o amigo Maurice Herbert Jones destacou em sua bela saudação de despedida, ela era gloriosa, não só porque tinha glória no nome, mas por tudo o que realizou em sua vida, e pelas inúmeras amizades que cultivou, cuidadosa e delicadamente. (Apesar da vida difícil que enfrentou, como lembrou seu filho Paulo Cézar, em suas emocionadas palavras). 

Maria da Glória Rosa Martins nasceu em 15.08.1944, em Pelotas (RS), e diplomou-se Assistente Social, na Universidade Católica de Pelotas.

No Espiritismo, destacou-se pela extraordinária capacidade de trabalho e liderança.

Procurando respostas para as questões fundamentais da vida, adquiriu as obras de Allan Kardec e reuniu-se com duas amigas para estudar, em casa, o Espiritismo.  Nessa época freqüentava o Catolicismo e, por circunstância profissional, tornou-se amiga do bispo da cidade. Como era típico do seu caráter, decidiu comunicar ao sacerdote a sua decisão em estudar Kardec, tendo ouvido como resposta:

- Fazes bem. Já li todos os livros dele e são muito bons...

Contava ela que o bispo nunca deixou de ser seu amigo nem tentou prejudicá-la profissionalmente por essa revelação.

Cresceu demais o grupo que estudava Espiritismo em sua casa, por isso Glória propôs que criassem uma organização espírita, onde pudessem mais adequadamente continuar os estudos e exercer a pesquisa e a prática dos conhecimentos adquiridos.  Assim fundaram, em 09.04.1976, a Sociedade Espírita Casa da Prece, que já completou 32 anos de existência.

Da Casa da Prece, Glória nunca se desligou, manteve-se associada mesmo depois de 1992, quando transferiu residência para Porto Alegre.

Foi presidente da Liga Espírita Pelotense, entidade que congrega cerca de 50 casas espíritas de Pelotas e municípios próximos. Também integrou a diretoria do Hospital Espírita de Pelotas, durante dois anos, tendo proposto e liderado mudanças significativas no modo de atuação do hospital psiquiátrico, inclusive convencendo o diretor clínico a determinar a suspensão da técnica do terrível eletrochoque (ou eletroconvulsoterapia) nos pacientes.

Prestigiou e estimulou a participação dos jovens no movimento espírita; o estudo contínuo e sistematizado do Espiritismo e a atuação sócio-educativa da casa espírita, especialmente junto às famílias carentes. 

Residindo em Porto Alegre, participou de diversas casas espíritas, como o Centro Espírita León Denis, a Associação Espírita Francisca Júlia, e o CCEPA (Centro Cultural Espírita de Porto Alegre).

Sobre uma estafante rotina profissional diária, Glória integrava o grupo de trabalhadoras voluntárias da unidade de terapia oncológica da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.

Sua aproximação com a CEPA (Confederação Espírita Pan-Americana) deu-se por intermédio da Sociedade Espírita Casa da Prece. Glória participou das reuniões que discutiram a filiação e esteve presente na assembléia geral que autorizou, com 100% dos votos, a adesão à CEPA.   

Glória foi uma pessoa especial, das que se costuma dizer: fará falta! Por sua liderança, por sua admirável disciplina, por sua solidariedade, por seu compromisso com o Espiritismo genuinamente kardecista e livre-pensador, por sua coerência, por sua amizade, atenção e disponibilidade em ajudar a todos.

Somos gratos por acompanhar a sua estada entre nós e haver podido presenciar muitas das inúmeras lições que ela nos legou nestes poucos 63 anos.

Obrigado, querida irmã, por tua luz envolvente que resplandecia em teu sorriso largo e contagiante!

Enfoque

 

Pesquisas com células-tronco embrionárias à luz do espiritismo

 

Porque ser favorável

 Por Luiz Antônio de Sá*

 

            Acredito que é chegado o momento de concretamente decidirmos qual é a nossa real posição como espíritas diante do tema: pesquisas com células-tronco embrionárias.

            Uma boa parte daqueles que se declaram espíritas se posicionaram contrários a essas experiências. Isso é lamentável, porque claramente é mais um assunto tratado no meio espírita sem um devido aprofundamento da questão. A visão dos espíritas que se dizem contrários às experiências com células-tronco embrionárias é fruto de uma interpretação espírita bem fragmentada e carente dos processos justos de contextualização temática. É uma postura semelhante ou idêntica à da Igreja Católica, que mantém sua posição contrária fundamentada tão somente em seus dogmas.

