OPINIÃO Ano X – Nº 109 Junho 2004

A (DIFÍCIL) CONEXÃO ESPIRITISMO-UNIVERSIDADE

Nossa Opinião:  Quando a fé é obstáculo

Editorial: Conhecimento, base efetiva da transformação

Espiritismo : O pensamento atual da CEPA – Livro lançado na XIV Conferência Regional Espírita

Notícias:   Liga de historiadores quer preservar memória do espiritismo e você pode contribuir   ADE-SP elege nova diretoria       Encontro jurídico-espírita em Porto Alegre   

Opinião em Tópicos:  Os filhos de Deus   O fundamentalismo cristão  Dos templos para o poder   Criacionismo nas escolas públicas (Milton Medran Morreira)

 

Enfoque:  O Espiritismo e a Universidade

 

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A (DIFÍCIL) CONEXÃO ESPIRITISMO-UNIVERSIDADE

 

Apesar de o movimento espírita contar com um grande contingente de acadêmicos, pouquíssimos deles assumiram o espiritismo como um discurso válido ou se empenham em demonstrar que  Kardec foi um  intelectual importante e que seu pensamento pode contribuir muito com o conhecimento humano.

Quem sustenta isso é a pedagoga Dora Incontri em artigo que editamos no Enfoque da última página.

A reportagem a seguir mostra que o trato das questões suscitadas pela ciência e pela filosofia espírita no âmbito acadêmico é sempre delicado. Relaciona-se com a forma como os próprios espíritas que vivem o meio universitário trabalham internamente os conteúdos espíritas. Por outro lado, há ainda a colidência com paradigmas que lhes são antagônicos. Apesar disso, há avanços e, paulatinamente, se abrem perspectivas.

 

Um novo paradigma a ser construído na universidade

Dora Incontri sustenta que o espiritismo se constitui numa nova “visão de mundo, um método de conhecer e, portanto, um novo paradigma”. Se os acadêmicos espíritas compreenderem isso, se darão conta de que o espiritismo é “justamente uma possibilidade original de filosofar, de fazer história ou ciência”, escreve.

Dora, que é jornalista e pedagoga, doutorou-se em Pedagogia (USP 2001) com a tese “Pedagogia Espírita, um projeto brasileiro e suas raízes histórico-filosóficas”, destacando exatamente o caráter original do pensamento espírita, que teve no Brasil trajetória como em nenhum outro país e que, assim, “pode ser uma contribuição espírita à cultura brasileira e, ao mesmo tempo, uma contribuição brasileira à cultura internacional”. Enfatiza, entretanto, a necessidade de que essa construção seja feita na universidade. Segundo ela, “o Brasil é atualmente o único país que pode fazer isso, se abdicarmos da colonização intelectual, pois foi na Europa e nos EUA que os estudos espíritas foram silenciados”.

 

Dora Incontri: “o espiritismo é uma possibilidade original de filosofar e fazer ciência”

 

Núcleos Espíritas Universitários

A saída, incipiente ainda, que espíritas brasileiros têm encontrado para difundir o espiritismo na universidade, mesmo fora de seus currículos, é através de Núcleos Espíritas Universitários, ou movimentos congêneres, independentes, que, sem vínculo oficial com as instituições universitárias, nascem em seu interior, buscando e conquistando espaço para seminários, conferências e cursos enfocando aspectos científicos ou filosóficos do espiritismo. Uma experiência que se tornou bastante conhecida, nessa área, é a do Núcleo Espírita Universitário de Londrina (Paraná). Fundado pelo engenheiro Luís Cláudio Galhardi, o NEU de Londrina, teve seu nascimento com a realização do Seminário de Estudos Espíritas, na Universidade Estadual de Londrina, em 1984. Segundo o histórico publicada em sua home-page – www.neudelondrina.org.br , “as dificuldades não foram poucas, especialmente as causadas por militância mais radical de algumas seitas. Entretanto, a partir do momento em que os seminários foram direcionados no sentido de se expor pesquisas na área da ciência, as resistências foram se abrandando”.

Nos seus 20 anos de existência, o NEU já promoveu atividades com personalidades como o padre François Brune (pesquisador francês de transcomunicação), Bárbara Ivanova (famosa sensitiva russa), Divaldo Pereira Franco, Clóvis Nunes, Marlene Nobre e muitos outros.

Convidado pelo NEU, o editor deste jornal, advogado Milton Medran Moreira, , em outubro de 2001, proferiu conferência sob o título de “Um Enfoque Espírita de Direito Natural” para estudantes de Direito da UEL, oportunidade em que pôde conhecer melhor as propostas e o trabalho do Núcleo.

 

Luis Carlos Galhardi (E), do Núcleo Espírita Universitário de Londrina, com Medran que, a convite do NEU, abordou, em Londrina, o tema “Um Enfoque Espírita de Direito Natural”.

Em Santa Catarina

Professor de Direito e de Administração da UNIVALI, em Santa Catarina, Marcelo Henrique Pereira, informou, recentemente, na lista de discussão da CEPA na Internet, que, em atendimento a proposição sua, a Universidade em que leciona, acaba de aprovar a realização de um seminário, no segundo semestre de ano, versando sobre “Doutrina Espírita, Doutrina Jurídica e Outros Conhecimentos”. Nesse evento, que será coordenado por ele no campus universitário de Tijucas, na Grande Florianópolis, se destacarão as conexões existentes entre espiritismo e áreas como Direito, Pedagogia e Administração. Segundo Marcelo “esse seminário será o embrião para a criação de um Núcleo Espírita Universitário em Santa Catarina”.

