OPINIÃO Ano XIII – Nº 139  Março 2007

Ian Stevenson 1918-2007

Editorial: Desequilíbrio ecológico: culpa nossa, sim senhores

Nossa Opinião: Espaço a prencher

Notícias: Palestras no CCEPA hmenageiam Kardec nos 150anos do espiritismo//  Novos cursos para iniciantes no CCEPA

Opinião em Tópicos: Rosa  - Maria  -   Rosa, Maria e nós  -  Nossos filhos  (Milton Medran Moreira)

Enfoque :  Qual o futuro do espiritismo

Opinião do Leitor:

 

Ian Stevenson - 1918/2007

 

Pioneiro da pesquisa sobre memória extra-cerebral desencarnou

no dia 8 de fevereiro último, em Charlottesville –Virginia – USA.

"Se os hereges pudessem ser queimados vivos nos dias de hoje, os cientistas - sucessores dos teólogos, que queimavam qualquer um que negasse a existência das almas no século XVI - hoje queimariam aqueles que afirmam que elas existem".

Ian Stevenson

 

Pioneirismo na investigação científica

 

Ian Stevenson, falecido dia 8 de fevereiro, na Virgínia, é uma referência obrigatória quando o assunto é reencarnação. Sua magnífica obra de investigação sobre fenômenos de percepção extra-sensorial  deixou profunda impressão, especialmente entre os estudiosos de espiritismo no Brasil que, a partir da publicação em português de seu mais conhecido livro (20 Casos Sugestivos de Reencarnação), passaram a ter mais respeito e interesse pela investigação e documentação dos fenômenos espíritas.

Nascido em 31 de maio de 1918 na cidade de Montreal no Canadá, Stevenson radicou-se nos Estados Unidos e começou a destacar-se nos meios acadêmicos quando, na direção do Departamento de Medicina Psiquiátrica da Universidade de Virgínia, teve, em 1960, sua atenção despertada para o caso de um menino no Sri Lanka que dizia lembrar-se de sua vida passada. A pesquisa deste caso impressionou fortemente o Dr. Stevenson convencendo-o de que a reencarnação era, possivelmente, uma realidade. Na medida em que outros casos foram surgindo ele decidiu centralizar suas pesquisas na exploração desse território fascinante e desconhecido, até então excluído da observação científica.

 

Um empresário financiou as pesquisas

A publicação dos primeiros artigos do Dr Stevenson sobre o assunto despertou o interesse do inventor das máquinas Xerox, Chester Carlson, que financiou, em 1961, a primeira pesquisa de campo na Índia e no Sri Lanka onde pôde identificar e estudar cerca de 25 casos de lembranças espontâneas de vidas passadas em crianças, adicionando argumentos a sua teoria segundo a qual a reencarnação seria um terceiro fator que, juntamente com as influências hereditárias e ambientais, determina o desenvolvimento do caráter.

Em 1963 Chester Carlson morre subitamente e deixa, em testamento, um milhão de dólares para a criação de uma cadeira específica na Universidade de Virgínia e mais um milhão para o próprio Dr. Stevenson prosseguir suas pesquisas sobre reencarnação. Este fato tornou possível a criação, por Stevenson, da Divisão de Estudos da Personalidade, único departamento acadêmico no mundo dedicado ao estudo das memórias de vidas passadas, experiências de quase morte e outros fenômenos paranormais. A partir daí, com os recursos a sua disposição, viajou por todo o mundo examinando casos e reunindo elementos para sustentação da sua tese. Em 1962 esteve no Brasil pesquisando sete casos, dois dos quais, identificados no interior do Rio Grande do Sul, fazem parte do livro “20 Casos Sugestivos de Reencarnação” publicado em 1966. O lançamento desta obra no Brasil em 1971 encontrou enorme receptividade no meio espírita, popularizando, entre nós, um autor somente conhecido nos meios acadêmicos. Em 1972 esteve novamente no Brasil a convite do Instituto Brasileiro de Pesquisas Psicobiofísicas dirigido pelo Eng. Hernani Guimarães Andrade (1913/2003) também pesquisador reconhecido no mundo e seu parceiro em muitas pesquisas.

