OPINIÃO Ano XII – Nº 132  Julho 2006

PROVA PSICOGRÁFICA NO JÚRI, NOVAMENTE

Nossa Opinião: Se a moda pega

Editorial: Novo, mas nem tanto

Notícias:  Grupo de estudo do CCEPA recebem aula sobre Células Tronco   -   Professor Balaguez é orador de agosto

Opinião em Tópicos:   Os “raps” e as “mesas girantes”  -   A reencarnação nos Estados Unidos  -   Hora do diálogo  -   A contribuição do Sul do Continente (Milton Medran Moreira)   

Enfoque :  O que importa é aquilo  em que você acredita

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PROVA PSICOGRÁFICA NO JÚRI, NOVAMENTE

O assunto não é novo. Há algumas décadas, pelo menos dois casos de cartas psicografadas por Chico Xavier foram utilizadas no Tribunal do Júri e ajudaram a absolver os acusados. Agora, na Comarca de Viamão (RS), o defensor de Iara Marques Barcellos, denunciada como mandante do assassinato do tabelião Ercy da Silva Cardoso, apresentou uma carta obtida psicograficamente, onde a vítima exime a ré de culpa.

O fato

Ercy foi assassinado no dia 1º de julho de 2003, com dois tiros, em sua casa, na cidade de Viamão. Iara, com quem a vítima tinha um caso extraconjugal, acabou sendo denunciada como mandante do crime. O autor dos disparos, o caseiro Leandro Almeida, ao ser preso, disse que Iara o havia contratado por 20 mil reais para dar um susto em Ercy. Com base nessa informação, depois desmentida pelo caseiro, Iara Marques Barcellos foi denunciada pelo Ministério Público.

Levada a júri, no último dia 26 de maio, a ré terminou sendo absolvida. Seu defensor apresentou aos jurados uma carta psicografada pelo médium Jorge José Santa Maria, da Sociedade Beneficente Espírita Amor e Luz, de Porto Alegre, onde Ercy (espírito) declarava que a acusada não tivera participação no fato.

A carta

Trecho da carta que teria sido endereçada, mediunicamente, por Ercy ao marido de sua ex-amante declara: "O que mais me pesa no coração é ver a Iara acusada deste feito por mentes ardilosas como a dos meus algozes. Por isso tenho estado triste e oro diariamente em favor de nossa amiga para que a verdade prevaleça e a paz retorne aos nossos corações".

A mensagem supostamente psicografada foi juntada aos autos pelo advogado da ré, acompanhada de uma declaração de autenticidade fornecida pelo médium.

As repercussões

Os grandes jornais do Brasil, assim como o rádio e a televisão, fizeram reportagens sobre o fato. Em Porto Alegre, o editor de Opinião, Milton Medran Moreira, autor do livro Direito e Justiça – um olhar espírita foi convidado a debater o tema, no último dia 6 de junho, juntamente com a promotora de Justiça do caso, Luciane Feiten Wingert e o advogado de defesa, Lúcio de Constantino, num dos espaços de maior audiência da radiofonia do Estado, o programa Polêmica, apresentado pelo jornalista Lauro Quadros, na Rádio Gaúcha. Medran, na oportunidade, destacou as cautelas com que esse tipo de prova, de pretensa origem espiritual, deve ser tomado, só sendo excepcionalmente aceitável em caso de confortar outros elementos de prova trazidos ao processo.

Também no Centro Cultural Espírita de Porto Alegre, no Grupo de Conversação Espírita, espaço que abre temas da atualidade à discussão pública, à luz do espiritismo (às segundas-feiras à noite), o vice-presidente da instituição, promotor de Justiça Rui Paulo Nazário de Oliveira levou o assunto ao debate, no último dia 20 de junho. Rui entende ser improvável que entidades espirituais se preocupem com esse tipo de comunicação e defende que contendas judiciais devem ser dirimidas pelos meios probatórios e argumentos jurídicos produzidos pelos agentes encarnados do processo e não por entidades espirituais: "Eles não têm nada a ver com isso" – diz Rui – "e não devem se intrometer nesses assuntos, a não ser em casos muito excepcionais".