 

Marcelo Henrique Pereira coordenará Seminário na UNIVALI que poderá ser o embrião para um NEU em Santa Catarina.

 

A experiência de um venezuelano

            Ouvido por Opinião, o professor, escritor e psicólogo Jon Aizpúrua, conhecido intelectual espírita venezuelano, falou das dificuldades de introduzir conceitos espíritas numa instituição como a Universidade Central da Venezuela, onde leciona Psicologia há mais de 20 anos, por estar ela “inscrita na linha tradicional e oficial da corrente conducista, que ainda domina o panorama da psicologia contemporânea”. Por esse motivo, diz, “para qualquer docente é sumamente difícil apresentar temas a partir de uma ótica que se distancie do desenho curricular vigente”. Salienta Aizpúrua, no entanto, que, na UCV, todos conhecem sua condição de espírita, já que se identifica publicamente como tal. Essa identidade fica muito clara em programas radiofônicos, um deles chamado “Valores do Espírito”, que semanalmente produz e transmite em cadeia nacional. Sua pública identificação como espírita abre caminho a que, freqüentemente, incorpore também em sua docência conceitos e reflexões de ordem espiritualista e especificamente espíritas, valendo-se, como diz, “da liberdade acadêmica e sob o amparo de uma exortação pluralista que convida os estudantes a dominar diversos enfoques epistemológicos e metodológicos”. Salienta que, em sua disciplina, referências à parapsicologia e à psicologia humanista e transpessoal facilitam o caminho para mencionar o espiritismo e seus postulados básicos.

Aizpúrua manifesta a confiança de que, progressivamente, as idéias espíritas irão encontrar ressonância no universo cultural de nossa sociedade: “Nessa tarefa, cada espírita, a partir de sua respectiva posição social, pode oferecer uma inestimável contribuição” - afirma.

 (FOTO DE JON AIZPÚRUA)

O venezuelano Jon Aizpúrua reconhece as dificuldades, mas encontra caminhos para enfocar conceitos espíritas em suas aulas de Psicologia, na Universidade Central da Venezuela.

 

Nossa Opinião

QUANDO A FÉ É OBSTÁCULO

            Questão intimamente ligada à da possibilidade da discussão das idéias espíritas nos meios acadêmicos é a da identidade fundamental do espiritismo. Ninguém que queira ver suas propostas examinadas à luz da ciência poderá apresentá-las como uma revelação religiosa. Por isso, também, quem internalizou o espiritismo como uma questão de fé, em substituição a outro sistema de crença anteriormente adotado, experimentará dificuldades em, ele próprio, examinar seus conteúdos à luz da ciência. Situando-os no terreno sagrado da fé, resistirá sempre em inseri-los no mundo profano do conhecimento humano.

            De uma certa forma, a sobrevivência da religião, mesmo em alguns setores cultos, deve-se precisamente a essa dicotomia derivada da pretensa incomunicabilidade desses dois mundos: o do sagrado e o do profano. Mantendo-os isolados e incomunicáveis, cada um na sua casa, o indivíduo pode comportar-se diferentemente em um ou outro ambientes. Onde reina a fé não se há de requerer razão. Onde razão, estudo, pesquisa e experiência estão a serviço do conhecimento, não serão exigíveis cultos à fé.

            Religião e universidade, assim, só se comunicam no exercício da liturgia das convenções sociais. Não na construção do conhecimento. Este a modernidade emancipou totalmente da fé.

            No entanto, a proposta espírita, revolucionária e integradora, pretendeu resgatar alguns conteúdos que, uma vez feita a partilha entre o sagrado e o profano, restaram aprisionadas no fechado mundo da fé. Quer demonstrar que alguns aspectos da vida, notadamente aqueles que dizem com suas primeiras e últimas razões, ainda encarcerados no inexpugnável terreno da fé e seus mistérios, podem encontrar uma boa interpretação à luz da proposta espírita, fundada na realidade do espírito.

Conceitos como de divindade, alma e sua sobrevivência após a morte, o bem e mal e suas respectivas conseqüências morais para o indivíduo, não são da alçada exclusiva das religiões. Oferece acerca dessas questões o espiritismo uma interpretação científico-filosófica que pode se apresentar ao mundo despida de qualquer conotação fideísta. Se, no entanto, os próprios espíritas situam-nas no campo da fé, estarão, eles mesmos, fechando para si as portas das universidades, afastando os pesquisadores, os livre-pensadores, os intelectuais, do fascinante mundo do espírito. Pior do que isso, estarão criando para si próprios uma situação nada cômoda, na medida em que se imporão um discurso e um comportamento no ambiente espírita que freqüentarem e outro, bem diferente e até contraditório,  nos meios acadêmicos onde se projetaram. Com essa atitude estarão, justamente aqueles que mais poderiam contribuir para o avanço do espiritismo nos meios cultos, criando os mais sérios obstáculos a esse objetivo. (A Redação).