Ian Stevenson publicou centenas de artigos na imprensa especializada e cerca de dez livros abordando, principalmente, temas relacionados à memória extra cerebral. Destaque especial merece a sua obra em dois volumes “Reencarnação e Biologia”, uma contribuição para o estudo da etiologia das marcas e defeitos de nascimento, publicada em 1997. (Maurice Herbert Jones)

 

Nossa Opinião

Espaço a Preencher

A desencarnação de Ian Stevenson, esse grande homem de ciência, somada às perdas do nosso Hernani G. Andrade em 2003 e do professor indiano Hamendras Nat Banerjee da Universidade da Rajasthan – Índia, em 1985, deixa um espaço vazio que dificilmente será preenchido em curto prazo.

A importância das pesquisas do Dr Stevenson para a lenta, mas crescente aceitação da teoria espírita, mesmo nos meios acadêmicos, não é ignorada e jamais será esquecida pelos estudiosos de espiritismo no Brasil.

É certo, como destaca o texto acima de Maurice Jones, que grande parte da pesquisa realizada por Stevenson só foi possível graças ao legado financeiro de um empresário. Em contrapartida, jamais teriam sido ele e sua universidade destinatários daquela doação caso o eminente professor não houvesse, antes, demonstrado interesse, determinação e seriedade no trato do tema.

A idéia é a força que antecede e preside toda e qualquer iniciativa no mundo dos fatos. Todos os postulados filosóficos espíritas são, na verdade, idéias-chave suscetíveis de estudo, pesquisa e experimentação. E assim devem ser propostos e divulgados por nós, espíritas. Não como artigos de fé. Só dessa forma, como hipóteses capazes de contribuir para a elucidação dos enigmas da vida, e não como dogmas religiosos, poderão atrair a atenção, a pesquisa e o estudo de cientistas do quilate de Banerjee, Andrade e Stevenson. A seriedade e a competência de homens dessa qualidade é meio caminho andado para a atração dos recursos materiais necessários.

            Em nosso meio e em nossa cultura ainda predominantemente materialista, nós, espíritas, detemos, por intuição, estudo, ou mesmo por força de crença, o inestimável patrimônio da idéia espiritualista-evolucionista. Mais importante que pregá-la com objetivos proselitistas, será saber propô-la em linguagem e em padrões compatíveis com aqueles dos estudiosos e pesquisadores. Na medida em que soubermos imprimir a nosso movimento de idéias esse rumo, em substituição à postura mística e fideísta que, no geral, ainda delineia nosso perfil, estaremos eficientemente contribuindo para o avanço da ciência espírita e, em decorrência, da ética que dela deflui.

Será absolutamente irrelevante que estudiosos, cientistas e pesquisadores eventualmente atraídos para essa tarefa sejam ou não espíritas. (A Redação).

 

Editorial

 

                  Desequilíbrio ecológico: culpa nossa, sim senhores

                                                                         

                  Bem-aventurados os mansos e pacíficos porque eles herdarão a terra

                                                             Jesus de Nazaré            

 

            Uma leitura apressada de alguns fundamentos do espiritismo pode levar a conclusões simplórias e equivocadas.

            Por exemplo, sempre que tragédias ambientais gigantescas se abatem sobre o mundo (tsunamis, enchentes, estiagens, furacões, etc), não faltam manifestações, pretensa e presunçosamente apoiadas na filosofia espírita, afirmando simplesmente que é a vontade de Deus, dando cumprimento à lei de destruição, enunciada por Kardec e pelos espíritos. Estes, é certo, deixaram consignado: “Preciso é que tudo se destrua para renascer e regenerar”, pois o que entendemos por destruição “não passa de uma transformação visando à renovação e à melhoria dos seres vivos”. (L.E, q.728).

