OPINIÃO Ano XII – 123 - Setembro 2005

DESARMAMENTO: SIM OU NÃO

Nossa Opinião:   Uma unanimidade

Notícias:   A história recente do CCEPA será tema no SBPE   -   Revelação espírita, um enfoque genuinamente Kardecista   

Opinião em Tópicos:   Tempo de faxina  -  Ideologias e crenças  -  Só o conhecimento  -   Novos tempos (Milton Medran Moreira)

Enfoque:  Os intérpetres (Carlos Grossini)

Opinião do leitor

 

 

DESARMAMENTO: SIM OU NÃO?

 

Debate entre espíritas na Lista da CEPA, pela Internet, revela divergências sobre a proibição do uso de armas, que será objeto de plebiscito no Brasil. Das diversas opiniões expostas na lista, destacamos as posições de uma juíza de Direito e de um advogado, ambos espíritas militantes, com destacada atuação no âmbito da Confederação Espírita Pan-Americana.

 

Jacira: População não necessita de armas.

 

            Jacira Jacinto da Silva, juíza de Direito da cidade de Bragança Paulista, SP, pensadora espírita de forte atuação e atual assessora para Assuntos Jurídicos da CEPA, destacou-se no debate defendendo a proibição. Para ela, “a população em geral não necessita de armas de fogo, não sabe usá-las e, absolutamente, não se defende com elas”. Argumenta que “cada arma adquirida por uma pessoa de bem, corresponde ao potencial aumento do arsenal dos bandidos, pois eles acabam usurpando-a”. “Alem de tudo – acrescenta -, o fato de possuir uma arma torna uma casa mais cobiçada”.

 

Homero: Uma indevida intromissão do Estado

 

            Homero Ward da Rosa, advogado na cidade gaúcha de Pelotas, onde também é delegado da CEPA e preside a Sociedade Espírita Casa da Prece, entrou no debate declarando que não gosta de armas, não as possui e pretende nunca possuir armas: “Mas, defendo o meu direito de poder, se quiser, comprar uma arma para defender-me, obedecendo todas as exigências da lei” – acrescentou, sustentando que o Estado, na medida em que proibir a comercialização, está se intrometendo indevidamente na liberdade do cidadão.

            Para o advogado pelotense, o plebiscito é desnecessário porque o país já conta com uma legislação bastante restritiva ao uso de armas de fogo. O Estatuto do Desarmamento, lei recente, estabelece a obrigatoriedade do registro de armas, impõe ao interessado comprovar a efetiva necessidade, além da idoneidade (provada por certidões negativas de processo criminal), a ocupação lícita, a residência certa e também a capacidade técnica e a aptidão psicológica para o manuseio de armas de fogo. Diante de tantas exigências, Homero pergunta: “O que realmente se pretende com o tal plebiscito de outubro e a quem interessa proibir a comercialização de armas e por quais motivos?”.

 

Uso de armas e violência

 

            Jacira rejeita o argumento comumente utilizado de que os bandidos continuarão a ter acesso às armas e a violência aumentará, com a proibição. A magistrada pergunta: “Você acredita que incentivar o uso de armas possa ser solução para o problema da violência?”. Defende a necessidade da formação “de um povo educado, civilizado, a partir dos valores éticos”. Para ela, “na base da violência, estão problemas que, aparentemente, não nos dizem respeito, mas se formos analisar criteriosamente, teremos de admitir nossa parte de responsabilidade”. Aponta questões como as diferenças sociais, a exclusão e a marginalidade como temas para cuja solução todos podemos contribuir: “Enquanto continuarmos cultuando o orgulho e o egoísmo, o mundo não será melhor e, absolutamente, não será uma arma de fogo que vai nos garantir segurança”, sustenta a juíza paulista.

            Por sua vez, Homero pensa que a violência não está na arma de fogo: “Está no automóvel, na moto, na barra de ferro, no pedaço de pau, na foice, na pedra, na consciência, na complexa problemática espiritual humana”. Para ele os governantes omitem-se diante das grandes questões que geram a violência e, por isso partem para soluções paliativas como essa “para fazer de conta que se está fazendo alguma coisa”.