 

 

Editorial

CONHECIMENTO, BASE EFETIVA DA TRANSFORMAÇÃO

 

“O verdadeiro caráter do Espiritismo é de uma ciência e não de uma religião”.  (Allan Kardec)

 

            Nos últimos anos acontecerem coisas fantásticas no mundo das ciências. Os astrofísicos descobriram novas galáxias, estrelas e planetas. Penetraram a intimidade do universo e rumam para a decifração de muitos de seus mistérios. Por outro lado, nada se compara à fascinante viagem que a ciência realizou à intimidade da vida biológica, completando o mapa do genoma humano. Assim, enquanto avançamos em busca do infinitamente grande (o universo), passamos também a compreender o infinitamente pequeno (as células).

            Vivemos momento singular de nossa história como espécie. Os físicos e os astrônomos nos levam a conhecer mais e melhor as leis que regem a formação e o movimento do universo. Os biólogos traçam, com precisão, o mapa de nossos genes e comprovam a íntima ligação entre todos os seres vivos. Apesar de tudo, a vida continua sendo um mistério. Sobre o nascimento e o desenvolvimento da consciência e da razão, características essenciais da vida humana, não temos mais que teorias, diferentes e até antagônicas, distantes de se encaminharem  uma síntese. Compreende-se: consciência e razão não são visíveis a telescópios e microscópios. A consciência, campo onde se entrechocam o amor e o ódio, a ternura e a violência, a sabedoria e estupidez, a eqüidade e a injustiça, onde se produz se não no espírito? A razão, lenta conquista evolutiva, onde se terá apurado, se não na intimidade espiritual do ser, mergulhado em sucessivas experiências na matéria, instrumento indispensável à sua evolução? E, no entanto, do espírito pouco ou nada sabe a ciência. Os paradigmas que ainda a sustentam seguem desprezando a realidade da essência espiritual, definida na obra de Kardec, como “o princípio inteligente do universo”.

            A próxima fase do conhecimento humano há de ser a integração desses dois fatores: o físico e o espiritual, o biológico e o consciencial. O espiritismo deve, assim, comportar-se e apresentar-se precisamente como o vanguardeiro desse novo tempo. Foi ele, indubitavelmente, no Ocidente, o proponente primeiro de uma autêntica Ciência do Espírito, da qual defluem novas atitudes comportamentais perante a vida.

            Apreendendo a fascinante, concreta e transformadora realidade do espírito, o homem, necessariamente, avança para um novo patamar de conhecimento. Este, por sua vez, tende a alterar nele valores morais ultrapassados, conduzindo-o a uma ética universal e libertadora Por isso, equivoca-se quem, no meio espírita, subestima o conhecimento, sustentando que o único esforço a ser empreendido é o da transmissão de ensinos morais (freqüentemente simplificados pelo verbo “evangelizar”). O grande, original e revolucionário projeto espírita é o de transformar pelo conhecimento, encaminhando o homem à adoção de um novo paradigma.

            Não foi por outra razão que o insigne Allan Kardec, cujo bi-centenário de nascimento comemoramos neste 2004, numa única vez em que entendeu de definir o espiritismo fê-lo através da expressão “ciência que trata da natureza, origem e destino dos espíritos”, claramente tomando o sujeito da oração como sinônimo de conhecimento. Todo o resto são conseqüências, sendo que a mais importante e fundamental delas é a transformação moral que esse conhecimento opera no homem.  Mesmo, pois, que eventos, iniciativas e instituições espíritas tenham por objeto o comportamento, a ética e a moral; mesmo que objetivem despertar, incrementar ou redefinir a chamada religiosidade, em qualquer circunstância, nunca será justo esquecer que nada disso se alcança, em caráter efetivo e transformador, se seu processo de aquisição não se fundar no conhecimento. Olvidada que for essa premissa, se poderá estar fazendo tudo, menos espiritismo.

 

Apreendendo a fascinante, concreta e transformadora realidade do espírito, o homem, necessariamente, avança para um novo patamar de conhecimento.

 

LANÇADO NA XIV CONFERÊNCIA REGIONAL ESPÍRITA O LIVRO:

ESPIRITISMO:   O PENSAMENTO ATUAL DA CEPA

 Uma coletânea de artigos sobre o que é a Confederação Espírita Pan-Americana, seus objetivos, sua natureza, sua história, sua organização e, sobretudo, o que pensa, como instituição, acerca de alguns temas doutrinários e da organização do movimento espírita.

Leia aqui a síntese do pensamento dos diversos autores sobre os temas abordados na obra.

 

“Aquele que não assumir perante o Espiritismo, ou qualquer outra proposta cultural, uma postura crítica corre o risco de simplificações facilmente deturpadoras que levam ao sectarismo, ao fanatismo e à intolerância.”                                                                     Milton Medran Moreira

 

“Não se coaduna com a verdade pretender identificar laicismo com anti-religiosidade, nem, evidentemente, com ateísmo. Laico não é anti-religioso; laico é arreligioso, ou seja, um terreno neutro em questões religiosas.”                                                                               Jon  Aizpúrua

 

"No son las personas que la integran, ya que éstas fueron cambiando a través de todos estos años, pero en el pensamiento fiel a Kardec, investigador, inquisitivo, progresista, íntegro, abierto, tolerante pero firme en su definición de conceptos, allí está la CEPA.”              Dante López

 