            No último mês de fevereiro, a Organização das Nações Unidas (ONU), deu divulgação ao relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas. O importante documento prevê que a temperatura da Terra aumentará entre 1,8 e 4 graus centígrados até o final do século. No século 20 a temperatura média do planeta aumentou 0,6 grau Celsius e os efeitos já podem ser sentidos com clareza .

            O documento detalha as conseqüências do aquecimento global e as opções para se adaptar a ele. De acordo com este estudo, o aumento da temperatura global causará grave falta de água na China, na Austrália e em partes da Europa e EUA e fará com que cerca de 200 a 600 milhões de pessoas passem fome por volta de 2080. O texto diz ainda que inundações litorâneas podem danificar sete milhões de casas.

            O Brasil não estará imune a essas conseqüências. Por exemplo, a quantidade de chuva nas regiões da Amazônia e do Nordeste pode diminuir. O período da estiagem nordestina tende a se estender ao longo o ano inteiro, até o fim deste século. O estudo sugere que o clima dessa região deixe de ser semi-árido e se torne árido. A população que vive no litoral, cerca de 42 milhões de pessoas, pode ser afetada pela elevação do nível do mar, que tem sido de 40 centímetros por século e pode alcançar meio metro ao longo do século XXI.

            O que nos interessa destacar neste breve registro é que, além do diagnóstico e dos prognósticos oferecidos, os cientistas já não têm dúvida: essas graves alterações climáticas são conseqüência da ação do homem. A emissão descontrolada de gases, o desmatamento, a poluição do ar e das águas, o desrespeito às leis da natureza, enfim, estão, pouco a pouco, fazendo inabitável nosso planeta ou significativas partes dele. Não é, pois, a vontade de Deus, mas nossa vontade, impulsionada pelo egoísmo e pelo imediatismo, que está apressando a destruição de nosso meio ambiente.

            Sabiamente, Kardec e os espíritos colocaram, lado a lado, como leis morais capazes de instrumentalizar o progresso, a lei de destruição e a de conservação. “Toda a destruição antecipada obsta ao desenvolvimento do princípio inteligente”, asseveram os lúcidos espíritos entrevistados por Allan Kardec, na questão 729 de O Livro dos Espíritos.

            Os danos a que está sendo submetido nosso ainda jovem planeta remetem a uma ampla culpa coletiva que ainda podemos resgatar. Assumir essa responsabilidade implica, como em todo o ato danoso às leis da vida, em atuar efetivamente no sentido de se colocar fim a esse estágio de coisas.

            Felizmente, isso ainda é possível. A ciência abona essa possibilidade e, uma vez mais, atribui à ação do homem a capacidade de, paulatinamente, reduzir os efeitos antecipados no relatório e obstar a o surgimento de outras causas.

            Para nós, espíritas que prezamos a ética do homem de Nazaré e reconhecemos seu profundo amor à Terra, ainda é tempo de crer que nossa casa planetária será, como ele disse, morada da mansidão e da paz. Desde que os mansos e pacíficos sejam, igualmente, corajosos e atuantes na tarefa de conservar o que ainda não é tempo de ser destruído.

 

 

Os danos a que está sendo submetido nosso ainda jovem planeta remetem a uma ampla culpa coletiva que ainda podemos resgatar

 

Opinião em Tópicos

Milton R. Medran Moreira

 

Rosa

O Brasil todo sofreu junto com Rosa Cristina, a carioca que viu o filho de seis anos arrastado até a morte por um bando de assaltantes. Eu também sofri, revoltei-me e confesso: intimamente, cheguei a desejar a morte dos autores daquela barbárie! Quando somos vítimas, a revolta e o desejo de vingança falam mais alto que o bom-senso. Razão e compaixão são lentas conquistas da alma que só o tempo amadurece em nós.