Nossa Opinião

SE A MODA PEGA

Os dois casos de cartas psicografadas por Chico Xavier trazem características muito especiais. Num, em Goiânia da Campina/GO, em 1976, uma arma de fogo, manuseada pelo jovem José Divino Nunes, causou a morte de seu inseparável amigo Maurício Garcez Henrique, quando os dois conversavam. Noutro, em 1980, João Francisco Marcondes, marido da ex-miss Campo Grande, Gleide Dutra de Deus, na cidade de Campo Grande/MS, com um tiro de revólver, atingiu a esposa, ferindo-a de morte. Gleide, antes de morrer, no hospital, declarou a uma enfermeira que o disparo fora acidental. Em ambos os casos, o depoimento psicográfico das vítimas ao médium de Uberaba, dizendo que os tiros não foram propositais, confortou outros indícios da ausência de dolo existentes nos autos. Além disso, a credibilidade e a respeitabilidade de Chico devem ter concorrido para os jurados darem crédito àquele excepcional indício de prova.

Mas, o que importa salientar é que médiuns e espíritos comunicantes são falíveis. Os primeiros podem ser facilmente vítimas de alucinação, mistificação, engano ou falsas percepções. Os segundos, mesmo que autêntica a comunicação, podem estar sendo movidos por sentimentos pessoais de afeto, paixão, ódio, simpatia ou antipatia, capazes de levá-los a distorcer a verdade ou de prejudicar a clara percepção dos fatos. Espírito é gente e como tal pensa e age.

Não se nega a possibilidade da intervenção e admite-se que bons espíritos desejem contribuir para o justo desfecho de casos judiciais pendentes entre nós. Mas, não convém esquecer que a melhor linguagem de que se utilizam os espíritos é a da transmissão do pensamento. Dispõem eles, ordinariamente, de meios mais sutis de intervenção. Especialmente, intuindo aqueles que operam o Direito no sentido da obtenção da melhor prova ou do argumento ou decisão mais justos. Agir da forma explícita, como no caso recentemente noticiado, conduz facilmente à vulgarização do fenômeno mediúnico e, por via de conseqüência, do próprio espiritismo, já que, no imaginário popular um e outro são a mesma coisa.

Se a moda pega, não se estará, com isso, prestando bons serviços nem à justiça, nem à causa espírita. (A Redação)

Editorial

NOVO, MAS NEM TANTO

A grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecias e não entre as ignorantes.

Allan Kadec – "Estatística do Espiritismo" – Revista Espírita janeiro/1869)

Os grandes órgãos da imprensa nacional, com relativa freqüência, fazem reportagens sobre o espiritismo. Quase sempre, o mote da matéria são os fenômenos mediúnicos produzidos por sensitivos excepcionais. Zé Arigó, Chico Xavier, Edson Queiroz e alguns outros nomes de expressão no campo da fenomenolgia espirítica por muitas vezes foram temas de grandes reportagens nacionais. Ultimamente, as temáticas, cada vez mais utilizadas pelas novelas de televisão e pelo cinema, tratando da comunicação com o além, reencarnação, etc., suscitam reportagens o mais das vezes sensacionalistas que, de qualquer sorte, terminam pondo em evidência o espiritismo e as interpretações que, em nome dele, se fazem desses fenômenos.

Bem mais raro será encontrar matérias da grande imprensa enfocando a realidade de nosso movimento espírita, seu dia-a-dia, o perfil de seus freqüentadores, os esforços que fazem na busca do conhecimento, seus movimentos sociais, etc. Por isso mesmo, de uma certa forma, surpreende a reportagem de capa da revista Época de 3 de julho último, com o sugestivo título de O Novo Espiritismo.

A importante revista da Editora Globo, em certo trecho de sua reportagem, destaca: "Esqueça os copos que se movimentam sozinhos sobre a mesa branca, as operações com canivete e sem anestesia do médium Zé Arigó e as sessões de exorcismo coletivo transmitidas pelo rádio. Isso tudo ainda existe, mas o crescimento e a exportação da doutrina se devem principalmente a seu lado menos místico e mais racional".