“A partir do momento em que o Espiritismo foi institucionalizado, começou sua descaracterização, transformado numa seita ligada ao modelo judaico cristão do pecado e do castigo.”                                                                                                                          Jaci Regis

                                        

 

 “Reina, infelizmente, nos meios evangélicos a concepção de uma doutrina sagrada, completa, de origem divina -  qual obra divina seria imperfeita? -,  modelo de pensar que gera entre os seus profitentes uma postura imobilista, de vocação salvacionista, posto que depositária da verdade.”                                                                                                                            Salomão Jacob Benchaya

 

“Os exemplos de desrespeito aos textos básicos do Espiritismo, até aqui, têm sido perpetrados com mais freqüência no próprio seio  da oficialidade dominante.”                     Wilson Garcia

 

“Nessa visão de Kardec, o espiritismo não pode, de nenhum modo, estagnar-se; se o fizesse, não seria uma ciência, e nem mesmo uma filosofia, uma vez que tanto uma quanto outra só se efetivam com a contínua inquietação do pensamento.”                                Reinaldo Di Lucia

 

  “Não se pode legitimamente falar de espiritismo sem praticar sua ética, o que nos traz a convicção de que fraternidade e diálogo são elementos que pragmaticamente o caracterizam.”                                                                                                      Luiz Signates

 

“A figura do evangelizador nunca foi idealizada por Kardec em nenhum momento. Nem mesmo em seu terceiro livro da Codificação.”                                                       Carlos de Brito Imbassahy

 

“A simples menção da possibilidade de atualização do espiritismo deixa os dogmáticos em pânico, apesar do claro ensinamento de Kardec, de que o espiritismo jamais ficaria ultrapassado, porque caminharia com a ciência.”                                                                       Nícia Cunha

 

“E a CEPA  nos oferece um exemplo prático de despojamento, humildade, simplicidade e, o mais importante, eficiência na sua forma de agir e atuar, priorizando o que é, deve e precisa ser priorizado: a doutrina e o movimento.”                                             José Joaquim Marchisio

                                                                      

“O Espiritismo é intrinsecamente dinâmico e sujeito, portanto, a um permanente processo de atualização cuja condução é, sim, responsabilidade de espíritos encarnados assim como já o fora sua codificação.”                                                                                     Maurice Herbert Jones

 

       Leia, pense e depois faça seu julgamento.

 

 

Noticias

 

LIGA DE HISTORIADORES QUER PRESERVAR MEMÓRIA DO ESPIRITISMO E VOCÊ PODE CONTRIBUIR

 

      A Liga de Historiadores e Pesquisadores Espíritas - LIHPE, que completou em 2004 dois anos de trabalhos ininterruptos e cinco anos de existência, está organizando seu III Encontro Nacional dias 04 e 05 de Setembro, em Belo Horizonte, MG..

      O evento tem por objetivo a discussão de trabalhos nas áreas de história/memória do movimento espírita e de pesquisa científica sobre temas espíritas. Sempre com vistas ao resgate e preservação de nossa memória para o devido desenvolvimento da Cultura Espírita.

      No encontro deste ano estará aberta a participação de trabalhos inscritos de membros que não pertencem à LIGA. A apresentação dos trabalhos deverá ser feita até o dia 30 de junho, impreterivelmente. Os trabalhos inscritos deverão estar entre os temas: trajetória do movimento espírita regional, nacional ou internacional; biografias de personalidades espíritas; memória de instituições ou eventos nacionais ou internacionais; teses acadêmicas com temática espírita; métodos e técnicas para preservação de nossa memória; revisões de literatura, epistemologia e metodologia da pesquisa científica; comunicações de projetos de pesquisa científica concluídos ou em curso, entre outros.  

      Haverá lançamento de livros, painel com temas específicos, exposições, mesas redondas, palestras e conferências sobre inúmeros temas históricos e científicos. As apresentações artísticas terão sempre o cunho histórico. O III ENLIHPE visando estimular a formação de novos pesquisadores estará aceitando a inscrição de autores inéditos, com trabalhos de menor fôlego, organizando-os em grupos próprios.

      Os trabalhos selecionados pela comissão organizadora poderão ser publicados em livro, boletins eletrônicos e sites com quem a LIHPE tem parceria. Além de serem divulgados na mídia impressa e digital esses trabalhos serão automaticamente incorporados ao acervo da LIGA. Maiores informações, bem como a ficha de inscrição poderá ser obtida no site www.panoramaespirita.com.br ou através do e-mail: mbpiedade@terra.com.br .

 

 

ADE-SP ELEGE NOVA DIRETORIA.

 

            Em Assembléias Gerais realizadas em 06/03 e 24/04 de 2004, a Associação de Divulgadores do Espiritismo de São Paulo elegeu a sua Diretoria e seu Conselho Fiscal para o triênio 2004/2007. Diretoria Executiva: Presidente: Éder Fávaro; Vice-Presidente : Ivan René Franzolin; Tesoureiro: Marcos Alberto Chazan. Conselho Fiscal: Carlos Antônio Scaramuzza, Luiz Marcelo Prestes e Milton Felipeli. As Assembléias ocorreram na atual  sede da ADE-SP, à rua Força Pública 268, Santana.