A grande cobertura da imprensa, nos dias de hoje, as entrevistas com personagens de dramas dessa natureza, o estrépito, enfim, trazem como um de seus efeitos o de investir cada um de nós na condição de vítima.Um crime estúpido como aquele é capaz de transformar toda a nação em vítima. E convenhamos, é difícil manter a serenidade quando a injustiça e a barbárie nos atingem de forma direta e definitiva, como atingiu aquela família, no exato momento em que saía de um centro espírita, no Rio de Janeiro.

Usei, aí em cima, o adjetivo definitivo. Força de expressão. Sabemos que na vida nada é definitivo, a não ser o amor e a justiça. Mas, quando vítimas de uma brutalidade assim, nossas convicções mais firmes são abaladas.Tudo parece desmoronar. Foi assim que vi aquela mãe, em entrevista dada, três ou quatro dias depois do crime. Chorei com ela.

Maria

Mas, na verdade, também sofri com Maria, mãe de dois dos rapazes apontados como autores da morte de João Hélio, filho de Rosa:

“Eu gostaria de estar no lugar da mãe de João” – disse Maria, em entrevista igualmente dada poucos dias depois do crime. “Preferia ter enterrado meus filhos” – acrescentou -, envergonhada pela ação daqueles meninos que ela sonhara transformar em homens de bem, mas que, ainda adolescentes, se revelaram facínoras, frios e insensíveis.

Rosa, Maria e nós

            Não sei quem mais sofre, se Rosa ou Maria.

 E nós? Todos sofremos com Rosa. Mas a maioria ignora o drama de Maria. O tempo, mesmo parecendo indiferente à dor de ambas e à nossa dor, sabe que nada é definitivo. Que tudo conduz ao equilíbrio.  Que a vida jamais é vencida pela morte e nunca será em vão o esforço para semear o amor e a justiça na alma de um filho.

            A compreensão desses princípios fundamentais da filosofia espírita faz dela uma proposta revolucionária e transformadora, e não apenas consoladora. Incute-nos a certeza moral de que em nada contribuirá, por exemplo, a introdução da pena de morte para delitos dessa natureza. E que, igualmente, será inócuo reduzir-se a idade da imputabilidade penal, se não dotarmos a execução da pena de instrumentos pedagógicos eficientes e humanitários, levando-se em conta as carências sociais e as especificidades psicológicas dessas almas desajustadas.

            Nossos filhos

            Rosa, Maria e os filhos delas são, como nós, viajores do tempo. Personagens de dramas hoje aparentemente insuperáveis e definitivos. Mas, à luz das leis que regem a vida do espírito, não passam de cenas de uma trama que, mesmo carregada de injustiça e crueldade, conduz a um epílogo de triunfo do amor e da justiça.

            A perda, tida como definitiva, espinho hoje sangrando o coração de Rosa, logo ali adiante dará lugar ao reencontro que tudo compensa. A frustração de Maria, carregando como sua a cruz de filhos desajustados, remete à reflexão de Gibran Khalil Gibran, segundo quem “nossos filhos não são nossos filhos, são filhos e filhas da ânsia da vida por si mesma”. Com propriedade, recorda-nos o poeta libanês: “Nossos filhos vêm através de nós, mas não de nós. Vivem conosco mas não nos pertencem” e, por isso: “podemos outorgar-lhes nosso amor mas não nosso pensamento”.

            Quem vê a vida sob esse prisma há de adotar critérios bem mais racionais no julgamento dos personagens do drama que comoveu o Brasil no último mês de fevereiro. E, por certo, se tiver alguma influência na formação da opinião, ou algum poder de decisão nos destinos desta sofrida nação, não haverá de agir sob o influxo do emocionalismo que aquela tragédia gerou.

 

Notícias

 

Palestras no CCEPA homenageiam Kardec nos 150 anos do espiritismo

            O Centro Cultural Espírita de Porto Alegre – CCEPA – está retomando neste mês de março, as conferências públicas da primeira sexta-feira à tarde de cada mês e primeira segunda-feira à noite. São atividades que, nos anos anteriores, têm trazido um público externo, sempre interessado nas questões programadas pelos conferencistas convidados.