Aquilo, pois, que a revista Época qualifica como "novo espiritismo" é apenas o retrato mais singelo e autêntico de um movimento que busca suas raízes, valorizando mais seus fundamentos racionais em detrimento dos desvios místicos e os anseios milagreiros de alguns freqüentadores e até de dirigentes mal preparados. Essa lenta depuração que, assim mesmo, ainda não conseguiu arrancar o espiritismo do arcabouço religioso onde o aprisionaram, deve-se, em parte, ao próprio crescimento das tantas religiões evangélicas que vicejam em nosso meio. Na medida em que esses segmentos praticam uma religião de resultados, atraindo multidões desejosas de soluções rápidas para problemas de saúde, desemprego, falta de dinheiro, desacertos familiares, etc., o espiritismo encontra terreno propício ao aprofundamento de sua filosofia e de seus aspectos científicos. Essa qualificação, antes de afastá-lo dos aspectos éticos e morais inerentes à sua doutrina libertadora, reforça-os evidenciando sua base racional.

Por todas essas razões, o espiritismo cresce especialmente entre as pessoas com escolaridade acima da média. A reportagem de Época salienta que, entre os espíritas, 77% têm entre oito e 15 anos de escolaridade, dez anos em média a mais que os católicos. Essa característica, por sua vez, acaba por influenciar também o perfil econômico dos espíritas: segundo ainda a matéria, a renda dos espíritas é 150% superior à média nacional, e 52% deles ganham acima de cinco salários mínimos.

Estamos, claramente, pois, diante de uma tendência que Allan Kardec fora capaz de perceber já nos primórdios da organização do movimento. Mas essa tendência nascida da própria identidade originariamente conferida à doutrina espírita, precisa retroalimentar-se de políticas internas capazes de atrair aos centros espíritas as pessoas com esse perfil cultural. Isso, absolutamente, não implica em abandonar as políticas da ação social e a preocupação com a assistência aos necessitados, aspectos que sempre caracterizaram o movimento e lhe atraíram o prestígio e a simpatia públicos. Trabalhadores melhor preparados intelectualmente, mais instruídos e socialmente influentes na sociedade, com mais facilidade hão de pôr em prática corretas políticas em favor dos excluídos sociais. Jamais poderemos perder de vista, entretanto, que o espiritismo é, fundamentalmente, uma proposta de transformação integral do homem e que essa transformação parte sempre do conhecimento. O centro espírita, assim, precipuamente, escola e não templo, nem ambulatório ou hospital.

Kardec orgulhava-se dessa característica fundamental do movimento por ele criado e da condição intelectual de seus adeptos. Registrava isso freqüentemente nos seus escritos e projetava um espiritismo permanentemente comprometido com o avanço da ciência, do humanismo e da evolução social e moral da humanidade. O "novo espiritismo", pois, a que alude a reportagem da prestigiada revista da Globo, outra coisa não é senão uma saudável, mas ainda tênue, aproximação do movimento sonhado por seu insigne fundador. Falta-nos muito ainda para atingir plenamente esse objetivo. Prova disso está no próprio tema da reportagem que ora comentamos, definindo como "novo" um movimento que mal desperta para a necessidade de resgatar os valores que lhe são originários. Na verdade, o espiritismo, para a maioria dos próprios espíritas, é ainda um desafio, envolvendo concepções difíceis de serem assimiladas, porque integrantes de um paradigma com o qual ainda não nos acostumamos.

Aquilo que a revista Época qualifica como "novo espiritismo" é apenas o retrato mais singelo e autêntico de um movimento que busca suas raízes, valorizando mais seus fundamentos racionais em detrimento dos desvios místicos e os anseios milagreiros de alguns freqüentadores e até de dirigentes mal preparados.