            A ADE-SP foi fundada inicialmente como Associação dos Jornalistas Espíritas de São Paulo, em 24 de setembro de 1989 passando a denominar-se posteriormente Associação de Divulgadores do Espiritismo de São Paulo. No curso do tempo ela vem desenvolvendo o papel a que se propôs, contando sempre com valorosos companheiros idealistas que constituíram as Diretorias anteriores, como promotora de cursos, encontros, seminários, workshops, e fóruns de debates. A ADE-SP é participante ativa do movimento espírita brasileiro como membro do CNDE – Conselho Nacional de Divulgadores Espíritas da ABRADE – Associação Brasileira de Divulgadores Espíritas.

 

O jornalista Éder Fávaro preside pela segunda vez a ADE-SP

 

 

ENCONTRO JURÍDICO-ESPÍRITA EM PORTO ALEGRE

            Recentemente fundada, a Associação Jurídico-Espírtia do Rio Grande do Sul - AJERS, promove sábado, 5 de junho, em Porto Alegre, o I Encontro Jurídico Espírita do Rio Grande do Sul, com a temática central “Direito e Espiritismo”.

            O Encontro acontece no Auditório do Foro da Justiça Federal da capital gaúcha, com conferências de Waldemar Zveiter, Izaías Claro, Sandra Della Pola da Silva, Hélio Ribeiro, Marcelo Paes Barreto e Gládis Pedersen de Oliveira.

            Atendendo convite do presidente da AJERS, Advogado João Muller, participam do evento o presidente do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre, Promotor de Justiça Rui Paulo Nazário de Oliveira e seu Diretor de Comunicação Social, Procurador de Justiça Milton Medran Moreira.

PROFESSOR CÍCERO FAZ A CONFERÊNCIA MENSAL DO CCEPA

            Como em todas as 1ªs segundas-feiras do mês, acontece em 7 de junho, uma conferência pública no Centro Cultural Espírita de Porto Alegre. Convidado pelo CCEPA, o Prof.Cícero Marcos Teixeira aborda o tema “Genética e Reencarnação”.

 

Opinião em Tópicos

 

Milton R. Medran Moreira

 

            Os filhos de Deus

            No meu tempo de guri, no seminário, ouvi, por várias vezes, os padres dizerem em aula: “Se essa gente que defende a evolução quer ser descendente do macaco, o problema é deles. Nós, cristãos, somos filhos de Deus, criados à sua imagem e semelhança”. Era com esse simplório tipo de argumento que a igreja, na época, ainda defendia o criacionismo, embora a ciência já tivesse a questão da evolução como uma teoria perfeitamente comprovada. Mas, lá já se vão cinqüenta anos. A igreja, hoje, vive outros tempos. Seria por demais ingênuo que a mesma organização que mantém e explora centenas ou milhares de universidades no mundo inteiro, viesse a público defender uma tese bíblica que se contrapõe claramente à ciência. A Igreja Católica aprendeu a se secularizar em tudo aquilo que lhe convém, ao mesmo tempo em que mantém a aura de uma instituição sagrada, reduto convencional e social, onde pode se perpetuar o mistério. Este não tem nenhum compromisso com a lógica racional e, sob seu manto, podem conviver pessoas cultas e incultas. É muito mais cômodo para a igreja estimular essa dicotomia do sagrado e do profano, situando-os em campos diferentes e incomunicáveis, do que querer compatibilizar todas as questões da fé com a razão.

            O fundamentalismo cristão

            Há um provérbio que diz que o diabo sabe muito mais por ser velho do que por ser diabo. As igrejas evangélicas de perfil fundamentalista se constituem num fenômeno bem mais recente, principalmente no Brasil. No tempo em que meus professores, no seminário, faziam aquele tipo de afirmação, elas recém estavam aportando por aqui. Só na última década é que ganharam a importância social que detêm entre nós. Mas, estão ainda socialmente presas às camadas mais humildes da população. Têm templos imensos e numerosas bancadas parlamentares. Mas, ao que me consta, não têm redes de universidades, nem são chamadas a opinar sobre as grandes questões da cultura ou da educação. Isso lhes permite dizer o que os padres de meu tempo de guri diziam e que agora sabem já não lhes ser conveniente afirmar. Podem, por exemplo, sem que, normalmente, isso implique em conseqüências importantes no âmbito da crítica, sustentar que a Terra tem apenas 6.000 anos e que os seres humanos, naquele tempo, saíram prontinhos das mãos de Deus, juntamente com a vaquinha feita para lhes dar o leite e o cavalo para lhes servir de montaria.  Que toda a criação, representada pelas espécies hoje existentes, foram obras de um Criador divino que as fez tais como se nos apresentam hoje, para servir o homem, feito por Deus para ser “o rei da criação”.

            Dos templos para o poder

            Enquanto afirmações dessa natureza são proferidas nos respectivos templos ou, mesmo, nos programas de televisão assistidos por quem tem seu interesse despertado para esse tipo de crença, tudo bem. A liberdade de crer é uma das grandes conquistas de nosso tempo. As baboseiras ditas em nome da fé, mesmo que baboseiras, produzem efeito num campo onde ninguém tem o direito de interferir: a consciência individual do cidadão, que é patrimônio indevassável. Das doutrinas espiritualistas modernas, ninguém melhor defendeu isso do que o espiritismo. A questão 840 de O Livro dos Espíritos reconhece ao Estado o direito de reprimir atos provocados por crenças capazes de perturbar a sociedade, mas assevera que “a crença íntima é inacessível”. O problema surge é quando conceitos de fé contrários à ciência e à razão terminam sendo oficializados pelo Estado por crentes que conquistam fatias de poder.

