Revista Harmonia - Ano XX – Nº 151 - Abril 2007

Editorial : 150 anos

Marcelo Henrique Pereira, Editor-Chefe e Mestre em Ciência Jurídica

A 18 de abril de 1857, após vários anos de exaustivas pesquisas e compilações, com o acréscimo de suas observações pessoais, num acurado senso de lógica e integração, Allan Kardec lançava a primeira edição de O livro dos espíritos, data que, a partir de então, ficou convencionada como o marco inicial da Doutrina dos Espíritos, por ele codificada e entregue à Humanidade.

Em que pese a conhecida argumentação, utilizada a roldão pelo movimento majoritário, com forte conotação religiosa, de que o Espiritismo é o Paracleto, o Consolador Prometido, qual a efetiva contribuição para a transformação individual e social que a doutrina encarta? Sem dúvida alguma, a possibilidade de exame de tudo o que, antes, pertencia apenas à esfera do sobrenatural, místico e sensacional, convertendo a realidade espiritual em uma matéria suscetível de apreciação e entendimento, foi o grande diferencial da doutrina nascente.

No entanto, com o tempo, o Espiritismo foi perdendo a sua característica de inovação e continuidade porque os próprios grupos e instituições, abandonando o rigor científico do exame das comunicações e a interpretação dos fenômenos e das mensagens, passaram a considerar como definitivas e imutáveis as informações reunidas por Kardec nos livros básicos e complementares, dogmatizando e cunhando o malfadado senso de "pureza doutrinária".

De modo mais grave, ainda, "engessaram" o próprio movimento, com a introdução de órgãos federarivos estaduais e nacional, com poderes absolutos e competência administrativo-doutrinária de censores, reduzindo o espectro da liberdade de pensamento e de ação, os quais, periodicamente, têm  insistido  na  edição e veiculação de bulas orientativas que, a exemplo do clero católico, simbolizam a "opinião oficial" do Espiritismo em dadas temáticas.

No ensejo de refletirmos sobre o sesquicentenário da Filosofia Espírita, devemos nos esforçar por resgatar o lídimo pensamento e procedimento do Codificador em nossas atuações à luz do pensamento espiritista, para fugirmos da catarse que toma conta do movimento, que só reconhece como fidedignos os apontamentos contidos nas obras básicas e nas que recebam chancela da Federação Espírita Brasileira, e que, nos últimos tempos, só admite outras abordagens (complementares) quando egressas da  pena  psicográfica  dos  dois "médiuns oficiais", Raul e Divaldo, ou que sejam assinadas por "reconhecidos" líderes, escritores e pensadores albergados sob suas hostes. Os demais, independentemente do esforço, esmero, dedicação e, sobretudo, respeito aos princípios espíritas e às regras de aceitação das comunicações ou dos trabalhos desenvolvidos em sede do pensa-mento espírita, permanecem sob indefinida suspeição, e nem são considerados.

Olhando para o futuro, mas com os pés fincados no chão de hoje, desejamos que estas mentes lúcidas e interessadas perseverem na árdua caminhada da pesquisa, experimentação e composição de novas teses, fruto do imenso laboratório das inteligências (encarnadas e desencarnadas) e da fenomenologia mediúnica, que prosseguem como o campo fértil para a produção espiritista, esperando que o tempo, este inexorável elemento de maturação das idéias, possa trazer, à frente, o reconhecimento do esforço de todos aqueles que ousaram "pensar diferente da ideologia dominante". A eles, o nosso aplauso e, com certeza, o semblante de largo sorriso do Mestre Kardec.

 

Pseudo-verdades Espíritas - Marcelo Henrique

De tempos em tempos, graças à mentalidade fértil de certos escritores, médiuns, dirigentes ou, na sua evidência mais comum, Espíritos que ditam mensagens (por via psicográfica ou psicofônica), aparecem conceitos, adjetivações ou, até, teorias que recebem da platéia espírita ressonância e aceitação, passando a ter respaldo como verdades inquestionáveis. De imediato, devemos salientar que nada temos contra o potencial criativo humano, sobretudo quando expresso na forma de construções literárias e, neste aspecto singular, obras de ficção (inclusive espírita) existem aos borbotões, mas, infeliz e negativamente, nem sempre isto fica claro para o incauto leitor. Corroborando esta diagnose está a gama de editoras “espiritualistas”, especializadas na produção e comercialização de um sem-número de obras de duvidosa origem e questionável conteúdo, que inundam prateleiras (mormente das instituições espíritas), em “pacotes” atrativos e catálogos coloridos e bem-formatados, vendendo uma imagem às vezes fantasiosa daquilo que não se encontra no material a ser lido, ou, o que é pior, inverdades que não subsistem ao mínimo e primário cotejo com os fundamentos da Doutrina Espírita.

