OPINIÃO Ano XIII – Nº 136  Novembro 2006

O PONTO DE INTERROGAÇÃO QUE ABALOU O MOVIMENTO ESPÍRITA

Editorial: Controladores, Pilotos e Viajantes

Nossa Opinião: Ler e entender Kardec

Notícias: Divaldo na Maçonaria Unida de Porto Alegre  -   Grupo Jovem do CCEPA   -    Da Religião Espírita ao Laicismo, na Feira do Livro   -  Medran é o último orador do ano

Opinião em Tópicos:   Os sem-religião    -   Dogmas e ritos  -  Crenças individuais  -   Vida: um processo inteligente (Milton Medran Moreira)

Enfoque :  Bens da Terra

Opinião do Leitor:

 

 

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O PONTO DE INTERROGAÇÃO QUE ABALOU O MOVIMENTO ESPÍRITA

 

Há 20 anos, começava a circular nos meios espíritas uma edição polêmica da revista A Reencarnação, da Federação Espírita do Rio Grande do Sul, com o título de capa: Espiritismo: Ciência e Filosofia. Até que ponto é Religião?

 

O tríplice aspecto

            O projeto editorial era singelo. Partindo da concepção do tríplice aspecto (Ciência/Filosofia/Religião), proposta pelo espírito Emmanuel e aceita quase unanimemente pelo movimento espírita brasileiro, a FERGS planejou três edições sucessivas de sua revista oficial.

            A primeira (nº 400,julho/84) enfocaria o aspecto científico. Seu título de capa “O Tripé Doutrinário Está Quebrado?” chamava a atenção para “o esquecido aspecto científico”, com artigos de Nazareno Tourinho, Hernani Guimarães de Andrade, Ildefonso do Espírito Santo e Cícero Marcos Teixeira.

            A edição seguinte (401,out/84) detinha-se nos aspectos filosóficos do espiritismo, com artigos de Deolindo Amorim, Jaci Regis, Martins Peralva, José Jorge, Heloísa Pires, Jorge Luiz dos Santos, Cícero Marcos Teixeira e Antonio Carlos Fraquelli. Seu título de capa? “Quem sou eu? Filosofia Espírita. A Resposta”.

            Interrogação incabível?

            Como as edições antecedentes, a terceira (402,out/86), questionava interrogativamente o aspecto religioso. Sua capa – Espiritismo: Ciência e Filosofia. Até que ponto é religião? -, entretanto, causaria impacto nunca visto no movimento. Como relata Salomão J.Benchaya (então presidente da FERGS), no livro “Da Religião Espírita ao Laicismo”, a revista despertou reações as mais duras. A principal delas veio do então presidente da Federação Espírita Brasileira, Francisco Thiesen, que, em reunião do Conselho Federativo Nacional, interpelou Benchaya, censurando-o publicamente pelo fato de a FERGS haver lançado o tema a debate. Para Thiesen, o aspecto religioso era inquestionável e, se questionado pela federativa gaúcha , esta teria a obrigação de dar cabal resposta afirmativa à pergunta.

            De fato, a revista não tomara partido. Em seu editorial, escrito pelo então Diretor de Comunicação Social da FERGS, Milton R. Medran Moreira, ponderava: “Para um órgão como a Federação Espírita do Rio Grande do Sul, atenta, sempre, a todo o processo renovador, não interessa tomar partido, mas, estimular a reflexão, possibilitando que a rede federada tome contato com o pensamento daqueles que mais particularmente se vêm debruçando sobre o tema”, acrescentando: “o pensamento, estimulado pelo debate, desbrava vigorosamente os caminhos que o conduzem à verdade”.