            Assim, a retomada se deu na sexta-feira, dia 2 (15h), tendo por convidado Néventon Vargas, companheiro espírita radicado em João Pessoa, PB, onde é presidente da ASSEPE e Delegado da CEPA. Néventon desenvolveu o tema “Espiritismo – 150 anos”, abrindo a série de trabalhos em homenagem ao sesquicentenário do espiritismo, em comemoração ao lançamento de O Livro dos Espíritos, em 18 de abril de 1857. O expositor destacou a necessidade da permanente construção do conhecimento, integrando a proposta espírita aos avanços do pensamento e da ciência, mas ancorado na proposta kardequiana.

            A exposição da noite, na primeira segunda-feira de março (dia 5, 20h30min), esteve a cargo de Carlos Grossini, diretor de atividades mediúnicas do CCEPA. Seu tema: “Uma

reflexão sobre espiritismo”, reportou-se a aspectos históricos da formação do pensamento espírita, enfocando-os sob o binômio determinismo-possibilismo.

 

Novos Cursos Para Iniciantes no CCEPA

 

Neste mês de março, o CCEPA retoma seu programa de Cursos de Iniciação ao Espiritismo (CIESP), que já se tornaram tradicionais em sua sede à Rua Botafogo, 678. Algumas modificações foram introduzidas: redução da duração de cada aula para 60 minutos e aumento no número de encontros de 5 para 7. Serão abertas duas turmas, uma às 5as. feiras, às 20h30min, funcionando de 15 de março a 26 de abril e outra às 6as. feiras, às 15 horas, de 16 de março a 27 de abril, com a seguinte programação:

 

1. O que é o Espiritismo;

2. Existência e sobrevivência do Espírito;

3. Reencarnação e migração dos espíritos;

4. Mediunidade e comunicação com os espíritos;

5. Síntese histórica e organização do Espiritismo;

6. Práticas espíritas;

7. Conseqüências morais do Espiritismo.

 

Esses cursos destinam-se a pessoas que desejam obter noções básicas acerca da doutrina espírita que podem inscrever-se, gratuitamente, no próprio local, alguns minutos antes do seu início.

Curso de Verão motivou criação de novo grupo de estudos básicos

O Centro Cultural Espírita de Porto Alegre inovou este ano ao realizar um CIESP nos meses de janeiro e fevereiro, período tradicional de férias, no qual muitas instituições espíritas chegam a suspender inteiramente as atividades. Mesmo assim, o curso teve relativo sucesso, havendo iniciado, em 22 de janeiro, com 50 participantes. Alguns daqueles que participaram até o final manifestaram desejo de seguir estudando na Casa e passarão, agora, a integrar um grupo permanente de estudos.

Assim, já está formado um novo grupo de CIBEE, Ciclo Básico de Estudos Espíritas, coordenado por Walmir Gambôa Schinoff, experiente companheiro do CCEPA, reunindo um pequeno grupo de remanescentes do CIESP de verão. Os novos integrantes da Casa terão encontros regulares nas noites de quinta-feira, a partir deste mês de março.

 

 

Enfoque

Qual o futuro do espiritismo?

 

            Matías Quintana*

 

            A educação espírita promove mudanças significativas na formação mental em comparação com as pedagogias oficiais adotadas pelo Estado ou outras instituições. A criança forma uma imagem de realidade distinta da oficial, onde certos controles socialmente mantidos tendem a se relaxar e a permitir outros desenvolvimentos cognoscitivos: a morte não conduz a nenhuma ordem sobrenatural; a determinação rege todas as ordens da natureza; o sobrenatural é um equívoco.

            Mediante a extensão do conceito do natural ao domínio da morte, a criança pode pensar e agir sobre aquilo que outras educações impedem. Mas, a partir de então também notará que há uma parte de seu pensamento compatível com o saber oficial, seja este acadêmico ou religioso.