 

Lista da CEPA – O que é?

A CEPA – Confederação Espírita Pan-Americana – disponibiliza na Internet uma lista de discussão sobre temas de livre escolha dos participantes, a partir da ótica espírita – cepa@grupos.com.br . Interessados em participar poderão solicitar ingresso à coordenadora do grupo, Cynthya Michelin Locatelli:   cynthyaml@brturbo.com.br .

Nossa Opinião

UMA UNANIMIDADE

            O debate que envolveu mais de uma dezena de participantes da Lista da CEPA mostra que os espíritas, como os demais extratos da sociedade, estão divididos com relação ao plebiscito que o Governo realizará em outubro. O grupo debatedor, entretanto, do qual destacamos apenas a opinião de dois integrantes, mesmo propondo soluções diferenciadas relativamente à iniciativa governamental, foi unânime na questão de fundo: a violência é fruto de mazelas humanas perfeitamente removíveis.

            Na verdade, o Estado, assim como seus cidadãos, está perplexo. Faz tentativas as mais diversas para reduzir a criminalidade. Aumenta penas. Cria novas categorias de crimes. Intensifica o aparato repressivo. Restringe o uso de armas. E, agora, propõe essa medida polêmica que poderá vedar totalmente a fabricação de armas, levando à total impossibilidade de um cidadão comum possuí-la.

            É necessário, em primeiro lugar, partirmos do pressuposto de que a iniciativa é honesta e que suas intenções não são outras que não o efetivo combate à violência. Quanto à conveniência ou não da medida, o debate que já está aberto e se intensificará quanto mais próxima se fizer a consulta, nos vai trazer os dados e os argumentos capazes de auxiliar nossa decisão.

            A consciência de cada um, como em todos os atos de cidadania, lhe dará o norte. Independentemente de nossa opção individual, a nós, espíritas, caberá, precipuamente, seguir trabalhando naquilo em que todos estamos de acordo: o desarmamento dos espíritos, através da difusão do conhecimento e da prática da solidariedade e da promoção humana. Os dois ilustres debatedores cujos argumentos resumimos, e todos os demais que participaram do debate, deram, aí, demonstração de cabal unanimidade. A violência humana resulta, fundamentalmente, do precário conhecimento das leis da vida. Contribuir para sua melhor compreensão, demonstrando também compaixão para com os que a violaram,  é a tarefa primordial dos espíritas. Nisso estamos todos concordes. (A Redação)

O PODER MORALIZADOR DO ESPIRITISMO

“O Espiritismo não cria a renovação social; a madureza da humanidade é que fará dessa renovação uma necessidade.” (Allan Kardec, em “A Gênese”).

            Diante das crises políticas e sociais que se sucedem e ante a violência e a criminalidade que parecem querer sufocar os avanços da civilização, chega a ser natural uma ponta de frustração por parte de quem, como o espírita, crê no homem e na sua vocação progressista.

            Não se pode negar vivermos, ainda, numa sociedade injusta, corrupta e desigual. O exemplo que promana de homens que formam a pirâmide social e política da Nação tem sido, muitas vezes, desalentador. Padrões de comportamento tacitamente aceitos banalizaram o mal e quase fizeram de algumas formas de corrupção a regra. Mesmo que, teoricamente, tenhamos um sistema legal avançado e moderno (sinal inequívoco de progresso), o poder econômico e político engendram mecanismos capazes de burlar a justiça e de frustrar o objetivo maior do Estado, que é a realização do bem comum.

            As indagações que retornam sempre, em nosso meio, em situações de agravamentos de crises morais como a que vive hoje o Brasil, são estas: Qual há de ser a contribuição do espiritismo para minorar esse quadro difícil? Como o espírita poderá contribuir para a consecução da justiça e para a redução da violência, da criminalidade, da corrupção, no rumo da conquista da paz e da eqüidade social? Não faltam, no  universo espírita, aqueles que, quais missionários religiosos, são levados a crer devam sair mundo afora, pregando, a qualquer preço ou em quaisquer lugar e circunstâncias, a excelência da mensagem espírita. Esta - pensam e pregam, eufóricos - esta é a doutrina que veio para salvar o mundo.

