Revista Harmonia - Ano XX – Nº 152 - Maio 2007

Editorial : Espiritismo, Mídia e Tecnologia

Marcelo Henrique Pereira, Editor-Chefe e Mestre em Ciência Jurídica

No ensejo das comemorações do sesquicentenário da Doutrina Espírita, mister se faz reconhecer o hercúleo e (quase) solitário trabalho do Prof. Rivail, em época de flagrantes limitações tecnológicas quando, sem o conforto da luz elétrica e escrevendo a bico de pena, rascunhava os originais dos livros que viriam a descortinar para a Humanidade novos horizontes. Receber, traduzir, compilar, organizar e sistematizar comunicações e abordagens temáticas, além de comentá-las (introdutória ou conclusivamente), sob a metodologia da lógica racional e do consenso espiritual sem a gama de recursos hoje disponíveis, dá a exata dimensão e magnificência de seu trabalho.

Já como Kardec, publicadas as primeiras obras, realizadas as seqüenciais viagens e proferidas algumas das centenas de palestras que empreenderia, pôde o Codificador inscrever novo capítulo na História do Espiritismo, publicando por anos seguidos o primeiro periódico espiritista do mundo, a Revue Spirite, marco inicial da inserção da doutrina na mídia.

Em face dos progressos tecnológicos e, principalmente, com o ad-vento e a popularização da Internet chega-se, com facilidade, à idéia da Globalização do Espiritismo, permitindo o acesso de forma democrática à filosofia espiritista e, para a frente, por meio da inclusão digital (facilitação de acesso ao computador e à rede WEB), poderemos afirmar que cada vez mais indivíduos serão destinatários (e consumidores) da informação espírita.

Em termos brasileiros já existem, em paralelo, centenas de programas radiofônicos e uma rede de rádio (Boa Nova, em São Paulo), capitaneando o processo de expansão do conhecimento espiritual, já que tal veículo de comunicação é, de longe, o mais popular, democrático e instantâneo em termos de público. Na televisão, além de documentários, reportagens, entrevistas, novelas e seriados, há a veiculação de filmes cinematográficos já exibidos no cinema, atraindo a atenção, a curiosidade, o interesse e a análise dos temas de teor espiritual. A literatura (espiritualista e espírita) emplaca, seguidamente, vá-rios títulos entre as obras “mais vendidas”, encaminhando alguns para o conceito/padrão de Best sellers, enquadrando relatos romanceados ou históricos sobre aspectos da transcendência. A mídia impressa leiga, por sua vez, tem percebido o forte apelo e alcance das matérias com conotação espiritual-espírita, dedicando espaço para reportagens ou matérias (sem falar nos artigos assinados por colunistas ou colaboradores) que, invariavelmente, por bom senso e acuidade jornalística, buscam fontes sérias (como dirigentes e representantes de instituições) para apresentar textos isentos e de interesse do grande público. Muitas revistas semanais e os principais jornais do país (estes, em edição dominical ou de fim de semana) têm reservado espaço para a abordagem de questões afetas ao Espírito.

Finalmente, as universidades e faculdades (brasileiras, assim como em muitos países) têm autorizado ou promovido a realização de pesquisas sérias, sob parâmetros de cientificidade, resultando em monografias, dissertações e teses (não somente de acadêmicos espíritas), atraindo a atenção científica de professores e membros de bancas.

Diante de tal quadro (favorável e animador) espera-se dos espíritas a superação do “amadorismo” no trato das questões espirituais, a adoção de planos de trabalho e estruturas organizacionais especializados para, a médio prazo, atin-gir o grau de preparo e eficiência necessários à tarefa e ocupar os espaços disponíveis (cada vez maiores) para a socialização do conhecimento espírita. 

 

A Doutrina Espírita e a Santidade de Frei Galvão - Marcelo Henrique

No próximo dia 11 de maio, em cerimônia com a presença da autoridade máxima da Igreja Católica (Papa Bento XVI, o Cardeal alemão Joseph Ratzinger) no Brasil, será canonizado o frade franciscano Antônio de Sant’Anna Galvão (mais conhecido como Frei Galvão), o primeiro santo brasileiro[1]. A estratégia da cúria católica tem apoio no fato de que o Brasil – país com o maior número de adeptos desta religião no mundo – nunca teve um filho seu nesta condição. A canonização foi a alternativa do pontificado de João Paulo II (o polonês Karol Wojtyla) que, preocupado com a expansão crescente de outras filosofias e seitas, adotou a prática como um meio de manter a penetração do catolicismo nas diversas regiões do planeta. Antes dele, a Igreja tinha 302 santos. Wojtyla consagrou 482 nos 26 anos de seu papado, contribuindo decisivamente para a manutenção da popularidade católica, já que a relação com o sagrado (divino) fica mais familiar, próxima e palpável, fortalecendo os laços dos fiéis com a religião que professam, aproximando a criatura do Criador.