            O pensamento de Kardec

            A polêmica edição de A Reencarnação, tanto em sua matéria editorial, como por seus articulistas, ou defendia expressamente o caráter religioso do espiritismo (exemplo: Nelson Sant”Anna, no artigo “O que é o Espiritismo?”) ou analisava a religião como fenômeno antropológico, social e semântico. Nenhum dos artigos, firmados pelos colaboradores Jorge Luiz dos Santos, Milton R. Medran Moreira, João Paulo Lacerda e Cícero Teixeira, chegou a contestar o aspecto religioso do espiritismo, então quase um dogma dentro do movimento. Apenas uma exceção, que seria, com certeza, causa de perplexidade: a revista trazia uma antologia do pensamento kardequiano, organizada por Maurice Herbert Jones, onde o próprio Kardec deixava clara a idéia de que o espiritismo não era (ou não deveria ser) uma religião.

            A seleção de textos, cronologicamente organizada, citando as diversas fontes da obra de Allan Kardec, começava com O Livro dos Espíritos (1857), em cujas conclusões o espiritismo era sintetizado como uma ciência de experimentação com conseqüências morais; passava pela polêmica de Kardec com o Abade de Chesnel, onde o primeiro afirmava enfaticamente: “O Espiritismo não é, pois, uma religião, do contrário teria seu culto, seus templos, seus ministros”; e terminava com o Discurso de Abertura (1868), no qual Kardec recomendava expressamente que não se apresentasse o espiritismo como uma religião, porque, “não tendo nenhum dos caracteres de uma religião, na acepção usual do vocábulo, não podia e nem devia enfeitar-se com um título sobre cujo valor inevitavelmente se teria equivocado.”

 

 

Um livro conta essa história

            Lançado em comemoração aos 70 anos de fundação do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre – CCEPA, o livro de Salomão J. Benchaya “Da Religião Espírita ao Laicismo – a trajetória do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre”, resgata aspectos históricos dessa polêmica, no Rio Grande do Sul. Para adquiri-lo, você pode entrar em contato diretamente com o CCEPA: Rua Botafogo, 678, Porto Alegre/RS – CEP 90.150-050, fone (51) 3231.6295, e-mail ccepa@terra.com.br .

 

Nossa Opinião

LER E ENTENDER KARDEC

            O tema religião não-religião já não desperta, como há 20 anos, polêmicas tão acaloradas. Uma das razões está ligada justamente ao episódio de 1986, no movimento espírita gaúcho. Passou-se, a partir de então, a conhecer melhor a estrutura do pensamento kardequiano. Conhecendo-se e analisando-se com mais perspicácia o pensamento de Allan Kardec, seria possível melhor racionalizar suas posições.

            Homem de seu tempo, Kardec, como é próprio dos gênios, pressentia as mudanças do futuro e antevia a revolução cultural das décadas seguintes. Sabia que a pós-modernidade seria cenário de esmaecimento da cultura religiosa no Ocidente. Podia, dessa forma, estimar que a questão do espírito, inevitavelmente, migraria da religião para a ciência. Saindo dos domínios da fé para a área do conhecimento, melhor contribuiria com as conseqüências morais e éticas da vida, em seus múltiplos aspectos.

Isso não significa que o homem religioso, seja espírita ou não, tenha de estar, necessariamente, à margem do fascinante mundo do espírito, tomado como fenômeno científico e filosófico-moral. Mas está cada vez mais difícil conciliar religião com os amplos aspectos que, conjugados, levam à síntese da vida. Ao contrário, quase sempre quem preza a livre investigação do conhecimento e sonha com a primazia da ética, ver-se-á na contingência de bater de frente com a religião, suas pretensas verdades, privilégios, práticas e estruturas de poder, se quiser persistir na luta em favor da justiça, do amor e da caridade, em suas dimensões verdadeiramente universais e assectárias.

Para nós, como há 20 anos, está aí uma realidade muito clara. Que pode, sim, ser dirimida sem divisões ou exclusões. O caminho é ler e entender Kardec. (A Redação).

 

Editorial

CONTROLADORES, PILOTOS E VIAJANTES

 

A verdadeira viagem de descoberta consiste não em procurar novas paisagens, mas em vê-las com outros olhos.