            Ímpetos dessa ordem jamais seriam abonados pelo ilustre fundador do movimento espírita. Tranqüilamente, vislumbrou Allan Kardec nos fundamentos espíritas uma força capaz de criar homens de bem, cidadãos honrados e corretos, capazes de, pelo exemplo, estimularem e disseminarem a consciência do bem, a prática do amor e da justiça. Não concedeu, entretanto, ao espiritismo essa missão de condutor da humanidade, papel que, historicamente, a religião oficial do Ocidente avocou a si. Sem sucesso, diga-se de passagem. A renovação social dar-se-á, necessariamente, pelo amadurecimento cultural e ético do homem, afirmou Kardec. Ou, sejamos claros, com ou sem espiritismo, a regra é progredir, o movimento há de ser sempre ascendente para a Humanidade.

            Mesmo assim, identificou Allan Kardec no espiritismo uma eficiente força capaz de “secundar” o movimento progressista da humanidade, ao complementar nestes termos a sentença reproduzida na abertura deste editorial: “Pelo seu poder moralizador, por suas tendências progressistas, pela amplitude de suas vistas, pela generalidade das questões que abrange, o Espiritismo é mais apto do que qualquer outra doutrina a secundar o movimento de regeneração; por isso, é ele contemporâneo desse movimento”. (A Gênese).

            É preciso, enfim, compreender que crescimento é um processo. Que doutrina alguma, que sistema filosófico nenhum, que nenhuma crença, poderão se arvorar em salvadores do mundo ou da pátria. Que a plena compreensão do bem e da justiça e, acima de tudo, a conveniência de sua prática, se constituem em estágios para os quais a Humanidade toda se encaminha. Essa caminhada, entretanto, obedece a ritmos diferentes  que cabe ao espírita respeitar. Uma vida exemplar e digna, seja privada ou pública, fruto do  patrimônio do conhecimento espírita, é a melhor e mais eficiente contribuição que  cada  um de nós pode oferecer. Que sejamos capazes, enfim, de viver de tal forma que todos os que nos conheçam possam, facilmente, estabelecer um nexo entre as convicções que afirmamos ter e a lisura de nossas atitudes. Que o adjetivo espírita seja, em primeiro lugar, sinônimo de  dignidade e honradez, em todas as circunstâncias da vida.

Que o adjetivo espírita, seja em primeiro lugar, sinônimo de  dignidade e honradez, em todas as circunstâncias da vida.

Opinião em Tópicos

Milton R. Medran Moreira

            Tempo de faxina

            Como diria Moacir Scliar, a batalha final não será entre cristãos e muçulmanos, nem entre petistas e tucanos. A batalha final há de ser entre éticos e não-éticos, independentemente de crenças, partidos e ideologias.

            Gosto de reler, de vez em quando, a resposta que o espírito São Luís deu à última pergunta de “O Livro dos Espíritos”: “o bem reinará sobre a Terra quando entre os Espíritos que vêm habitá-la , os bons vencerem sobre os maus. Então farão nela reinar o amor e a justiça que são a fonte do bem e da felicidade”.

            São Luís fala ali de uma “nova geração” de espíritos que habitarão a Terra, acrescentando que “todos aqueles que tentem atrasar a marcha das coisas dela serão excluídos, porque serão deslocados do convívio com os homens de bem, dos quais perturbariam a felicidade”. Ou seja: um dia uma faxina mais radical terá que ser feita, nesse complicado planetinha.

            Ideologias e crenças

            Nos últimos dois séculos de nossa História,  quase fomos levados a concluir que a questão do bem e do mal se resolveria com o domínio de uma ideologia sobre a outra. Por algumas décadas, o mundo se dividiu entre direita e esquerda, entre capitalismo e socialismo. Teóricos brilhantes e ativistas valentes, de um ou de outro lado, apostaram na excelência de sua ideologia e na capacidade de ela salvar o mundo. Muitos deram a vida por isso. Antes, e por muito tempo, vigorou a idéia de que o bem seria privilégio dos crentes, e que aos não-crentes estaria reservada a maldição.