O estágio de santidade (canonização) é a última fase de um processo que se inicia com a condição de servo de Deus, cinco anos após a morte do candidato, a partir de iniciativa do bispo da diocese em que o mesmo viveu. Após, defendido por um postulador, que enfrenta um contraditor, ambos nomeados pelo Vaticano, são provados (ou não) o martírio ou as virtudes daquele que, se confirmada um ou outras, alcança a fase de venerável. O processo, então, desenvolve-se em trâmites burocráticos em Roma, para que seja oficializado o martírio ou, no caso dos milagres, um deles pelo menos precisa ser atestado por médicos e teólogos. Se positivado, atinge-se, assim, a condição de beato. Na circunstância da prova de um segundo milagre, o candidato alcança a santidade, por ato do pontífice, que detém a última palavra neste processo, a qual é declarada em cerimônia específica, na sede romana ou no país de origem ou de atividade do santo[2].

O caso de Galvão ultrapassou, por exemplo, o de José de Anchieta, o Apóstolo do Brasil, religioso espanhol que viveu a maior parte da vida em nossa pátria, beatificado por João Paulo II (1980) e que aguarda a prova material de um milagre. Mais de 4.500 relatos referentes a curas do Frei Galvão foram apreciados, sendo provados, em 1998, a cura de uma menina (Daniela Cristina da Silva, desenganada por médicos em 1990, por causa de uma hepatite aguda) e, em 1999, a gestação que vingou e gerou um filho (a gestante Sandra Grossi de Almeida, com má-formação do útero já havia tido dois abortos espontâneos). Nos dois casos, as pessoas ingeriram as conhecidas “pílulas de Frei Galvão”, pedacinhos de papel de arroz, enrolados em forma de cânula, em que se acha impressa uma oração atribuída ao religioso (prece em latim à Virgem Maria). Tais pílulas são distribuídas diariamente aos fiéis que comparecem ao Mosteiro da Luz (SP), numa quantidade superior a 5.000, por dia.

A santidade é uma espécie de grau máximo na hierarquia dos homens, segundo a religião católica, que indica que o ser é iluminado, um intermediário entre as pessoas “comuns” e o Plano Divino. Segundo teólogos e especialistas, a santidade permite a cumplicidade dos seres humanos (fiéis) com o representante de Deus na Terra, diminuindo o assombro diante da superioridade do Criador, conferindo humanidade à transcendência. De modo análogo, outras religiões e filosofias têm seus “santos”, mártires, missionários, iluminados, avatares ou intermediáiros, chegando, inclusive, a estabelecer entre eles certos degraus ou graus hierárquicos.

Para o Espiritismo, que não cultua santos, não prescreve hierarquias litúrgicas e, tampouco, acredita em milagres (já que as curas espirituais pertencem ao plano da relação com as energias), tais são reconhecidos como médiuns – atributo inerente à condição espiritual (“todos somos médiuns”). Todavia, nem todos possuem idêntica mediunidade, em razão das provas, expiações e missões a que nos achamos sujeitos, na esteira das encarnações. A mediunidade, que não é circunstância exclusiva e particular do Espiritismo, ocorre em todo e qualquer lugar, estabelecendo o intercâmbio entre os mundos espiritual e físico e, neste sentido, visa atender às necessidades e minimizar as dificuldades humanas. O traço distintivo entre os médiuns, sempre, é a sua moralidade, demonstrativa do alcance de patamares espirituais mais adiantados, a integração paulatina na obra divina.

Há, em verdade, uma “necessidade” dos indivíduos – mesmo em instituições e no movimento espírita – de “acercar-se” de santos ou protetores no curso da vida. Assim, por exemplo, determinados médiuns acabam sendo elevados à “categoria” de santos, pelos espíritas (simpatizantes ou adeptos) que não entendem ainda muito bem o conteúdo da proposta da Doutrina Espírita. E o fazem, é claro, sem maldade mas por ingenuidade ou falta de estudo ou conhecimento, quando o médium está vivo e/ou após a sua morte, como ocorreu com Francisco Cândido Xavier.

Respeitando os adeptos de outras crenças e, até, os “quase-espíritas” (isto é, aqueles que no seio do movimento espírita agem como se houvesse santidade), devemos entender melhor a dinâmica da vida (material-espiritual) para aproximarmo-nos de Deus por nossa conduta mais espiritualizada, estudando a filosofia espírita e encarando a mediunidade como o exercício do amor e da fraternidade, laço de aproximação das criaturas entre si e com Deus. Sem santos, mas com (e como) homens de bem!