 Notícias

GRUPOS DE ESTUDO DO CCEPA RECEBEM AULA SOBRE CÉLULAS TRONCO

O Grupo de Estudos coordenado por Rui Paulo Nazário de Oliveira, no CCEPA, assim como os demais grupos da Casa, já está se ocupando dos "Temas de Inverno", dentro da programação previamente definida para o ano todo. Pelo esquema adotado pelo Departamento de Estudos, cada grupo seleciona três temas, a serem desenvolvidos, respectivamente, no outono, inverno e primavera do ano. O grupo GEE N1, coordenado por Rui, elegeu para este período o tema "Clonagem, Células Tronco e suas implicações ético-espirituais".

Por decisão do grupo, foi feito convite à bióloga Jaqueline Rodrigues para, previamente ao início do estudo, ministrar uma aula sobre "células tronco". Jaque, como é carinhosamente chamada no CCEPA, é filha de Saul e Eva Rodrigues, antigos colaboradores da SELC/CCEPA. Formada em Biologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Jaqueline doutorou-se em Biologia Molecular, pos-doutorando-se na mesma área, também pela UFRGS.

Em sua exposição, na quinta-feira, 20 de junho, Jaque partiu, inicialmente dos conceitos de "seres vivos" e "seres com vida". Ocupou-se, também, de questões relativas ao início da vida, destacando as polêmicas existentes entre biólogos a respeito do tema. O grupo aprofundará o estudo de aspectos éticos e implicações espirituais.

Pela importância do tema, integrantes dos demais grupos da noite também assistiram à aula, em atividade coordenada pelo Diretor do Departamento de Estudos, Maurice Herbert Jones.

PROFESSOR BALAGUEZ É O ORADOR DE AGOSTO

Com o tema, "As Cinco Alternativas da Humanidade", o Professor Ascêncio José Martinez.Balaguez será o conferencista da primeira segunda-feira de agosto no Centro Cultural Espírita de Porto Alegre.

O CCEPA oferece sempre na primeira segunda-feira do mês uma palestra pública, com início às 20h30min. Nas demais segundas-feiras, no mesmo horário, reúne-se o Grupo de Conversação Espírita, enfocando temas diversos à luz do espiritismo em atividade também inteiramente aberta à participação de todos os interessados.

Opinião em Tópicos

Milton R. Medran Moreira

Os "raps" e as "mesas girantes"

Arthur Conan Doyle e J.Herculano Pires referiam-se ao período dos grandes fenômenos espiríticos na Europa e nos Estados Unidos do Século 19 como o da "invasão organizada de espíritos". O tempo dos "raps" e das "mesas girantes" forneceram a matéria prima do espiritismo, sua base factual. Mas, não tardou para que o movimento nascente se dividisse em dois grandes segmentos: o "new spiritualism" anglo-saxônico e o espiritismo kardequiano. O primeiro, marcadamente preocupado com os fenômenos mediúnicos. O segundo, de caráter mais filosófico, identificando na idéia da reencarnação a chave dos enigmas humanos e o caminho para dirimir os grandes questionamentos existenciais.

A aceitação ou não da reencarnação se tornaria, justamente, o divisor de águas de um movimento nascido a partir dos mesmos fenômenos, mas que se bifurcou em duas correntes. E desde que isso aconteceu têm sido bem diferentes os rumos tomados por elas. O novo espiritualismo anglo-saxônico, não-reencarnacionista, deu origem às tantas igrejas espiritualistas dos Estados Unidos. O espiritismo kardequiano, com influências nitidamente católicas, mas reencarnacionista, se espalhou por diversos países da América Latina, com predominância no Brasil. Dois movimentos com características diversas e, aparentemente, de difícil conciliação. O pomo dessa discórdia foi justamente a reencarnação.

A reencarnação nos Estados Unidos

Curiosamente, entretanto, lá mesmo, na grande nação da América do Norte é que o fenômeno da reencarnação, ao curso do Século XX, encontraria seu mais propício campo de pesquisa e de estudo. Especialmente a partir do trabalho do Dr.Ian Stevenson, documentado no livro "20 Casos Sugestivos de Reencarnação", o tema ganhou muito espaço e alguma credibilidade em setores da pesquisa de ponta. A partir de Stevenson, figuras respeitáveis como o Dr.H.N.Banerjee, a psicóloga Hellen Wambach, a Dra.Edith Fiore e, mais recentemente, o psiquiatra Brian Weiss, utilizando-se de metodologia científica, buscam submeter a temática reencarnacionista ao debate acadêmico. Estendem uma ponte entre aquilo que antes era só crença e os setores mais abertos de ramos da ciência como a medicina, a psiquiatria, a psicologia, etc.