Herculano Pires, neste mister, a propósito, em meados da década de 60 e por toda a década de 70, mesmo advogando a liberdade de expressão e a ausência de qualquer meio filosófico-doutrinário de censura (prévia ou posterior à publicação), advertiu-nos quanto à necessidade da separação – calcada no estudo e no conhecimento espírita – entre o joio e o trigo. Historietas e composições “água-com-açúcar” grassam abundantemente nas searas espíritas, contando, inclusive, com o beneplácito e (o que é mais grave) o fomento à leitura por parte de desavisados (ou despreparados e “empolgados” dirigentes). É claro que o “povo” não quer saber de leituras densas e longas, a literatura do tipo “vale quanto pesa”, por sua aparência e contextura “pesada”, livros que esboçam parágrafos longos e terminologia avançada, de vez que a maioria, além de nunca ter desenvolvido (ou de ter odiado) a prática da consulta a dicionários ou enciclopédias – mesmo com as facilidades da internet de nossos dias – igualmente jamais apreciou leituras complementares derivadas do folheio de atlas ou obras de biologia, história, geografia, sociologia, física, medicina, direito...

Qualquer análise que exija esforço pessoal um pouco maior do que a mera leitura linear e seqüencial é, de pronto, rechaçada e esquecida, com a pífia justificativa de que falta estudo ou formação acadêmica ou, como mais se ouve por aí, “eu não tenho conhecimentos para tanto”, quando não a acusação padrão de que “estão querendo elitizar a doutrina”, com tantos professores e especialistas, eruditos e letrados, cheios de títulos e cargos, quando, “na verdade”, a doutrina “deveria manter sua simplicidade”. Há, convenhamos, uma generalizada confusão entre simplicidade e minudência ou simplificação extrema (a limitação ao básico ou ao “mínimo necessário”), ainda que este represente a alie-nação em relação à complementação dos conceitos fundamentais.

Então, opta-se pelo conhecido “chover no molhado”, com palestras repetititvas e enfadonhas e literaturas “rasteiras”, plenas de máximas, jargões e frases de efeito, ou o desfilar de historinhas e feitos de médiuns do passado, com gestos de humildade, bondade, amor, perseverança, piedade... aos montes. Nada contra, digamos, a exemplificação construtiva, a referência aos vultos e suas realizações. Mas, respeitosamente, o Espiritismo precisa “olhar para a frente”, com base no hoje, com o contributo real do espírita pensante e atuante na construção de relações, instituições, movimento e, como resultado, uma Sociedade melhor e mais espiritualizada.

As pseudo-verdades – que crescem em abundância, mesmo que não hajam sido semeadas propositadamente pelos próprios espíritas – compõem um rol que precisa ser apresentado e analisado, sem que se promova nenhuma “caça às bruxas”, nem se introduza nenhum “índex” ou “santo ofício”, tampouco nenhuma “cruzada em defesa da pureza doutrinária”, mas, em verdade, para servir de alerta aos iniciantes ou aos interessados em conhecer e se aprofundar no conteúdo espiritista, os quais, as mais das vezes, são atraídos pela facilidade de alguns “livrinhos” que são acalentados como “pérolas”, manuais ou referências, mas que não passam de engodo ou falsas interpretações – peculiares ao nível ainda atrasado de quem as concebeu – ou, como costumamos dizer, representam “adequações do pensamento espírita às conveniências, gostos e raciocínios pessoais”, quando o esperado, desejável e imperioso seria justamente o contrário, ou seja, a adequação de nossos comporta-mentos, linguagem e pensamento ao perfil progressivo do Espiritismo.

Neste ensaio, sem ser conclusivo nem abrangente, apresenta-remos algumas destas idéias, as quais, pelas informações “oficiais” disponíveis (em sede de Codificação) são neologismos que devem ser, no mínimo, tratados com reserva, aguardando que, pelos mesmos critérios adotados no trabalho de Kardec, haja confirmação posterior destas “teses”:

1) Alimentação espiri-tual similar à terrena – embora considerando nossa pouca iluminação espiritual e a proximidade aos níveis iniciais de evolutividade, os primeiros degraus da Escala Espírita (O livro dos espíritos, item 100 e seguintes), e, sobretudo, de modo mais flagrante, as viciações e os excessos comuns aos homens de nosso tempo (álcool, fumo, gula, jogatina, promiscuidade, avareza, orgulho, cupidez, egoísmo, vaidade, entre outros), é natural imaginar que carreamos para o plano invisível muitas das nossas “preferências” e “costumes” e, pela sensibilidade e pelo comprometimento perispiritual, sentimos muita “falta” daquilo que repetidamente fizemos uso numa (relativamente longa) existência corporal. Herculano Pires (em Vampirismo) comenta sobre a vinculação psíquica entre desencarnados e encarnados – uma, apenas, das variações desta intrincada simbiose – para que os primeiros possam continuar experimentando os “prazeres” que sentiam quando vivos, acompanhando os segundos em locais e eventos em que os efeitos das substâncias materiais possam ser novamente experimentados.