 


[1] Em 2002, ocorreu a canonização de Amábile Visintainer (Madre Paulina) que, embora tenha vivido 67 anos no Brasil (em São Paulo e Santa Catarina), nasceu na Itália, razão pela qual não ficou caracterizada a sua “total” brasilidade.

[2] No início da era cristã, o único requisito para o alcance da condição de santidade era a aclamação do povo, reconhecendo o valor do missionário para a Humanidade – geralmente envolvido em atividades sócio-assistenciais. No Século XII, a canonização passou a ser proclamada pelo Papa e, no Século XVI (após o Concílio de Trento), surgiu a exigência de comprovação científica dos milagres. A partir daí, o processo tornou-se cada vez mais rigoroso, com minuciosas investigações, entrevistas e depoimentos, caso a caso.

 

Mulher: A Última Esperança - Daniel Valois

Uma expressão idiomática francesa (Cherchez la femme - procura a mulher) nem sempre é empregada no sentido positivo. Aqui, empregamos a expressão para destacar o papel messiânico da mulher, nesse momento planetário de espanto, dor e perplexidade. Procuremos na mulher, o socorro para o Planeta!

A notícia de que o governo estadunidense encaminhou mensagem ao Congresso daquele país solicitando alguns bilhões de dólares para o Iraque, perpassou pela minha mente como uma lufada de oxigênio azul, um raio de sol na escuridão, uma supernova rasgando o ventre do Universo... Imaginei: finalmente a reconstrução! Escolas, casas novas para o povo iraquiano, novos hospitais, reconstrução das redes de distribuição de energia elétrica e água potável e, sobretudo, o resgate da esperança nos corações daquela gente esmagada por sofrimentos inimagináveis... Ledo engano, a verba é para enviar mais tropas à região. Dio mio!!??...

O fracasso estrondoso do homem, surge em nossa mente como o espectro da morte. O homem, o macho, fracassou como líder, como guia, como imperador, como gerente do Planeta! Chega! É hora de passar o cetro à mulher. Só o amor e a competência da mulher podem reverter o quadro de horror criado pelos homens.

Estamos vendo os resultados da incompetência do homem estampada nas feridas que sangram no corpo da Terra, algumas profundas, dolorosas... Outras fora dela, na camada de carinho e proteção que Deus criou, para nos defender de perigos exteriores... A Terra chora. Chora nas enchentes de Minas Gerais, no transbordamento do Rio São Francisco, que tenta conquistar novo leito, já que o seu está assoreado, aterrado pela estupidez humana que destruiu a mata ciliar de proteção das margens... Viva o “agronegócio”!

A Terra chorou no maremoto recente da Ásia, está chorando na Indonésia, na Europa...  Ocultando o coração esmagado sob 40º negativos nos Estados Unidos e vomitando fogo na Austrália...

Chamemos a mulher! É hora de humildemente reconhecermos o vergonhoso fracasso!

O retrato do homem do século XXI está impresso por Fritjof Capra nas páginas de O ponto de mutação: “Os economistas tendem a dissociar a economia do contexto ecológico [...]. O crescimento econômico, tecnológico e institucional indiferenciado ainda é visto pela maioria dos economistas como o sinal de uma economia “saudável”, embora esteja causando hoje desastres ecológicos, crimes empresariais generalizados, desintegração social e uma probabilidade sempre crescente de guerra nuclear.” (Grifei.)

É ainda Capra quem reforça nossa tese em Sabedoria incomum, quando reproduz o pensamento da escritora e ativista do Movimento Feminista estadunidense – Hazel Henderson: “A economia, sustenta ela, glorificou algumas de nossas predisposições menos louváveis: cobiça material, competitividade, gula, orgulho, egoísmo, imprevidência e ganância pura e simples[Grifei]. O crescimento econômico incessante é aceito como um dogma praticamente por todos os economistas e políticos, que supõem ser essa a única maneira de assegurar que a riqueza material chegue até os pobres.” Henderson, entretanto, prossegue ele, “[...] mostra, citando numerosas provas, que esse modelo em que a riqueza “escorre” para os pobres é totalmente irreal. Altas taxas de crescimento não só contribuem pouquíssimo no sentido de amenizar os problemas sociais e humanos mais urgentes como também são acompanhadas, em muitos países, por um desemprego crescente e uma deterioração geral das condições de vida.” Ela aponta também que “[...] a obsessão global com o crescimento resultou numa similaridade extraordinária entre as economias capitalista e comunista [...] pois ambos os sistemas baseiam-se no materialismo”.

Por fim, lembremos Kardec (em A gênese): “A fraternidade será a pedra angular da nova ordem social  [...] Somente o progresso moral pode assegurar aos homens a felicidade na Terra [...] somente esse progresso pode fazer que entre as criaturas reinem a concórdia, a paz, a fraternidade”.