            Dizem os espíritas contrários a essas experiências que segundo os espíritos “a união do espírito com o corpo se dá no momento da concepção”, não cabendo aí a interrupção do processo reencarnatório. A partir desse ponto fundam os mais diversos dogmas, que não existem na Doutrina Espírita em si, mas que fazem parte da mentalidade de muitos espíritas. Dissemos anteriormente que essa interpretação é bem fragmentada, porque embora de fato os espíritos tenham respondido que “a união do espírito com o corpo se dê no momento da concepção”, na questão que trata do assunto (questão 344 de O Livro dos Espíritos) os espíritos melhor esclarecem dizendo que “essa união começa na concepção, mas só se completa no momento do nascimento”. Na questão seguinte da mesma obra os espíritos falam ainda a respeito da “fragilidade dos laços que prendem o espírito ao corpo em sua fase embrionária, sendo estes fáceis de se romper”, dizendo ainda que tais laços “podem se romper pela vontade do espírito, que recua ante a prova escolhida” (questão 345). Destacamos então para as nossas reflexões dois elementos: a fragilidade dos laços que prendem o espírito ao corpo em sua fase embrionária; e a vontade dos espíritos em manter ou romper esses laços nessa fase inicial.

            Aqui ainda temos que considerar que Allan Kardec no seu tempo, nem de longe imaginava outras formas de concepção como as que a ciência hoje realiza, pois que no século XIX só existia a concepção natural. Diante do contexto atual, podemos formular outras questões, que Kardec naquela época não poderia levantar, pelo motivo já apresentado. Por exemplo: os embriões em laboratórios há anos congelados têm espíritos a eles ligados? Se esses embriões mantêm consigo alguma ligação espiritual de que forma é essa ligação e por quanto tempo o espírito espera para reencarnar?

            Baseando-se nas respostas dos espíritos a Allan Kardec e a novas reflexões dentro do contexto atual, encontramos motivos para nos posicionar favoravelmente às pesquisas com células-tronco embrionárias, pois, na realidade, a base da ligação espírito-corpo é mental, estabelecendo assim laços energéticos entre espírito e matéria corpórea, nesse caso o embrião (Kardec em seu tempo dizia laços fluídicos). Os espíritos em geral podem se manter ligados a embriões congelados se assim tiverem a vontade e pelo tempo que acharem conveniente, e se acharem conveniente. Logo, os espíritos que querem reencarnar não alimentarão a vontade de se manterem ligados a embriões sem possibilidade de terem o seu processo de desenvolvimento dentro do útero materno, pois que esses embriões foram produzidos, ou se mantêm conservados para outros fins, terapêuticos.

            Pode alguém nos questionar lembrando dos casos chamados de reencarnações compulsórias, onde os espíritos reencarnam não propriamente pela sua vontade. E então perguntaremos: será que os espíritos encarregados de auxiliar o reencarne de outros espíritos, sabendo da necessidade desses seres reencarnarem, trabalharão no sentido de mantê-los ligados a embriões congelados em tanques de nitrogênio que não terão desenvolvimento? Pois como já falamos, os embriões foram criados, ou se mantêm conservados para outros fins, fins terapêuticos. Novamente o fator preponderante é a vontade, se não direta dos espíritos que reencarnam, é da vontade segunda a visão de conveniência daqueles que nesse sentido auxiliam o reencarne de outros espíritos.

            Destacando os elementos oferecidos pelos espíritos a Allan Kardec: da fragilidade dos laços que prendem o espírito ao corpo em sua fase inicial de formação; e, sobretudo o elemento da vontade do espírito querer ou não se manter ligado ao embrião, podemos facilmente desmontar aquela imagem que alguns espíritas tinham no passado e alguns alimentam até hoje, dos espíritos estarem “tremendo de frio” em congeladores de laboratórios, por anos e anos, esperando a oportunidade de reencarnarem, como se os espíritos estivessem definitivamente aprisionados a embriões.

            Vamos também valer-nos aqui da experiência de médiuns como Chico Xavier, que manteve durante décadas estreita intimidade com o mundo espiritual através de seu vasto trabalho no campo mediúnico. Pouco antes de seu desencarne, companheiros do movimento espírita perguntaram a Chico Xavier se os embriões em laboratórios asilavam espíritos. O médium, já bastante enfraquecido, com dificuldades para falar, fez um sinal negativo.

As células-troco embrionárias por serem do grupo de células pluripotentes podem produzir todos os tipos celulares, o que pode favorecer o tratamento de várias doenças.