            Neste início de século, já está claro que a ética não se subordina nem às ideologias e nem à fé. Homens inescrupulosos, no Brasil e no mundo, pertencem a diferentes ideologias e professam diferenciadas crenças.

            Só o conhecimento

            Não sei se já nos encontramos no vestíbulo do tempo em que “os mansos e pacíficos herdarão a Terra” ou se muitas CPIs ainda terão que acontecer até ser isso possível. De qualquer sorte, parece que estamos nos encaminhando para a assimilação, mais ou menos generalizada de que a ética é o componente primordial do progresso de uma nação. É o elemento que faz a diferença na estabilidade de um povo ou de um país e na construção da felicidade de seus integrantes. 

            A religião foi decisiva no processo de introjeção da questão do bem e do mal. As ideologias, mais modernamente, estabeleceram o processo dialético que deu lugar ao pluralismo. Mas, tanto religião como ideologias são círculos fechados, insusceptíveis de se abrirem a uma realidade mais ampla. Só o conhecimento totalmente desinteressado pode produzir esse efeito.

            Novos tempos

            Esse conhecimento desinteressado (porque sua aquisição está vinculada ao combate do orgulho e do egoísmo) é o terreno no qual se situa o espiritismo. O conhecimento de si mesmo, na sua dimensão mais profunda, conduz o homem a uma ética universal. Que paira acima das ideologias. Que se sobrepõe às crenças.

            São Luís, na última questão  de O Livro dos Espíritos, fala de um tempo em que já não será possível o convívio, no Planeta, entre homens de padrões éticos tão diferenciados como os que hoje convivem, lado a lado. Platão concebeu uma sociedade superior, capaz de ser governada por filósofos (amantes do conhecimento e da virtude). Kardec sonhou com uma “aristocracia intelecto-moral” a gerir os destinos dos homens. Utopias ou realidade cujo parto doloroso há de findar depois dessa desconcertante onda de violência, terrorismo e corrupção que assola o Brasil e o mundo?

 

 

Notícias

 

A HISTÓRIA RECENTE DO CCEPA SERÁ TEMA NO SBPE

 

            Salomão Jacob Benchaya, Diretor de Eventos do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre e um dos seus ex-presidentes, inscreveu para o 9º Simpósio Brasileiro do Pensamento Espírita (13 a 16 de outubro, em Santos,SP) o trabalho “Uma Análise da História Recente do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre”.

            O trabalho de Salomão abrange a história do CCEPA no período que se inicia no ano de 1968, quando o casal Maurice Herbert Jones e Elba ingressaram na instituição (então S.E.Luz e Caridade), até o momento atual.

            Para Benchaya, “a história recente do CCEPA vincula-se a um movimento de resgate do pensamento de Allan Kardec e de reação ao igrejismo que se instalou no movimento espírita brasileiro”.

            O autor do trabalho destaca aspectos muito particulares da biografia dessa instituição que a tornam “diferente da maioria dos centros espíritas”. Segundo ele, são destacadas nesse breve ensaio “as experiências desenvolvidas no curso das últimas décadas, revelando a trajetória de uma instituição espírita de feição religiosista, que passou por sucessivas transformações até chegar ao estágio de um centro cultural espírita, de caráter laico”. Mas, esclarece Benchaya: “preciso dizer, desde logo, que o fato de termos assumido uma postura não-religiosa não significa que sejamos melhores ou piores. Apenas diferentes. As críticas que forçosamente repontarão de minhas observações cingem-se às idéias e comportamentos pessoais ou institucionais resultantes de divergências interpretativas acerca da natureza e da prática do Espiritismo e que não atingem o respeito e a admiração que tenho – como também tem o CCEPA - para com os companheiros e instituições que compõem o nosso movimento”.

 

A história recente do CCEPA, de acordo com o trabalho de Salomão, inicia em 1968, quando o casal Maurice e Elba Jones (foto) ingressam na antiga S.E.Luz e Caridade.