            No Brasil, as carências culturais e sociais de nossa gente, a par de levarem multidões cada vez maiores às igrejas que prometem, por um simples passe de mágica, a prosperidade na Terra e a bem-aventurança eterna no céu, também estão levando ao poder indivíduos que nada perdem, e só ganham politicamente, com posturas que reproduzem ações das teocracias medievais.

            Criacionismo nas escolas públicas

            É exatamente nesse contexto que se insere o comportamento do casal Garotinho, que hoje governa o Estado do Rio de Janeiro.  Tudo começou no ano 2000, quando Anthony Garotinho, então Governador (hoje é Secretário de Segurança), sancionou lei que previa o ensino religioso confessional, com aulas separadas por credo, nas escolas estaduais. Neste ano, a hoje Governadora, Rosinha Matheus, mulher de Garotinho e, como ele, evangélica, contratou os professores de religião. Sob a alegação de que não há estrutura para oferecer aulas confessionais, foi elaborado um programa interconfessional, com alguns conceitos comuns às religiões cristãs. Aproveitando a brecha, a Secretaria de Educação definiu o criacionismo como tema a ser desenvolvido nas aulas de religião da rede pública. É um atraso. Um verdadeiro atentado que interfere diretamente na formação de crianças que, embora não obrigadas pela lei, são constrangidas pelos pais a assistirem às aulas de religião.

            Lamentavelmente, isso se insere na onda de fundamentalismo que parece ganhar força nestes tempos de cultura superficial e massificada. Um terreno propício aos atos de terrorismo que se multiplicam no mundo e também à cultura da guerra. Como já é claro, as atitudes de belicosidade do atual governo dos EUA são também gestadas por posições fundamentalistas políticas e religiosas de seu Governo.

 

 

Enfoque

O Espiritismo e a Universidade

Dora Incontri*

Uma questão vital para o espiritismo é a sua entrada na universidade. Há no Brasil um grande contingente de acadêmicos espíritas, em diversas áreas do conhecimento. Mas até agora, pouquíssimos assumiram o espiritismo como um discurso científico válido ou se empenharam em demonstrar que Kardec foi um intelectual com contribuições importantes para a filosofia, a ciência, a religião e a pedagogia.

Alguns chegam a declarar a inutilidade de tal tentativa, por verem a universidade refratária ou por lhe atribuírem pouca importância, como cenário de debates. Muitos doutores têm uma vida universitária burocrática e, se espíritas, não vêem nenhum motivo para perturbar sua carreira, defendendo uma idéia marginalizada. Assim, a questão é a seguinte: é preciso mesmo levar o espiritismo para a universidade? Por quê? Para quê? Como? Para defender não só a necessidade, mas a urgência de se adentrar o mundo acadêmico com a proposta espírita, farei antes um breve histórico do papel da universidade através dos tempos.

Um Pouco de História

A universidade é uma das belas heranças que o final da Idade Média nos deixou.

Os séculos XII e XIII, que viram seu início, foram palco das mudanças sociais, culturais e políticas, que desembocariam no Renascimento. Aliás, o século XII é considerado como a primeira etapa do movimento que tomaria mais tarde esse nome.

Mas não se pense que a universidade era essa instituição morna e distante de hoje. O brilhante historiador Jacques Lê Goff, na obra Os Intelectuais na Idade Média, mostra como era a vida acadêmica de então. Primeiro, muitas das universidades foram fundadas a partir de corporações de estudantes ou professores. E mesmo as apoiadas por imperadores e papas exerceram um papel de democratização e renovação do conhecimento. Foi nessa época, que se deu a transmissão para o Ocidente dos tesouros gregos, que vieram reconduzidos à Europa, graças à exuberante cultura árabe (que, aliás, tinha suas universidades) e à cultura bizantina. Os embriões da ciência moderna começam aí, com o desenvolvimento da matemática, da medicina, da volta do direito romano... E a razão, também inicia seu processo de libertação da fé dogmática.

Do ponto de vista social, a comunidade estudantil representava o elemento transformador, inquieto e até rebelde que lançava as sementes de um novo mundo. No século XX, viu-se semelhante comportamento até a década de 60, antes dessa apatia acrítica que tomou conta da juventude pós-moderna.

Le Goff descreve como eram as aulas, pelo menos na universidade de Paris. Os professores debatiam publicamente com, alunos e professores rivais. Havia polêmicas abertas e podia-se propor de improviso ou para próximos encontros questões que o mestre teria de demonstrar sob rajadas de perguntas e contra-argumentos.

Ou seja, era preciso convencer o público e participante. Cenas assim podem ser vistas no filme Em nome de Deus, que retrata a e vida de Abelardo, dos primeiros mestres de Paris, Embora as questões então discutidas nos pareçam irrelevantes, porque em sua maioria eram sutilezas teológicas, não se pode negar que o processo da Escolástica medieval (em que pese toda a influência autoritária da Igreja) foi uma tentativa de racionalização da fé, Abelardo, por exemplo, um dos grandes racionalistas da época, que aliás rendia culto ao Consolador, pode ser considerado precursor de Descartes e até de Kardec. Foi quem libertou a lógica da teologia, firmando-a como ciência autônoma.