Marcel Proust

            Um episódio da vida nacional, no último mês, serve de mote para uma excelente reflexão espírita. Protagonizaram-no os controladores de vôo, ao promoverem a chamada “operação padrão”. Esta, como se sabe, acabou dando lugar a uma verdadeira balbúrdia nos principais aeroportos do país.

Quem já não parou para ver o movimento de um aeroporto? Aviões que aterrissam e decolam, em todas as direções. Fascina-nos a destreza dos pilotos. A organizada evolução das aeronaves pelas pistas e locais de embarque e desembarque. No interior dos aviões, muitas vezes, o comandante é aplaudido quando a aeronave toca o solo. É a forma de os passageiros demonstrarem gratidão e reconhecimento à tripulação pelo êxito de uma viagem.

A verdade é que quase nunca pensamos numa outra categoria que está por de trás do grandioso espetáculo dos ares e das pistas: os controladores de vôos. Atentos diante de uma tela, monitoram dezenas, centenas de vôos que cruzam os céus. Jamais se ouviu qualquer referência a eles, quando a comissária de bordo relaciona a tripulação de um vôo. Eles que são parte integrante de todos os vôos: desenham rotas, acompanham sua execução, autorizam decolagens e pousos, organizam e controlam a complexa teia de movimentação de aeronaves nos céus e na terra. Anônimos e reclusos em suas salas, esses esquecidos profissionais cumprem tarefa essencial à vida e à segurança de milhares de pessoas.

Assim também é a vida, na multiplicidade de funções que oferece a seus partícipes. Visíveis ou invisíveis, reconhecidos ou não, aplaudidos ou ignorados, cada um de nós realiza uma tarefa sempre fundamental. Em O Livro dos Espíritos, uma referência enternece sempre quem a lê com atenção e faz refletir sobre a importância de cada existência: “Um dos objetivos da encarnação é o de colocar o Espírito em condições de cumprir sua parte na obra da criação” (q.132).

 Perceberam? Somos todos co-criadores, responsáveis conjuntos pela obra da criação. Em cada viagem realizada, há um delicado plano de vôo que cumprimos integralmente ou não.  Pequenos ou grandes desvios de rotas podem frustrar nossa viagem e de nossos acompanhantes. Há uma delicada teia da qual somos parte, na fascinante viagem de cada existência.

 

Em cada viagem realizada, há um delicado plano de vôo que cumprimos integralmente ou não. 

 

 

Opinião em Tópicos

Milton R. Medran Moreira

 

            Os sem-religião

            Pesquisa feita, no ano passado, em 70 países dá conta de que cresce o número de pessoas sem religião. Elas já chegam a 25% (Informe Especial - ZH 21.11.05).

            Estou falando de pessoas que responderam à pesquisa dizendo exatamente isso: “eu não tenho religião”.  Todo mundo sabe que há um contingente imensamente maior de gente que não integra qualquer sistema organizado de fé, mas que, diante de uma pesquisa, responde pertencer a esta ou àquela religião. Vale, no caso, a tradição familiar ou a cultura em que se acha integrado. No Brasil, por exemplo, colonizado pelo historicamente católico Portugal, o catolicismo foi, durante quase 4 séculos, a religião oficial. Praticamente a única. Isso sedimentou uma cultura, uma tradição que persistem, mesmo já não correspondendo, hoje, às prática individuais. Ou seja: o sujeito, filho de católicos, batizado, crismado e casado na Igreja, vai continuar se dizendo católico a vida toda. E para seguir a tradição, vai batizar, crismar e casar seus filhos na Igreja.

            Dogmas e ritos

            Vá, no entanto, perguntar àquelas mesmas pessoas se acreditam na Santíssima Trindade, na virgindade de Maria ou na ressurreição dos mortos para comparecer ao Juízo, no final dos tempos. E elas, que se declaram católicas, confessarão nada saber dessas coisas. Essas coisas, no entanto, são dogmas fundamentais da Igreja. Base e razão de sua própria existência.