 

REVELAÇÃO ESPÍRITA, UM ENFOQUE GENUINAMENTE KARDECISTA

 

            Kardec por Balaguez

            Quem foi ao Centro Cultural Espírita de Porto Alegre, na noite de 5 de setembro último, teve oportunidade de assistir a uma excelente exposição feita pelo professor Ascêncio José Martinez Balaguez, sobre o tema “Caracteres da Revelação Espírita”.

            De forma eminentemente didática, e guardando perfeita fidelidade ao pensamento de Allan Kardec, em A Gênese, Balaguez analisou algumas características essenciais da assim chamada “revelação espírita”, dando especial  destaque à distinção entre esta e a “revelação religiosa”. Sustentando que o espiritismo não pode ser confundido com uma religião, o professor e advogado rio-grandino, hoje radicado em Porto Alegre, arrolou argumentos que permitem classificar o espiritismo como uma genuína revelação científica da qual resultam importantes conseqüências filosófico-morais.

            Kardec por Jones

            No próximo dia 3 de outubro, data do 101° aniversário do nascimento de Allan Kardec, será a vez de Maurice Herbert Jones ocupar a tribuna do CCEPA, na conferência mensal  de todas as primeiras segundas-feiras do mês.

            Jones, ex-presidente da Federação Espírita do Rio Grande do Sul, hoje vice-presidente do CCEPA, ocupa-se do tema: “Kardequizar, a legenda de sempre”, reavivando campanha há anos lançada na FERGS com o título  Kardequizar- a legenda de agora”.

            A entrada é franca e o local é o auditório do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre, às 20h30min, na Rua Botafogo, 678, Porto Alegre.

 

 

Enfoque

 

Os intérpretes

                                   Carlos Grossini*

 

            Nestes dias algo me chama a atenção. Tenho lido alguns livros, assistido a algumas palestras, conversado com pessoas sobre um determinado assunto e, na maioria das vezes, esse assunto é o espiritismo. O que tem me chamado a atenção no momento é o fato de que somos intérpretes desse assunto, mais especificamente falando, e muitas vezes nem nos damos por conta de tal fato.

            Nesta condição, assumimos o papel de quem interpreta o espiritismo para as pessoas que nos ouvem, nos lêem, ou dialogam com a gente.

Ser interprete dos conhecimentos espíritas é antes de qualquer coisa entender estes conhecimentos percebidos de acordo com a nossa cognição e assimilados conforme a nossa capacidade de interpretação, que é individual e, portanto, única.

            No começo somos como cantores de banheiro. Sim, aqueles que cantam para si mesmos. Lá, um dia, nos sentimos mais à vontade e passamos a interpretar para os outros, quando fazemos uma palestra, por exemplo.  

            A condição de intérprete está muito longe de ser associada à de alguém que reproduz algo simplesmente. Temos no exemplo mais popular da música a representação mais clara da idéia a ser transmitida. Em primeiro lugar, o cantor escolhe o seu repertório, afina-se para estar em harmonia com a canção e, por fim, interpreta, colocando a sua voz e expressão corporal  em acordo com o que esta interpretando. Pergunto: o que seria de muitos autores se não fossem os bons intérpretes? São eles que dão emoção e vida às suas composições. Um belo trabalho deve ser interpretado por alguém preparado e de acordo com a obra que interpreta.

            Mas, agora, voltando ao espiritismo, onde, em síntese, interpretamos os conhecimentos do trabalho de Allan Kardec e seus sucessores, pergunto: essa tarefa é pouco importante? Respondo: parece-me que a tarefa é muito importante, especialmente pelo caráter de vida que lhe empregamos. Alguém mais crítico poderá dizer ao final de uma explanação sobre um tema espírita, “hoje não aprendi nada de novo, tudo o que ele falou já está escrito”. É mais provável que tenhamos aí um problema de interpretação. Pode ser do apresentador, pode ser do ouvinte, ou, quem sabe, um pouco de cada um dos dois.