Nas universidades medievais, ao contrário do que se possa pensar, havia a representação de várias correntes e debates entre elas, Mas o ápice de tal pluralidade ideológica e cultural foi o período áureo da Espanha muçulmana (séculos XI, XII e XIII) onde cristãos, judeus e islâmicos tiveram pela primeira e única vez na história um intercâmbio pacífico de idéias, desencadeando o progresso científico e cultural da Europa, a partir do século XII,

Também nisto, a universidade teve papel preponderante, sobretudo a de Córdoba, fundada pelos árabes. Desta cidade aliás, veio um dos maiores sábios islâmicos, que exerceu influência sobre a cultura cristã, o médico e filosofo Averroes. Infelizmente, o fanatismo e a opressão fizeram o desfavor histórico de acabar com essa experiência fantástica de pluralidade cultural, mergulhando a Europa nas trevas da Inquisição. E justo na Espanha, em que essa democracia tinha sido praticada, houve a maior repressão, com a expulsão definitiva de judeus e árabes no século XV:

Depois, vemos no próprio Renascimento, o início da ciência moderna, com os arautos da astronomia e da matemática, tendo como cenário de seus estudos e docências as universidades criadas na Idade Média: Galileu foi professor das Universidades de Pisa e Pádua, Kepler estudou na de Tübingen e deu aulas na de Graz (Áustria), Isaac Newton foi professor de Cambrigde.

Também a Reforma passou pelas universidades. Já com os precursores: Jan Huss foi reitor da Universidade de Praga; John Wiclif estudou em Oxford e foi reitor de Filligham. Depois Lutero, foi doutor e professor. Comenius, que lançou a pedagogia moderna sob a inspiração da Reforma, esteve na Universidade de Heidelberg.

Mais tarde, toda a filosofia alemã, que daria uma guinada no pensamento ocidental, nos séculos XVIII e XIX, primeiro com a crítica da razão, feita por Kant, depois com a dialética de Hegel, de que nasceu a dialética marxista - e seus contemporâneos e sucessores -, todos estiveram ligados a universidades.

Nem é preciso citar o papel que elas tiveram no século XX, com seu potencial de pesquisa e discussão de idéias, além dos movimentos estudantis, como o de 68, que mudaram a face da juventude.

Esses exemplos são para mostrar que várias revoluções conceituais, científicas e sociais, propostas no Ocidente no último milênio, têm passado pelas universidades.

É claro que também observamos nesta instituição como em todas - o abuso do poder, as vaidades pessoais em detrimento da verdade, o conservadorismo e a estagnação que impedem o progresso e o pluralismo. Mas, apesar dos percalços que a imperfeita natureza humana sempre introduz nas melhores coisas, a universidade conseguiu alcançar seus mil anos, como instituição respeitável e digna de ser mantida, ainda que se possam propor inúmeras reformas para que se adapte ao século XXI.

A Universidade Brasileira

Um dos fatos mais chocantes da história do Brasil foi o atraso em termos nossa e universidade. Todos os países da América (do Norte, Central e do Sul) tiveram as suas muito antes. Harvard (EUA) e Cordova (Argentina) foram fundadas no e século XVII. A do México, mais antiga, no século XVI. Peru, Venezuela e Chile têm universidades com pelo menos 150 ou 200 anos. A primeira universidade brasileira (a USP) é da década de 30 do século XX. Ou seja, esta instituição milenar não tem nem um século no Brasil.

Talvez por isso estejamos demorando tanto a pensar o mundo, de forma original, dando nossa contribuição filosófica e científica à humanidade. Salvo raras cabeças que se destacam como estrelas solitárias, não criamos escolas filosóficas, científicas ou pedagógicas. O que a maioria dos acadêmicos brasileiros faz é pensar segundo autores importados. Há mesmo um pânico generalizado e uma proibição implícita de se pensar por si. Um exemplo: alguém faz uma tese na História. Terá de optar por uma corrente como a marxista ou a história nova. Não há historiadores brasileiros, com proposta alternativa. Na filosofia, o mesmo. Podem-se estudar filósofos antigos e contemporâneos, mas onde estão os filósofos brasileiros? Há tomistas, marxistas, hegelianos, kantianos etc. em nossa universidade, mas onde alguém que tenha feito escola?

Mesmo quando o objeto é o Brasil, os métodos são importados, a ponto de antropólogos, sociólogos e economistas brasileiros (exceção feita a alguns do quilate de Darcy Ribeiro ou Sérgio Buarque de Holanda) olharem fenômenos de nosso país com um olhar europeu ou americano, como se fôssemos exóticos para nós mesmos. O espiritismo, mas também a umbanda e o candomblé, entram nesse contexto, pois alguns estudos antropológicos e sociológicos a respeito assumem um discurso de distanciamento, como se tudo isso não fizesse parte da nossa cultura. Ou seja, aquilo que é representativo entre nós só entra na universidade como objeto quase folclórico, nunca como voz representativa de um segmento. Um adepto do candomblé ou do espiritismo farão uma tese sobre os seus respectivos objetos, enquadrando-os numa cientificidade supostamente isenta, o que significa dizer, por exemplo, que os orixás ou os espíritos são categorias do imaginário.