Todavia, daí a admitir ou preconizar que existam “alimentos fluídicos” ou psíquicos, em formatação similar à da conjuntura material é um excesso destemperado. Nada há na Codificação que ateste tal realidade e, mesmo que Kardec tivesse sido “econômico” neste particular, deve-mos respeitar o princípio animador da estrutura doutrinária espírita que exige, para a aceitação de “novas verdades”, a obediência ao Controle Universal do Ensino dos Espíritos (CUEE), ou, explicitamente, a confirmação do relato por médiuns diferentes, idôneos, em momentos distintos e/ou locais separados, dando substrato de validade à nova informação, acostando-a ao chamado “corpo doutrinário”. (Veja-se o contido no quesito 710, de O livro dos espíritos – alimentação em planos mais sutis.)

2) Aeróbus, como meio de transporte na espiritualidade – André Luiz apresenta um meio de transporte nas colônias espirituais, idéia que deve ser encarada, a nosso ver, muito mais como figurativa e ficcional do que como real. A princípio, é característica do Espírito a locomoção pelo pensa-mento (questão 89, de O livro dos espíritos), em face da ausência das limitações naturais da existência material (em especial, o peso da estrutura corporal e a necessidade de deslocamento motor – com anteparo nos membros inferiores). Logo, a priori, fica descartada a idéia andreluiziana de que haja meios de transporte “semi-materiais” ou imateriais, mesmo em colônias que recebam Espíritos pouco adiantados, tais como os que figuraram nos relatos mediúnicos.

Há, sim, um quesito limitador ao “livre” deslocamento nos Planos Astrais, qual seja a própria condição evolutiva de cada um, que condiciona a liberdade espiritual plena. E, no caso de individualidades recalcitrantes no atraso, a prostração e a desobediência de muitos poderá, em alguns casos, significar a necessidade de participação de terceiros (mentores ou instrutores espirituais) que conduzam este ou aquele Espírito, de um local para outro, para fins de trata-mento, orientação ou reeducação.

3) Dor como necessidade evolutiva – infeliz, desde o princípio, a delimitação, na literatura e na “pregação” espírita, das “duas opções” evolutivas do ser: pelo amor ou pela dor, isto é, sem ou com sofrimento. Veja o leitor, no periódico espírita que costuma ler, as conhecidas e repetidas entrevistas com personalidades (dirigentes, expositores ou médiuns) sobre as temáticas evolução, dor ou sofrimento, em que se propaga a equivocada idéia de que os encarnados “precisam” sofrer para alcançar a felicidade. Há os que alardeiam ser fundamental aceitar (com resignação) todo e qualquer revés da vida, porque o “bem suportar” significará a promoção espiritual para os “gozos futuros”: - Sofre hoje, porque o teu futuro “está garantido”!

A mecânica da dor (ou a sua sistemática, em tom impositivo) não é uma exigência da Lei Natural. Não há, convenhamos, entre as pontuais Leis Morais, nenhuma prescrição sobre o sofrimento necessário. Há muito excesso em tentar acondicionar a dor à Lei de Destruição, como se a transformação da matéria pudesse sugerir a indispensabilidade do concurso do sofrimento em nossas vidas. Outro ex-cesso (ou, no mínimo, impropriedade na diagnose) é considerar que expiação seja necessária e totalmente sinonímia de dor, como “purgação” de erros pretéritos, pré-encarnatórios. Do contrário, melhor seria apresentá-la como dificuldade, obstáculo, ou, até, deficiência, mas, daí, a confiná-la – a expiação – como “sofrimento inafastável”, há uma perigosa e quase absoluta tendência explicativa.

Mais oportuna, vibrante e positiva é a apreciação da dor como reflexo (atual) de nossas posturas, hábitos e comportamentos (atuais ou passados), efeito inteligente de uma causa inteligente, aplicação pura e simples da Lei Divina que governa o Infinito, que nos coloca no papel de atores principais de nossas vidas, construtores de nossos atos, e não marionetes obedientes a instruções, ordens ou condicionamentos de instrutores ou “departamentos” da espiritualidade.

Evidentemente, não param por aí as invencionices ou as deficiências interpretativas. Muitas outras há, tão ou mais preocupantes, contingenciais às nossas limitações evolutivas, realidade que só pode ser modificada com a utilização do único antídoto, apontado pelos preclaros gênios de todos os tempos, luminares espirituais, deste e de outros mundos: o Estudo, sério e dedicado. Vacine-se, pois, freqüentemente... Estudando!