            Se as oportunidades não forem todas ao encontro de nossas expectativas, devemos considerar que as coisas na vida são mesmo assim. Às vezes, a nossa sintonia está mais voltada para outros assuntos, outro tipo de música, uma outra versão para os fatos do dia-a-dia. Nós, intérpretes do conhecimento espírita, devemos estar atentos e conscientes para os diferentes estágios do nosso desenvolvimento e do desenvolvimento das pessoas que nos cercam. Pense se, em algum momento, você não saiu cantando ou dançando uma valsa, quando a música esperada no ambiente era uma samba?  Essa falta de sintonia com o ambiente externo não nos torna  intérpretes inteligentes. Devemos conhecer a letra da música, afinar os tons, ter ritmo e balanço, mas antes de tudo devemos ver para quem estamos interpretando.          

            É, ser intérprete não é tão fácil quanto possa parecer. Por isso, devemos valorizar essa tarefa tão importante para a continuidade da vida do espiritismo.

E a gora, o que você vai cantar para nós?

 

*Carlos Grossini, administrador hospitalar, é coordenador do Departamento de Estudos da Mediunidade do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre.

 

Opinião do Leitor

 

            Espiritismo, religião e diálogo

 

            Comentando a entrevista com Dora Incontri (Opinião, agosto/05), o presidente da CEPA faz a seguinte pergunta: “Mas como habilitarmo-nos ao diálogo com a cultura de nosso tempo, se grande parte do movimento recusa o diálogo entre nós mesmos?”  (América Espírita, agosto/05).

            Por essa pergunta somos levados à conclusão de que as concepções espíritas existentes no movimento espírita não têm entre si um mínimo de consenso a partir do qual se possa estabelecer um diálogo com a cultura de nosso tempo.

            Isso é verdade?

            Estudando como o Espiritismo foi introduzido no Brasil e como foi organizado, a partir da FEB, federações estaduais, USEs (existe mais de uma?) e centros espíritas e considerando, ainda, a forte herança católica de nosso povo, bem como das religiões afro-brasileiras, particularmente umbanda e candomblé, tendo a pensar que o "espiritismo brasileiro" traz ranços tanto da religião católica como, também, da religiosidade inerente aos cultos afro-brasileiros.

            Isso é um dado da realidade. O próprio CENSO considera o Espiritismo como religião. Essa pesquisa separa o Espiritismo como religião das religiões afro-brasileiras. Assim, o Espiritismo estaria em nosso país a meio caminho de institucionalizar-se como uma religião entre outras. Ao grande público talvez seja esse o entendimento, a partir da pesquisa do CENSO. Mas esse é o entendimento dos espíritas, no interior das diferentes organizações existentes no movimento espírita?

            Por essas considerações podemos facilmente perceber inexistir consenso entre os próprios espíritas do que é o Espiritismo. De um racha da FEESP é fundada da USE, sendo que a primeira não é reconhecida pela FEB como participante do movimento espírita e assim por diante. Esses rachas são frutos de diferentes entendimentos do que é o Espiritismo. Não tenho dúvida nenhuma disso.

            Há assim uma tendência de fragmentação do Espiritismo no Brasil em várias concepções diferentes que se auto-designam como detentoras do verdadeiro Espiritismo. Aquele que aprendeu a recitar pela cartilha da FEESP não admite Edgar Armond e nem a FEB sendo, por sua vez, criticado pela USE etc. Enquanto isso os centros espíritas pululam pelas cidades, obedecendo às orientações de uma ou outra organização mas, quase sempre, mesclando-se com a religiosidade popular.

            Fico por aqui. Se posso dar uma resposta à pergunta de Medran, faço da seguinte foma: a inexistência de diálogo entre as diferentes frentes espíritas é decorrente do ranço religioso que impregna essas diferentes frentes. Enquanto existir esse religiosismo, acho muito difícil haver um consenso a partir do qual se possa consolidar uma cultura espírita minimamente a nos permitir o diálogo com a cultura existente em nossa sociedade.

            Fraternalmente,

            Antônio Margarido –abmar@uol.com.br – São Paulo, SP.