Prossiga na investigação e veja se elas vão à missa, aos domingos (omissão que, no meu tempo, levava direitinho para o fogo do inferno, se o sujeito, antes, não fosse absolvido pelo padre). Concluirá que, quando muito, comparecem a alguma de 7° dia. Apenas como obrigação social, nunca como ato de fé religiosa.

As questões dogmáticas da fé e os rituais compulsórios estão fora da agenda de nosso tempo.

            Crenças individuais

            Isso não significa que as pessoas não tenham suas crenças íntimas e não desenvolvam, interiormente, uma espiritualidade, às vezes até tecida de valores bem definidos, embora não correspondendo ao estereótipo de dogmas e ritos de uma determinada religião. Espiritualidade nem sempre é sinônimo de religião. Muitas pessoas, mesmo sem serem religiosas, aceitam a existência de um Deus, como inteligência superior e ordenadora do universo. Não fosse assim, a pesquisa em questão teria indicado igualmente a existência de 25% de ateus. Segundo a mesma sondagem, só 6% dos pesquisados se declararam descrentes da divindade.

            Hoje as questões que dizem respeito, por exemplo, à vida após a morte, antes aprisionadas em dogmas de fé, são objeto de pesquisas que rompem com os paradigmas religiosos, trazendo temas como imortalidade, comunicação entre vivos e mortos, reencarnação, etc., para o domínio da experiência científica, libertando-os do quarto escuro do mistério ou das pompas do sagrado. As novelas de TV, repercutindo o que vai na alma popular, transformam esses mesmos temas em histórias tecidas de amor e ódio, heroísmo e vilania, ingenuidade e astúcia. Tal como ocorre nos domínios da vida. Porque a vida não se compatibiliza com a dicotomia do sagrado e do profano. Ela é, simplesmente, natural.

           

Vida: um processo inteligente

Então, por favor, que não venham me dizer que o declínio da religião, atestado em mais uma pesquisa, é o responsável pela violência, pela corrupção e pela criminalidade. Resultado da falta de fé. Prefiro ver essas deformações como produtos dos modelos institucionais viciados onde se refugiam a mediocridade e a hipocrisia que resistem ao tempo.

            Para nos arrancar desse estado só a compreensão da vida como um processo inteligente, onde a ética não esteja vinculada ao dogma, e a moral não se prenda ao temor. Onde a solidariedade e o amor sejam sentidos como excelências da vida, conferindo a esta a dimensão de transcendência que lhe é inerente e sem a qual se faz incompreensível. Onde os valores universais e imutáveis encontrem seu lugar ideal na mente e no coração do homem, pairando sobre as peremptas e cada vez mais desacreditadas instituições humanas, nas quais se inserem também as religiões.

           

Notícias

 

DIVALDO NA MAÇONARIA UNIDA DE PORTO ALEGRE

            O orador e médium espírita baiano Divaldo Pereira Franco, a convite do movimento Maçonaria Unida do Rio Grande do Sul, esteve proferindo palestra dia 9 de novembro no Templo Caldas Júnior, do Grande Oriente do Rio Grande do Sul.

            Convidado pelo Grão Mestre do GORGS, Dr. Juraci Villela de Souza, compareceu ao evento o editor deste jornal, Milton Medran Moreira que teve um encontro pessoal com o médium baiano na sala do Grão Mestre, antes da conferência. Na oportunidade, Divaldo cumprimentou Medran pelo trabalho frente ao jornal Opinião do qual Franco informou ser leitor permanente e admirador.

            À conferência, proferida em Sessão Magna branca, compareceram cerca de 500 pessoas que lotaram inteiramente o templo maçônico. Divaldo fez interessante digressão sobre as origens mais remotas da Maçonaria, sua vinculação com o livre pensamento e as grandes conquistas do humanismo moderno. Salientou também o caráter espiritualista e deísta da Ordem e, especialmente, sua visão não-antropológica da divindade, coincidente com o conceito espírita.