 

Querem acabar com Kardec ! - Carlos de Brito Imbassahy

Atualmente, uma fonte de propaganda doutrinária tem sido a Internet, através de um programa chamado Pal-Talk, com "salas", onde os participantes podem se pronunciar, sob a égide de um coordenador, quer por texto, quer pelo áudio. Há salas que se dizem espíritas, mas querem reformular a doutrina sob alegação de que Kardec esteja ultrapassado e cheio de erros. Baseiam-se fundamentalmente nas mensagens mediúnicas, principalmente de Emmanuel e André Luiz, dando ênfase aos ensinamentos dessas Entidades em detrimento da obra do Codificador. Muito bem! Neste caso, por que, em vez de tentar demolir a obra de Kardec, não fundam estes companheiros a sua própria doutrina baseada nas tais Entidades renovadoras? Não seria mais viável e fraterno? Trata-se de inimigos do Espiritismo porque, para eles, a codificação está eivada de erros e ultrapassada.

Recente e pessoalmente me disseram que Kardec defendia a geração espontânea e que isso era um terrível erro. Só que eles falam, porém não permitem refutação. Seria certo, de fato, baseado em Pasteur que cobriu a carne estragada evitando que as moscas nela pousassem e, assim, não iria gerar nenhum germe, mostrando que a carne deteriorada sozinha não produzia larvas. Se fosse apenas a geração dos seres já existentes, de fato, a demonstração se tornaria óbvia. O problema ultrapassa esta idéia para se apresentar sob outro aspecto: a formação do primeiro ser vivo sobre a Terra. Como teriam surgido, a partir do nada, se não existia, anteriormente, nenhum reprodutor para gerar a formação do ser?

No meu tempo de estudante tinha-se o plâncton como a forma mais primitiva de vida, surgida da agregação de células orgânicas para dar origem à formação dos mesmos. Não seria isso geração espontânea? Afinal, no caso dos gérmens da mosca na carne, eles, sem dúvida representam a reprodução de seres vivos já existentes, tendo antecedentes da espécie para se reproduzirem. Porém, ao se falar em seres primitivos, cuja formação jamais poderia ser definida como sendo a da reprodução de espécie já existente, como explicar seu surgimento? A coisa se complica biologicamente quando, recentemente, uma equipe de pesquisa identificou uma cultura nativa de cianofíceas, anteriores à existência dos plânctons. Como teriam surgido tais “pseudo-algas” azuis? Como se reproduziram se, antes delas nada existia, nem mesmo os aludidos plânctons?

Todas as teorias de justificação da existência do primeiro ser orgânico sem a possível idéia da geração espontânea falecem por um simples motivo: que ser anterior teria gerado o primeiro deles? Está cientificamente provado que nenhuma vida orgânica entraria em nosso sistema planetário (atmosfera) e se manteria em vida latente, isto, supondo-se que tenha vivido fora da atmosfera, advindo de algum mundo distante porque, além do impossível, nada pode se fazer. Viver perdidamente pelo espaço sideral é mais do que impossível. A geração espontânea não existe na reprodução dos seres vivos já existentes, só que esses existem; antes do primeiro, como este seria gerado? Para Kardec, os erros – e existem outros apontados – são, sem dúvida, excludentes; todavia, quando A. Luiz (em Mecanismos da mediunidade) comete uma série de erros de Física, demonstrando que seu conhecimento é restrito a 1945, falando de elétrons a sair pelas escovas do dínamo e outros absurdos, nem se discute o assunto. Todos aplaudem sua concepção relativa à mônada, como se ela existisse; esquecem que é mera ficção de Leibniz.

Em Ciência, só se nega o que não se tem mais condição de afirmar e, em doutrina, desde que seja Kardec, os novos precursores do aludido movimento espírita são os detentores da verdade. Os únicos possíveis erros, de fato, co-metidos pelo mestre lionês se prendem à linguagem usada por ele, chamando as energias de “fluido”, na idéia generalizada que se tinha àquela época e outras expressões que foram reformuladas pela linguagem moderna. Mas, para isto, basta que troquemos o termo usado à sua época pelo atual.

E quanto às antecipações realmente feitas a ele? Como, por exemplo, o caso da “matéria quintessenciada” recentemente descoberta, a estrutura das formas, identificada desde os estudos de Gell Mann há quase meio século, sem falar na existência da vida em Marte, negada pelo Codificador e afirmada por mensagens mediúnicas mais recentes... Kardec é que estaria errado! Querem acabar com o Espiritismo, descaracterizando-o de seus fundamentos!