Revista Harmonia - Ano XX – Nº 149 - Fevereiro 2007

Editorial : A Codificação não é tudo !

Marcelo Henrique Pereira, Editor-Chefe e Mestre em Ciência Jurídica
 

Convivendo a quase três décadas no movimento espírita, volta e meia nos deparamos com situações e posturas um tanto equivocadas, as quais se já não são mais surpreendentes, ainda nos motivam à acurada reflexão. Uma delas diz respeito ao discurso de tribuna acerca da realidade do Mundo Espiritual. Alguns expositores, talvez, maravilhados ante certos relatos contidos em livros psicografados (nem todos submetidos, é bem verdade, ao cotejo com os princípios fundamentais e as orientações contidas nas obras básicas), passam a contar para a platéia “como é” a vida na espiritualidade, descrevendo, até, cenários e contingências “fantásticas” (!), frágeis ante o conteúdo essencial da Doutrina Espírita. Há “modernos" aparelhos e instrumentos, veículos de transporte, ali-mentos, remédios e outros recursos, que mais parecem a continuidade dos nossos cenários físicos, mesclados com alguns elementos de obras de ficção científica, como os célebres livros de Júlio Verne.

Em paralelo, há muitos espíritas que se julgam mais adiantados que os demais, assumindo atitudes como já estivessem vivendo no Plano Espiritual, tal o “desprendimento” das coisas materiais, que aparentam ter. Ou, então, agem, nas mínimas situações da vida física, sem dar tanta importância àquilo que constitui necessidade para o corpo, morada do ser encarnado. Espiritualização em nenhum momento significa a exclusão, a ojeriza, a abdicação dos meios materiais, ferra-mentas ou instrumentos colocados à disposição do homem para o progresso e bem-estar. Há uma aparente e descabida confusão entre uso e abuso, portanto, ou entre os conhecidos elementos do texto evangélico, necessário e supérfluo. Você já se imaginou morando numa residência bem rústica, sem energia elétrica, em zona rural? Gostaria de viver numa casa sem água potável ou rede sanitária? Ficaria despreocupado caso sua esposa, em trabalho de parto, tivesse que recorrer à caridade de um vizinho, para ter seu filho numa bacia? Viveria sem creme dental ou desodorante?

Estas situações, verdadeira-mente, dão o que pensar... Há companheiros nossos, que, se não chegam a esses cúmulos, parecem viver em pleno século XIX, época em que Kardec rascunhou e publicou a primeira versão da obra pioneira, cujo sesquicentenário, agora, comemoramos (1857-2007). Tentam, a todo custo, interpretar as idéias da Codificação como se elas fossem “a modernidade”, a “última palavra” em tudo e para tudo, por todo o sempre... É claro que não podemos desprezar o contexto sócio-histórico-cultural daquela época; ele é a bússola para entender porque Kardec fez esta ou aquela pergunta, ou, em contraponto, o motivo de não ter, ele, abordado tal ou qual situação (engenharia genética, uniões homossexuais, viagens interplanetárias, televisão digital, etc.). Certas pessoas parecem ter parado no tempo... Ou, aparentam viver em outro século, noutra realidade, em outro planeta... Kardec (nem os Espíritos Superiores) não pôde dizer tudo, porque havia muitos outros horizontes de conhecimento a divisar e descortinar, seja por existir limitações de vocabulário, de entendimento, de cientificidade para os homens de seu tempo, como ficou patente nos textos de origem espiritual.

Nosso contributo à obra kardequiana decorre do estudo constante, da revisão comparativa (com o progresso científico e cultural de nosso tempo), submetendo a produção espírita dos encarnados e dos desencarnados, ao exame criterioso de validade, utilidade e sustentabilidade, nas novas proposições e teorias. A codificação não é tudo, nem poderia ser, a não ser que admitíssemos o estacionamento espiritual, individual e coletivo, ou que fechássemos os olhos ao derredor, dogmatizando o Espiritismo. Como um rio que precisa seguir o curso natural, ou, até, precisando edificar diques, represas ou usinas hidrelétricas, deixemos crescer a doutrina, e, melhor, dando nossa contribuição ativa para tal.