           

 

GRUPO JOVEM DO CCEPA

O Grupo de Estudos de Jovens Espíritas (GEJE) é um grupo que oportuniza um espaço de discussão sobre diversos temas espíritas, favorecendo a troca de opiniões e reflexões. Entre os temas abordados, já foram discutidos: obsessão e loucura sob a ótica espírita, reencarnação, emancipação da alma, Projeciologia, experiências de quase morte (EQM), entre outros. O grupo, com seu atual formato, trabalha junto desde março deste ano.

Para as próximas discussões de novembro, serão estudados pelo grupo os temas: vida após a morte, sociologia espírita e evolução do espírito.

O grupo reúne-se no Centro Cultural Espírita de Porto Alegre (CCEPA) localizado na Rua Botafogo, 678. Os encontros acontecem aos sábados às 16h30.

 

 “DA RELIGIÃO ESPÍRITA AO LAICISMO” NA FEIRA DO LIVRO

            Salomão J. Benchaya, Diretor do CCEPA, teve concorrida sessão de autógrafos, na tarde de 29 de outubro último, na 52ª Feira do Livro de Porto Alegre, lançando seu livro “Da Religião Espírita ao Laicismo – A trajetória do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre”.

            A obra conta a singular história da antiga S.E.Luz e Caridade (hoje CCEPA), especialmente nos últimos 30 anos, quando exerceu importante influência no movimento espírita do Rio Grande do Sul e do Brasil.

            “Da Religião Espírita ao Laicismo” pode, ainda, ser adquirida no CCEPA, Rua Botafogo, 678, Porto Alegre, CEP 90.150-050. Fone 3231-6295. Preço; 12,00.

 

 

MEDRAN É O ÚLTIMO ORADOR DO ANO

            “Agenda Mínima para Evoluir” será a palestra proferida por Aureci Figueiredo Martins, na última primeira sexta-feira de dezembro, dia 1º, às 15h. A programação de conferências especiais do ano, sempre na primeira segunda-feira de cada mês, no CCEPA, encerra com Milton Medran Moreira, dia 4 de dezembro, às 20h30.

            Tema: “Filosofia Espírita – Moral, Ética ou Utopia?”.

 

Enfoque

Bens da Terra

Doris Madeira Gandres *

            Quando observamos tudo o que nos cerca, toda essa maravilha de natureza de que dispomos, todos os bens que a terra coloca a nosso benefício, forçoso é compreender o quanto de responsabilidade nos cabe na utilização criteriosa de tudo isso.

No Livro dos Espíritos, q.711, os amigos espirituais nos asseguram que o uso dos bens da terra é um direito de todos e que esse direito é conseqüente da necessidade de viver.

Sabemos também que viver é o primeiro dos direitos naturais do homem; que ninguém tem o direito de atentar contra a vida de nenhum semelhante, nem de fazer o que quer que possa comprometer-lhe a vida corporal (OLE q.880) – e sabemos ainda que essa condição corpórea na etapa reencarnatória permite-lhe o desenvolvimento intelectual e moral.

Só nessas duas questões a doutrina espírita já nos proporciona ensinamentos suficientes para uma avaliação consciente, imparcial, dos problemas atuais com relação ao uso da terra e dos bens da terra propriamente ditos.

Em nosso país, já de há muitos séculos perdura a posse de imensas extensões de terras, quer por doação das autoridades da época (ex. capitanias hereditárias), quer por apropriações indébitas, o que hoje ainda acontece e conhecemos como “grilagem de terras”; terras onde, em geral, se encontram pessoas simples, como p.ex. indígenas, seringueiros e outros.

Por conseguinte, a questão da terra, sua posse e seu uso, precisa ser criteriosamente estudada, para que, com seriedade e boa-vontade, em futuro tão próximo quanto possível, sejam corrigidos os excessos e desmandos do passado – e os da atualidade – sem, no entanto, desrespeitar-se a propriedade legítima, ou seja, aquela adquirida sem o prejuízo de outrem (OLE q.884).

Allan Kardec faz a esse respeito um comentário relevante na q.882-OLE: “Aquilo que o homem ajunta por um trabalho honesto é uma propriedade legítima, que ele tem o direito de defender, porque a propriedade que é fruto do trabalho é um direito natural, tão sagrado como o de trabalhar e viver.”