Isso apenas para mencionar as áreas de humanas. Nas exatas e médicas, a impossibilidade de se alternar o discurso é maior. Nas humanas, há pelo menos a pluralidade de posições já estabelecidas lá fora. Nas outras, parece que não chegou aqui a discussão que, pelo menos na Europa, está abalando a forma positivista de fazer ciência, ou seja, o questionamento pós-moderno, que desconstrói a própria noção de ciência. Os alunos de química, medicina ou biologia continuam estudando suas disciplinas, como se elas não tivessem pressupostos filosóficos, sem qualquer reflexão ética ou epistemológica... Ou seja, faz-se ciência, sem se discutir o método científico.

O Paradigma do Espírito

Se os acadêmicos espíritas brasileiros compreenderem de fato a que vem o espiritismo, perceberão que o pensamento espírita - assumido como uma visão de mundo, um método de conhecer e, portanto, um novo paradigma - é justamente uma possibilidade original de filosofar, de fazer história ou ciência. E essa originalidade pode ser uma contribuição espírita à cultura brasileira e, ao mesmo tempo, uma contribuição brasileira à cultura internacional.

Mas ela precisa ser construída. Está implícita em Kardec, mas longe de estar aplicada (com todas as suas articulações) nas várias áreas do conhecimento. E essa construção só pode ser, feita na universidade.

Em minha tese de doutorado Pedagogia espírita, um projeto brasileiro e suas raízes histórico-filosóficas (USP, 2001), procurei fazer isto. Não significa jogar fora as conquistas de 2500 anos de desenvolvimento filosófico e científico (que vêm desde os gregos), apenas para sermos originais. Aliás, o próprio espiritismo - poderão alegar- é uma doutrina importada da França, com antecedentes e condicionamentos históricos.

Mas, encarando essa herança como parte constitutiva de nossa cultura (pois é isso que se tornou) e buscando articular o pensamento espírita na sua coerência, originalidade e com nossa pitada de brasilidade, faremos o que nos compete para que o espiritismo dê a sua contribuição ao mundo. O Brasil é atualmente o único país que pode fazer isso, se abdicarmos da colonização intelectual, pois foi na Europa e nos EUA que os estudos espíritas foram silenciados. Na educação, fiz isso, mostrando que as raízes da pedagogia espírita vêm desde Sócrates e Platão, passando por Comenius, Rousseau e Pestalozzi, para desembocar em Rivail. Mas apontei a contribuição original, brasileira, de Eurípedes Barsanulfo, Herculano Pires, Anália Franco, Tomás Novelino, Ney Lobo, Vinicius, como exemplos de uma nova pedagogia.

Espanta-me que intelectuais espíritas, que deveriam compreender o espiritismo como um novo paradigma de conhecimento, o adotem apenas como credo religioso.

Há que se fazer o mesmo em outras áreas e alguns já têm tentado isso. Um bom sinal é que tenho recebido e-mails do Brasil inteiro de jovens que já fizeram ou estão em vias de fazer monografias e dissertações sobre o espiritismo. Mas é preciso uma coragem moral, que às vezes os acadêmicos acomodados em suas cátedras não querem assumir, pois trata-se de desafiar o sistema, discutir idéias, condenadas por uma certa conspiração do silêncio. À coragem moral, deve-se aliar a competência, porque é preciso estar muito bem fundamentado para se fazer validar, ou pelo menos respeitar, algo fora do sistema. Estar fora do sistema explica-se em países onde o espiritismo desapareceu. Mas onde ele criou raízes e tem convicções entre pesquisadores, por que mantê-lo afastado da universidade, como se fosse suspeito?

O momento é propício e urgente para abrirmos caminho. Propício, porque podemos alegar que a representatividade social e cultural que o espiritismo adquiriu na sociedade brasileira lhe dá o direito de ser representado na universidade, como um discurso científico, ou ao menos filosófico. Se não nos deixarem fazer isso, então se trata de patrulhamento ideológico, que devemos denunciar. Urgente, porque, em benefício do próprio espiritismo, temos de compreendê-lo e praticá-lo como fermento cultural, para mudar as estruturas do pensamento humano e não apenas como mais uma religião que distribui passes, sopa e água fluida. Temos de fazê-la, como queria Kardec - ciência, filosofia, ética racional, religiosidade universal, de forma competente e bem articulada o que é indispensável para enfrentarmos a crítica de fora, mas impossível, se ficarmos fechados em nós mesmos.

Espanta-me que intelectuais espíritas, que deveriam compreender o espiritismo como um novo paradigma de conhecimento, o adotem apenas como credo religioso. São cientistas na universidade e espíritas no centro espírita, como se freqüentassem mais uma igreja, sem nenhuma conexão com suas vidas de pensadores e pesquisadores. Apenas se vencermos essa covardia ou cegueira, o espiritismo cumprirá sua missão histórica, que não é a de fazer proselitismo, mas de oferecer uma alternativa de visão de mundo respeitável e reconhecida, que se faça valer nesse espaço tão rico e antigo como a universidade, recuperando-a como um lugar de debate plural para enfrentar os desafios deste milênio.

* Dora Incontri (editoracomenius@uol.com.br)  é jornalista, escritora e pedagoga.

Artigo publicado originariamente na coluna opinião, do Informativo Lachâtre de Setembro / Outubro de 2003.