O pragmatismo norte-americano que, aliado a seu conservadorismo religioso, recusara a idéia da reencarnação sugerida pelo novo espiritualismo, acabou por redescobri-lo, por outras vias, que não a da revelação ou da filosofia.

Hora do diálogo

Consideradas essas premissas, parece que este é o momento ideal para se restabelecer o diálogo entre o espiritualismo anglo-saxônico e o espiritismo kardequiano. O país das irmãs Fox praticamente desconhece Kardec. Como em outras nações do hemisfério norte, lá existem, é certo, muitos centros espíritas bastante semelhantes aos nossos. Mas são mantidos e freqüentados quase que exclusivamente por imigrantes latino-americanos. O norte-americano típico não conhece a doutrina espírita e nunca ouviu falar em Allan Kardec, embora conviva bastante com a mediunidade e com os fenômenos espiríticos em geral.

Dessa realidade nasceu a idéia da temática da próxima Conferência Regional Espírita Pan-Americana que a CEPA – Confederação Espírita Pan-Americana – vai realizar em Miami, EEUU, de 7 a 10 de Setembro próximo. O tema central é "De Hydesville a Kardec – Mediunidade: do fenômeno ao método".

Com a presença já assegurada de grupos genuinamente norte-americanos que estão se voltando ao estudo de Kardec, o evento pode ser um acontecimento histórico, pavimentando o caminho do diálogo e da convivência mais estreita entre aqueles dois segmentos do moderno espiritualismo.

A contribuição do Sul do Continente

A delegação brasileira para a XV Conferência Regional Espírita Pan-Americana ainda é pequena. Companheiros da Argentina também se mobilizam para mais esse evento da CEPA. Mediunidade é um tema fascinante. Base concreta sobre a qual se estrutura a filosofia espírita, também se aprimora através do permanente estudo e da prática, dentro de critérios de racionalidade. Estamos apelando para que mais companheiros do Brasil e da Argentina levem sua experiente contribuição aos irmãos do Norte.

O evento da CEPA, como sempre, abre-se à participação da comunidade espírita em geral, em seu Fórum de Temas Livres. Para maiores informações sobre participação e assistência, entre em contato com a Comissão Organizadora: Ciencia Espiritista Kardeciana, 1875, West Flagler, Miami, Flórida 33135 – www.cienciaespiritista.com – e-mail: scherum@aol.com , telefone 305-821-0654 ou 305.408.7832. Os contatos também podem ser feitos com a Secretaria da CEPA no Brasil: Centro Cultural Espírita de Porto Alegre – Rua Botafogo, 678, Porto Alegre/RS, fone (51) 32316295, e-mail: cepamerica@terra.com.br .

Enfoque

O que importa é aquilo em que você acredita

Marcelo Henrique Pereira*

Saímos do cinema com esta frase, dita pelo protagonista no trecho final do filme, ecoando em nossa cabeça. A película é "O Código Da Vinci" (The Da Vinci Code), baseada no livro homônimo de Dan Brown, e estrelada por Tom Hanks. O enredo materializa um mundo misterioso inspirado em códigos supostamente ocultos nas pinturas do célebre Leonardo Da Vinci, sobre o paradeiro de um ícone de todos os tempos: o Santo Graal, que seria não um cálice, mas a própria Maria Madalena. Ela teria casado com Jesus e constituído uma linhagem sucessória carnal. A obra tem recebido severas críticas de líderes da Igreja Católica, pelo modo como são tratados certos dogmas religiosos, como o da "santidade" de Jesus. Representantes e fiéis do Catolicismo sentem-se agredidos em sua crença, além, é claro, de pairar sob suspeita toda a organização da moral cristã, que tem sido a base da cultura ocidental.