            Assim, não podemos simplesmente defender uns e condenar outros, e vice-versa, sem que todos os aspectos sejam analisados racionalmente.

            Também é do conhecimento de todos a péssima distribuição de renda em nosso país que se arrasta por anos e anos a fio; também são do nosso conhecimento os abusos cometidos por ambos os lados – dos que muito detêm e querem sempre mais a qualquer custo; e dos que nada têm (os sem-terra, sem-teto, descamisados, excluídos etc, etc, etc) e querem, de todo modo, o necessário para viver melhor, tornando-se muitas vezes, em função de sua insatisfação, instrumentos de homens menos escrupulosos.

            Daí as invasões, de um lado; e as repressões, muitas vezes arbitrárias, de outro.  Em nosso presente estágio evolutivo, geralmente a força das armas, das artimanhas e do poder financeiro suplanta a força do desespero, da fome, da revolta – pelo menos temporariamente, basta ver as grandes revoluções modernas, como a francesa e a russa...

            Cabe aqui lembrar a q.717 de OLE: Que pensar dos que açambarcam os bens da terra para se proporcionarem o supérfluo, em prejuízo dos que não têm sequer o necessário?  “Desconhecem a lei de Deus e terão de responder pelas privações que ocasionarem.”

            Entretanto, apesar de tantos exemplos históricos e tantos esclarecimentos inequívocos, ao invés de se buscar soluções pacíficas e humanitárias, por meios já conhecidos e empregados por outras nações, continua-se na mesma e a situação se agrava porque, com o tempo, a quantidade de desesperados aumenta e, com isso, aumenta também a revolta, o que faz surjam as convulsões sociais...

Há alguns anos, um sociólogo humanista, Josué de Castro, advertia: “Melhor nos preocuparmos mais com a segurança social do que com a nacional, antes que os pobres morram de fome e os ricos de medo”.

Não foi sem razão que os Espíritos afirmaram categoricamente na q.926 de OLE: “Os males deste mundo estão na razão das necessidades artificiais que criais para vós mesmos”.

E não podemos deixar de concordar com eles quando observamos os excessos de consumo a que se entrega uma fatia da humanidade...

Mais severa ainda é a resposta dos Espíritos quando Kardec pergunta se aquilo que seria supérfluo para um, não se torna o necessário para outro, e vice-versa, segundo a posição (q.923): ”Sim, de acordo com as vossas idéias materiais, os vossos preconceitos, vossa ambição e todos os vossos caprichos ridículos, para os quais o futuro fará justiça, quando tiverdes a compreensão da verdade”.

E ainda exortam, à pergunta 812a – é possível que todos se entendam? “Os homens se entenderão quando praticarem a lei de justiça”.

Lembramo-nos então de que, há dois mil anos, nosso irmão Jesus de Nazaré nos transmitiu um dos ensinamentos mais claros e simples acerca da justiça: “Fazei aos outros o que desejaríeis eles vos fizessem.”

 

No Livro dos Espíritos, q.711, os amigos espirituais nos asseguram que o uso dos bens da terra é um direito de todos e que esse direito é conseqüente da necessidade de viver.

 

* Doris Madeira Gandres é secretária executiva, aposentada, Rio de Janeiro; Articulista espírita e autora do livro “A Felicidade ao nosso Alcance”. E-mail: dorisgandres@yahoo.com.br .

 

Opinião do Leitor

            Cumprimentos

Estamos recebendo regularmente, aqui no Rio, o jornal Opinião, que, para nós (meu marido, Roberto Gandres e eu) figura como o melhor jornal atualmente à disposição no meio espírita. Aproveitamos o ensejo para parabenizar toda a equipe do jornal pela seriedade no trabalho e pelas boas matérias com que nos brindam.

Doris Madeira Gandres – Rio de Janeiroe(em mensagem de encaminhamento do artigo acima reproduzido).