Alguns podem ainda argumentar lembrando que não se tem ainda um total controle sobre essa forma reprodutiva das células-tronco embrionárias, o que tem registrado em pesquisas o aparecimento de processos cancerígenos. Para esses respondemos: se não desobstruirmos o caminho para a continuidade das pesquisas, aí sim isso seria um sério problema. Garantindo a manutenção das pesquisas, mantemos aberto o caminho para o aperfeiçoamento do processo.

Algumas doenças que podem ser tratadas com a utilização das células-tronco embrionárias são: Câncer - para reconstrução dos tecidos; Doenças do Coração - para reposição do tecido isquêmico com células cardíacas saudáveis e para o crescimento de novos vasos; Doenças Pulmonares - para o crescimento de um novo tecido pulmonar; Doença de Parkinson - para reposição das células cerebrais produtoras de dopamina; Doença de Alzheimer - células-tronco poderiam tornar-se parte da cura pela reposição e cura das células cerebrais; Distrofia Muscular - para reposição de tecido muscular e possivelmente, carreando genes que promovam a cura; Osteoporose - por repopular o osso com células novas e fortes; Osteoartrite - para ajudar o organismo a desenvolver nova cartilagem; Diabetes - para infundir o pâncreas com novas células produtoras de insulina; Doenças Renais - para repor as células, tecidos ou mesmo o rim inteiro; Doenças Hepáticas - para repor as células hepáticas ou o fígado todo; Cegueira - para repor as células da retina; Danos na Medula Espinhal - para reposição das células neurais da medula espinal; Esclerose Lateral Amiotrófica - para a geração de novo tecido neural ao longo da medula espinal e corpo; Doenças que Afetam o Sistema Auto-Imune - para repopular as células do sangue e do sistema imune.

            Como espíritas conscientes que somos, não devemos ser elementos de obstrução dessas pesquisas, que poderão com certeza em futuro próximo, beneficiar muitas pessoas.

 

* O autor da matéria é acadêmico de filosofia, funcionário no Hospital Espírita de Psiquiatria em Anápolis - GO, membro da LEPPLE - Liga de Estudos Progressivos e Práticas à Luz do Espiritismo, delegado da CEPA - Confederação Espírita Pan-Americana e conselheiro titular no CNS - Conselho Nacional de Saúde representando a CEPA.

 

Opinião do Leitor

           

            Almas Congeladas

Excelente e mais do que oportuno o seu artigo, Dr. Milton Medran, Almas Congeladas, publicado no Jornal Zero Hora, 09-04-2008 (e que também foi o editorial do jornal Opinião do último mês de abril). O texto esclarece a relação do espírito com as células-tronco embrionárias congeladas.

Saudações

Ronaldo do Rego Macedo macedoronaldo@gmail.com – Rio de Janeiro.

 

Blog do CCEPA

Acessei o blog do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre - http://ccepa.blogspot.com/ - e gostei muito das fotos de seu interior. Transmitem uma sensação de beleza, dando idéia de um ambiente acolhedor. Bem diferente de muita coisa que se vê por aí.

Pura Argelich -   pargelich@yahoo.es – Barcelona/Espanha.

 

Pesquisas com células-tronco embrionárias

Sobre a recente polêmica em torno da pesquisa com células-tronco embrionárias, o problema não está na polêmica, que muitas vezes tem papel crucial em fomentar as mudanças de paradigma da sociedade. O problema está nos homens que, muitas vezes, se utilizam das polêmicas para incitar discussões dogmáticas infrutíferas e impor uma "ordem superior" ou "divina" que todos devem seguir sem questionamentos.

É preciso valorizar o progresso! Sem perder a ética, claro, mas sabendo que esta ética é algo muito maior que qualquer moralismo religioso.É preciso acompanhar o progresso científico, filosófico e social sem dogmatismos, para não vivermos em uma pseudo-modernidade, adornada de alta tecnologia, porém incutida de valores hierárquico-moralistas engessados. Em seu tempo, foi considerado um absurdo pesquisar sobre o movimento dos astros e da Terra ao redor do sol, quando já era uma certeza dogmática que a Terra era o centro do universo... Era um absurdo e uma heresia pensar na evolução das espécies quando se tinha a impositiva certeza de que todas as espécies haviam sido criadas tal qual existem na atualidade... Da mesma forma, está sendo considerada um absurdo a pesquisa com as células-tronco embrionárias, tantos outros eventos e descobertas científicas também foram, porém atualmente são imprescindíveis no mundo contemporâneo.

Prefiro ser favorável à vida, e a toda possibilidade de melhorá-la! Prefiro ser favorável ao progresso!

            Amely B. Martins, Bióloga, Analista Ambiental, educadora espírita e membro da ASSEPE -Associação de Estudos e Pesquisas Espíritas de João Pessoa – PB.