 

Crianças e conhecimento - Antônio Henrique
 

É fato: um grande número de crianças passa pela fase de conhecer o mundo, com suas constantes questões sobre o que é e como funciona cada objeto, emoção ou ação que considera novidade. A verdade é que essa fase pode se estender até quase alcançar a idade adulta, mas, com o passar dos anos, a criança aprende a se conter para não ofender ou incomodar aqueles a quem ela recorre, já que por a grande maioria dos adultos considera isso como mera “chatice de criança”.

Para uma criança comum isso é um atraso, pois essas perguntas necessitam ser respondidas para que ela sacie sua curiosidade e conheça o mundo em que irá se envolver futura-mente. É apenas um dos muitos passos que ela dá para se tornar uma pessoa ativa na sociedade. Para uma criança espírita é ainda mais complicado, já que a doutrina envolve questões fáceis e difíceis da vida humana, como reencarnação e mediunidade. A criança que se depara com essas questões tende a se sentir intimidada e precisa perguntar para entender, exata-mente como o adulto. Cabe, então, a esse último agir com precaução e também com empatia e suavidade para explicar à criança o que ocorre. Visto que a maioria recorre à explanação com exemplificação, é necessário exaltar que quão mais “infantil” for o exemplo, mais cuidado se deve ter. Mais tarde, na chamada pré-adolescência, o indivíduo deve ser considerado como alguém capaz de receber informação da mesma forma que um adulto poderia receber, ainda que não com a mesma crueza. O pré-adolescente já está pronto para entender o lema da geração sessentista (sexo, drogas e rock'n roll), assim como assuntos considerados polêmicos, como Guerra e AIDS, o cotidiano da vida que ele vai encontrar em breve.

Claro que cada pai escolherá como educar seus filhos, de acordo com seu modo de vida, as condições e o ambiente onde vivem. Fica apenas a sugestão de que ele encare as perguntas de seus descendentes como uma oportunidade útil de repasse de informação decente e correta a eles, garantindo seu entendimento. Os filhos de espíritas também precisam desse apoio, principal-mente se já estiverem em contato com algum grupo de educação, em que encontrarão assuntos que poderão não querer perguntar aos educadores. Os pais têm de ficar atentos se não quiserem que seus filhos conheçam as respostas "na prática", procurando as drogas ou fazendo sexo inseguro, assim que tiverem a possibilidade. A curiosidade da criança é apenas o indício do adulto questionador que virá, um adulto que buscará tomar conhecimento daquilo que quiser.

A última ressalva é quanto ao material que os filhos terão em mãos durante os anos vindouros. Que os pais tentem também tomar parte dos dias de seus filhos, incitando à leitura de bons livros e à assistência a bons filmes. Devem conhecer o que está criando base para o conhecimento da criança, precavendo-se para que ele não tome informações erradas. Uma diversão ou outra não estraga ninguém, mas a criança que crescer tendo paixão pelo conhecimento se tornará o adulto que virá a participar ativamente do processo de evolução humana na Terra. E conhecimento, neste novo século, é produto ainda mais poderoso.

 

Sexo e Sensualidade - Carlos Augusto Parchen
 

Das questões mais complexas da atualidade, a sensualidade precisa ser bem entendida por todos nós. Antes considerada preconceituosamente como pecado, algo proibido e exacerbação das paixões animais, a compreensão espiritual nos endereça ao caminho para os legítimos prazeres da vida, no equilíbrio entre sensualidade e espiritualidade. 

“Ensinam-nos [os Espíritos] que o egoísmo, o orgulho, a sensualidade são paixões que nos aproximam da natureza animal, prendendo-nos à matéria.”

(KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Introdução, Item VI, Resumo da Doutrina Espírita.)

 

“694. Que se deve pensar dos usos, cujo efeito consiste em obstar à reprodução,

para satisfação da sensualidade?

Resposta: Isso prova a predominância do corpo sobre a alma e quanto o homem é material.

(KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Questão 694, em “Obstáculos à reprodução”.)

 

O sentido de sensualidade, como colocado na obra de Kardec, não é o mesmo de sexualidade, nem de erotismo. Sensualidade, nesse caso, está colocada no sentido de "paixão" pelo sexo, do vício pelo sexo, da busca desenfreada pelo sexo. Todo vício prende à matéria, pois causa dependência psíquica dos “prazeres” sentidos pelo corpo. A forte energização telúrica propiciada pelos vícios, liga o ser aos padrões materiais.

Perguntaríamos: Mas, na relação sexual, seja ela entre marido e mulher ou simplesmente entre homem e mulher, a sensualidade não está sempre presente? Não no sentido colocado na época por Kardec. Lembremos e contextualizemos a época. Muito modernamente, nos últimos 50 ou 60 anos é que o sentido de sensualidade passou a ser sinônimo de erotismo. Na verdade, no contato sexual entre homem e mulher, ocorre sempre o erotismo, cujo sinônimo atual é de sensualidade. Mas, no sentido colocado em O livro dos espíritos, “sensualidade” é colocada no sentido de “paixão desenfreada pelo sexo” ou “vício pelo sexo”.

A sexualidade, o erotismo e o sexo são fatores naturais que, utilizados com responsabilidade e discernimento, trazem prazer e propiciam importantes trocas energéticas. Comer é necessário; comer de forma irresponsável mata! Beber vinho com moderação pode fazer bem à circulação e ao coração; beber vinho em excesso destrói o ser! Adrenalina é bom para aumentar nossas potencialidades; adrenalina em ex-cesso provoca sérios distúrbios orgânicos! Não há nenhuma contradição entre sexo, erotismo e evolução. Tudo é uma questão de dose e de limites...

Outra questão importante diz respeito ao controle de natalidade; quando, hipoteticamente, um casal já teve os filhos que queria, as relações sexuais entre eles terão o único objetivo de satisfazer o desejo sexual? Neste caso, para se libertarem da matéria eles teriam que se abster de relações sexuais? Devemos entender que o sexo é somente destinado à re-produção? Claro que não! Temos todo o direito de controlar a reprodução e de ter prazer e trocas energéticas através do sexo. Mais uma vez, a palavra chave é responsabilidade, é equilíbrio e é amor. A união estável entre homem e mulher necessita do sexo e do erotismo, e isso não ofende a Lei Divina ou Natural.

Sexo com responsabilidade, sexo com bom senso, sexo com amor. Esse é o tripé da sexualidade. Sexo é instrumento utilizado pela re-produção, mas sua finalidade não é só essa, pois se assim fosse, a mulher teria “cio” e o homem só teria o desejo despertado pelo ferormônio do cio. Sexo é muito mais que isso: é entrega, é complementação, é cumplicidade, é troca, é dar e receber mútuos. Tudo é uma questão de dose e de foco.

Lembremos também, ao estudar Kardec, que os livros foram escritos em outra realidade temporal, cultural e social, e que, para serem trazidos à época atual, é necessário uma cuidadosa contextualização. Leia a “Teoria da Beleza”, em Obras póstumas. Veja qual vai ser sua primeira impressão. Achará que Kardec estava louco e era preconceituoso, no entanto, é apenas uma questão de contextualização. O livro foi escrito na Europa, por um europeu, há mais de 150 anos atrás; tem que ser analisado na ótica da época, e não na atual, que mudou, e muito. Isso vale para a questão da sensualidade.

Entre homem e mulher, que se busque o amor verdadeiro; o amor sensual virá em decorrência. Simples e prazeroso.