A argumentação de Brown – apesar de não ser inédita – alcança outros segmentos ou cenários além das hostes católicas: todos aqueles que têm uma determinada imagem de Jesus de Nazaré (transformado em Cristo, o Ungido, o Deus Conosco – Emanuel) Estes podem se sentir atingidos pela forma como as informações (ou suposições) são apresentadas. Até mesmo os espíritas, que, em sua maioria, seja pela ascendência católica de líderes e dirigentes espíritas ou pela "assinatura" dos principais mentores e guias espirituais do passado e do presente, muitos dos quais religiosos "de carteirinha" (frades, padres, freiras e membros de igrejas do passado).

A polêmica central paira sobre o caráter da personalidade existencial de Jesus, e o seu caráter divino ou humano. A idéia principal difundida pela filosofia espírita é bem diferente dos princípios das religiões cristãs. Estas últimas apregoam a existência de uma Trindade (Deus-Pai, Deus-Filho e Deus-Espírito Santo). De modo que a "encarnação do Verbo" seria a humanização divina, já que Jesus, mesmo "vivendo" na Terra, possuía atributos de um Ser Divinizado, com seus milagres e feitos (conforme as profecias bíblicas, o Messias, o Salvador).

Para o Espiritismo, Jesus não é Deus – e nem, nunca, o será. Ao contrário, é um Espírito, e, assim, a "trindade" universal seria composta pelo criador (Deus) e os dois elementos do Universo (Espírito e Matéria). A partir desta noção, o "quilate" espiritual de Jesus não é, ainda, o de um Espírito perfeito (como muitos espíritas supõem ser), mas a de um Espírito adiantado, conceituado pela própria questão 625 de O livro dos espíritos, como guia e modelo para a Humanidade (no grau, evidentemente, de nossas condições anteriores e atuais de evolução, mas, não como guia para todos os Espíritos e todos os Mundos, de vez que existem tantos outros Espíritos em nível evolutivo muito maior do que o ser em comento).

Em paralelo, não podemos deixar de lado uma antiga polêmica existente no seio das instituições e da bibliografia espiritista de que Jesus, para eles, não teria tido uma existência "carnal", em função de seu grande adiantamento (?), e que o corpo que ele teve durante a vida física teria sido fluídico. Vemos, aqui, uma relativa aproximação entre a teoria dominante na Igreja – e que foi dogmatizada – com certa "perfeição" de Jesus, defendida por alguns "espíritas". Tamanho absurdo encamparia, como já suficientemente dito em escritos que rechaçam violentamente tal hipótese, que o sofrimento do homem Jesus teria sido uma farsa, já que o corpo não era físico, para eles. Neste sentido, esta adulteração da lógica espírita funcionaria como alicerce para a defesa da virgindade de Maria (aproximando, novamente, o linguajar espírita com a dogmática das igrejas cristãs acerca da concepção de Jesus por obra do Espírito Santo).

Mas, é prudente que os espíritas não adotem um comportamento (e um entendimento) extremista - nem tanto ao Céu, nem tanto à Terra -, de vez que a questão merece, de nossa parte, e com o exercício do livre-arbítrio e da fé raciocinada, uma análise muito mais acurada. Se Jesus, para o Espiritismo, não é o "Deus-encarnado", também não pode ser "pintado" como um homem comum, no nível de nossos comportamentos e vivências (estágio de prova e expiação), seja na época em que viveu, seja hoje, passados pouco mais de dois mil anos. Brown talvez tenha ido "longe demais" ao entabular uma trama que tem como pano de fundo uma possível relação afetivo-sexual, em termos de relação conjugal, entre Jesus de Nazaré e Maria de Magdala (Madalena), a ex-prostituta. Se, decisivamente, a influência do primeiro sobre esta última gerou uma verdadeira revolução interior, capaz de modificar substancialmente seus hábitos e sua postura, e, pelos relatos evangélicos (considerando aqueles que foram cuidadosamente escolhidos, a dedo, pela Igreja, nos concílios, e que resultaram nos quatro evangelhos "oficiais"), a sua presença é pontual, como discípula do Mestre. Daí a atribuir uma relação baseada na sensualidade e, mais, que eles teriam tido uma herdeira, é condição que extravasa completamente o "padrão" da missão de Jesus.