            A especificidade do espiritismo não reside no decálogo de fundamentos, sequer nos textos de Kardec suscetíveis de uma infindável exegese, menos ainda no conteúdo ideológico da doutrina. Tudo isso é literatura ou história do pensamento.

            Kardec antes de conceber o espiritismo adquiriu conhecimentos de gramática, matemática, lingüística e pedagogia, além de falar corretamente alemão, inglês, espanhol e holandês. Quando se dispôs a pensar o fenômeno, o fez a partir desse acervo cultural.

            De forma muito simples, o espiritismo foi o resultado da aplicação das ciências básicas daquele tempo a fenômenos singulares não contemplados pelo saber oficial. É por isso que o fenômeno estudado por Kardec recebeu tratamento a partir de um ponto de vista estritamente lingüístico, embora pudesse ter sido tratado a partir da geometria ou da psicologia, caso existentes nos termos atuais.

            O mesmo fez Copérnico quando apontou uma lente ao céu, ou Freud quando transpôs a neurologia, a hidráulica e inclusive a óptica ao campo da mente. Em sentido estrito, não há diferença entre o nascimento do espiritismo e outros saberes. O que há são diferenças em seu posterior desenvolvimento.

            Assim, o futuro disso que continuamos denominando espiritismo está na forma como as crianças, com seu próprio acervo, voltem a pensar o fenômeno. Se quisermos, nessa atitude reside o principal legado de Kardec.

            Os jovens assim estimulados dispõem de uma capacidade potencial de pensar sem os preconceitos implantados pelas representações oficiais. Isso se revela sempre que sejam incentivados cedo a fazer algo tão incômodo como pode ser o pensar. O pensamento, quando pensa, é uma atividade inquietante, quase um desconforto. Enquanto pensa, o pensamento não se interessa pelo resultado que é, por natureza, incerto. Quando adquirimos essa preocupação, o pensamento acaba. Em seu lugar, vem a especulação, que se institucionaliza no trato pessoal das idéias, do controle social ou do status institucional.

            De minha parte, não posso imaginar as próximas décadas relendo Kardec ou tratando de reproduzir seu caminho, porque o futuro nunca pode estar no passado. Em contrapartida, me parece melhor imaginar as crianças de hoje sendo impulsionadas a inovar por sobre as bases.

            De que serve defender algo que, se é real, sustenta-se sozinho? A realidade impõe-se por seu próprio peso. O espiritismo, pelo menos em sua origem, era um saber sobre um fenômeno, não um saber sobre si mesmo.

            Freud estava convencido de que o que traria perigo a sua obra era o que chamava a “avalanche negra do ocultismo”. Estava ele certo, basta ver o que essa avalanche fez com o espiritismo. A CEPA parece ser uma das poucas instituições vigentes com a possibilidade de elucidar isso que está não fora mas dentro e que se esconde em silenciosas resistências.

            Apesar do heterogêneo e díspar caminho que seguiram, por exemplo Schopenhauer ou Nietzsche, Husserl, Popper ou Vattimo, Levi-Strauss, Foucault ou Sartre, a todos eles une a participação de um movimento do qual o espiritismo esteve, na maioria das vezes, ausente. Eles e outros fundaram as ciências sociais e da subjetividade. O futuro, como nas crianças, também está aí, mas igualmente nos campos da geometria e da física.

            Como explicar a mediunidade sem antes entender os princípios gerais da reencarnação? E como há de ser possível explicar a reencarnação sem o auxílio da geometria, da etnologia ou da lingüística? Sem essas explicações não são possíveis os saltos técnicos significativos.

            Se desde agora as crianças fossem estrategicamente impulsionadas por esse caminho, ao cabo de umas poucas décadas nos encontraríamos com um conhecimento inovador. Para isso não faz falta o apoio de grandes massas de espíritas, tampouco os consensos globais. Bastará o acordo de um conjunto de instituições que estabeleçam uma rota coerente a longo prazo para a inovação. (traduzido do espanhol por Milton Medran Moreira).