Deixemos bem claro, todavia, que, na hipótese de realmente existir uma relação daquele jaez e a geração de um(a) filho(a), em nada desmereceriam o trabalho, a importância e os ensinos de Jesus. O que ressalta, neste sentido, é que, se assim fosse, qual a relevância disso para a "atividade espiritual" de Jesus, em sua existência física na Terra? Mesmo considerando que a Igreja pudesse ter "escondido" tal fato, para consagrar a crença na divindade (caráter sobre-humano) do personagem, e, por isso, eliminado, até mesmo, qualquer referência a tais eventos nos relatos evangélicos (inclusive para sacramentar a idéia do celibato do filho de José, como base para a instituição do voto de celibato dos ministros religiosos do catolicismo). Perguntar-nos-íamos (para os espíritas, evidentemente): o fato de Jesus ter se "casado" com Madalena e tido, realmente, um sucessor hereditário seria desmerecedor para sua missão? Jesus seria diminuído por tal fato? Haveria alguma alteração no "objetivo" de sua mensagem à Humanidade, se ele tivesse procedido desta maneira? Certamente que não! Mas, com a mesma lógica espírita de raciocínio, a questão fundamental seria: haveria programação encarnatória para tal ocorrência? Ou, mesmo considerando o atributo do livre-arbítrio, Jesus – por opção pessoal e intransferível – teria, realmente, decidido por gerar um filho, com Madalena?

Como reforço à nossa digressão e, até, para sugerir um maior debruce sobre tais episódios, sugerimos a leitura de duas obras do saudoso Professor Herculano Pires, intituladas Madalena e Pesquisa sobre o amor. Em ambas, a referência precisa aos "níveis" ou "formatações" do amor (em nós), sobretudo pela idéia de que o amor é a sublime virtude (a mãe de todas elas, poeticamente) e, por isto, pode ter (e tem) distintas gradações. Se Jesus amou Madalena? Com certeza, e de um modo muito próximo. Como também amou Pedro e Lázaro, outros expoentes citados nos evangelhos. Em relação à ex-meretriz, o amor entre ambos não foi um amor-sensual, mas um legítimo amor-espiritual, sem a necessidade do frenesi e da busca ansiosa pelo prazer material-carnal, circunstância ainda presente nos homens (em sua maioria) deste orbe. Um amor sublimado, com expressões de prazer espiritual que suplantam o gozo e as contrações e expansões celulares, tão-somente. Uma união verdadeira, de ideais e interesses comuns, um estar-no-outro, com completude, em face da vinculação de propósitos, a alimentação e retro-alimentação de vibrações, em essência.

O principal elemento que fica, a partir da obra de Brown, é a suposição de que muito – muito mesmo – da história sobre Jesus tenha sido adulterado, destruindo a imagem humano-espiritual do "maior dos homens", dando lugar a um espectro de mito divino, o homem-Deus ou Deus-homem, como queiram. Toda a codificação institucional cristã repousa sobre uma montagem que consolidou dogmas, sacramentos e rituais, base sobre a qual se assenta toda a crença de grande parte da Humanidade. Todas as vezes que se "mexe" com isto, surgem os problemas, nascem os conflitos. Eis, aí, uma excelente motivação para o raciocínio, a lógica, o interesse na "verdadeira história". A "ousadia" de Brown – que paga um alto preço – é válida e oportuna, pelo menos para devolver-nos o direito de pensar e escolher. Afinal, relembrando a frase-título deste ensaio: o que importa é aquilo em que você acredita!

GRAVURA CÓDIGO DA VINCI

Brown talvez tenha ido "longe demais" ao entabular uma trama que tem como pano de fundo uma possível relação afetivo-sexual, em termos de relação conjugal, entre Jesus de Nazaré e Maria de Magdala (Madalena).

* Marcelo Henrique Pereira é Mestre em Ciência Jurídica; Delegado da Confederação Espírta na GrandeFlorianópolis, SC.