 

GRAVURA GRUPO DE CRIANÇAS

O futuro do que denominamos espiritismo: Crianças, desde que estimuladas, dispõem de uma capacidade potencial de pensar sem os preconceitos implantados pelas representações oficiais.

 

            * Matias Quintana é licenciado em Psicologia; Presidente da Instituição Espírita Síntesis  e delegado da CEPA em Santa Fe, Argentina.

 

 

Opinião do Leitor

 

Espiritismo, uma religião brasileira

Acabo de concluir a leitura do livro “Espiritismo, uma religião brasileira”, de José Luiz dos Santos (tema da coluna do CPDoc, no boletim América Espírita do último mês de dezembro).

Tecerei alguns comentários, os quais julgo pertinentes, sobre o conteúdo da referida obra. Porém são necessárias algumas considerações iniciais:

Primeiramente, o método utilizado pelo autor para realizar a sua pesquisa, aponta para uma revisão bibliográfica e documental, pois ele procura explicar o Espiritismo enquanto uma religião brasileira através de referências teóricas publicadas em livros e documentos.

Uma vez que se trata de um pesquisador escrevendo sobre uma doutrina filosófica, é de esperar-se que o mesmo tenha lido e, mais que isto, estudado várias obras sobre o seu objeto de pesquisa, para entender do que ele se propõe a falar.

Digo isso, porque ao ler na página 9, 1° parágrafo, deparamo-nos com a seguinte afirmação: “Kardec apresentou ao mundo o que chamou de terceira revelação, em sequência às de Moisés e Cristo, e registrou numa série de livros o que lhe teria sido informado por espíritos superiores como fundamento de uma nova religião, uma nova ciência e uma nova filosofia. O grifo é por minha conta. Ao escrever essas palavras, o autor expressa o seu ponto de vista, logo no início da sua obra, descaracterizando o seu trabalho enquanto pesquisa e, apresentando, sim, a sua convicção pré-formada.

Nós sabemos que Kardec não apresentou o Espiritismo como uma nova religião e não encontraremos respaldo em sua obra para afirmações contrárias.

Uma pesquisa bibliográfica e documental parte de uma pergunta, para a qual queremos encontrar resposta. Em Metodologia Científica os autores afirmam que “A primeira etapa da pesquisa é a formulação do problema ou formulação de perguntas”. O que vimos na leitura de “Espiritismo, uma religião brasileira” é que o autor parte da resposta, interpretando o Espiritismo enquanto ciência, filosofia e religião.

Dessa forma, posso entender a publicação de José Luiz dos Santos, como o ponto de vista de uma pessoa que pensa o Espiritismo como religião, e não como o fruto de uma pesquisa, isenta da convicção pessoal do seu autor.

Acrescento que, embora encontremos uma vasta bibliografia, as referências bibliográficas não são tão freqüentes, optando o autor por algumas citações diretas. Logo no início, quando o autor afirma que Kardec registrou em livros o que seria uma nova religião, não há referência bibliográfica de onde podemos encontrar essa asserção nas mencionadas obras.

Alguns dados também parecem equivocados: na introdução o autor cita que “Uma parcela muito pequena da população, 1,12%, se declarou espírita no Censo de 2001, aumentando muito pouco, para 1,38% no de 2000...”. Ora, parece que o ano retrocedeu. Temos aqui, no mínimo, um erro de digitação, onde caberia uma errata.

Em resumo, é possível encontrar, no livro em questão, muitos dados históricos para entender a evolução do Espiritismo no Brasil, onde se inclui a realidade da existência de uma religião espírita, que não é e nunca foi o objetivo de Kardec. Acrescente-se que dados atuais sobre o movimento espírita contrário a essa religião não mereceram destaque, nem mesmo citação. Apesar de tudo: existimos!

            Armando Bega armando.bega@uol.com.br – São Paulo/SP.