Revista Harmonia - Ano XX – Nº 148 - Janeiro 2007

Editorial : Mudanças

Marcelo Henrique Pereira, Mestre em Ciência Jurídica

Esta edição tem uma conotação muito especial. Após relativo tempo de maturação, com a avaliação de diversas alternativas e variáveis, estamos inaugurando uma nova fase, no HARMONIA. De prima, alterações estéticas, na quantidade de páginas e no tamanho do periódico e, com isso, também, no padrão de fontes, já que nosso público "reclamava" do reduzido tamanho das letras, dificultando a leitura, sobretudo em face de vistas cansadas, pelo curso dos anos. As páginas, igualmente, transparecem, agora, uma maior "limpeza", tornando-se mais agradável a visão de conjunto (texto, detalhes, imagens).

A Revista conta, a partir deste momento, com vários articulistas de renome local, nacional e, até, internacional, pessoas que ao longo do tempo se tornaram conhecidas da Equipe Editorial, ou que, por seus trabalhos e artigos, foram convidadas a escrever, periodicamente, nestas páginas. Falando em equipe, está de volta o Conselho Editorial, que é responsável pelo "conjunto da obra", tanto na "garimpagem" de matérias, reportagens, artigos e entrevistas, quanto pela revisão do material encaminhado pelos leitores e colaboradores, visando publicação, para verificar a adequação dos mesmos à linha editorial do HARMONIA.

Toda mudança, a princípio, provoca reações as mais diversas, sobretudo em face do impacto da novidade. Nossos costumeiros leitores, por exemplo, vão procurar esta ou aquela coluna, página após página, e irão constatar que algumas seções foram substituídas por outras ou, simplesmente, não estarão mais sendo editadas, sem demérito, mas pela adoção de uma nova política editorial.

As linhas mestras desta nova fase, portanto, podem ser assim elencadas: 1) Interação com o Público, mediante canais permanentes de comunicação, por via eletrônica, telefônica ou postal (veja quadro ao lado), bem como pela presença da coluna "Interatividade" (página 27); 2) Compromisso com a Totalidade do Conhecimento Espírita (Ciência, Filosofia e Moral); 3) Prática da Alteridade, isto é, a oportunização ao debate constante, seja pela apresentação de pontos de vista aparentemente contraditórios (ou, pelo menos, diferentes) sobre certa temática, seja pela franquia ao "direito de resposta", ou, simplesmente, a contrafação das idéias esposadas na revista, por este ou aquele articulista ou colaborador; e, 4) Aperfeiçoamento Constante, motivado pela reavaliação de cada edição, a definição de pauta e o intercâmbio com outros periódicos, do Brasil e do exterior.

Por fim, esperamos que as mudanças causem em você, leitor, o necessário estímulo à leitura, ao estudo e à prática espíritas, bem como lhe motivem para o exercício da crítica construtiva, calcada na efetiva participação dos espíritas conscientes, na comunicação das idéias espíritas na Sociedade e na construção - de um HARMONIA e - de um mundo melhor.

 

Cidadania e Meio-Ambiente: A questão do lixo

Marcelo Henrique Pereira

A vida da modernidade tem contornos específicos e problemas marcantes. Muitos, inclusive, cuja projeção para o futuro (mais ou menos distante) aponta para situações de relativa gravidade, para não dizer inviabilidade. Uma das mais significativas mudanças dos últimos tempos, tem sido a acentuada concentração de pessoas em núcleos populacionais urbanos de cidades de médio e grande porte, gerando situações como o aumento da violência, o crescimento desenfreado das cidades, a deficiência na limpeza urbana e no saneamento, a poluição em variadas formas (sonora, visual, do ar, do solo, da água), o desmatamento e a redução de áreas de circulação comum e espaços de lazer, entre muitos outros.

Prevalece a “busca pelo éden”, calcada na idéia (quase sempre não concretizada) do alcance de melhores oportunidades e condições de vida, que resultam, em contraponto,          para muitos, na submoradia, subemprego e na ausência dos mínimos padrões de qualidade de vida.

Um dos problemas mais prementes é a questão da coleta e da destinação de resíduos sólidos. Em primeiro plano, não há uma conscientização para a reciclagem de materiais e, conseqüentemente, quase todo o lixo que produzimos é acondicionado nos mesmos recipientes, inviabilizando a possibilidade do reaproveitamento de determinados materiais. Em segundo plano, também é visível o esgotamento das áreas disponíveis para destinação do lixo urbano, pois muitos locais ou já estão esgotados ou caminham largamente para isso. Novos locais, como se sabe, dependem de criteriosa burocracia (pareceres ou relatórios de impacto ambiental que dificilmente são obtidos, em virtude do amplo potencial danoso dos dejetos).

Hely Lopes Meirelles (Direito administrativo, 25. ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 529) reforça a idéia da proteção ambiental, que “[...] visa à preservação da Natureza em todos os elementos essenciais à vida humana e à manutenção do equilíbrio ecológico, diante do ímpeto predatório das nações civilizadas, que, em nome do desenvolvimento, devastam florestas, exaurem o solo, exterminam a fauna, poluem as águas e o ar.” E completa atestando que a destruição da Natureza tem estreita ligação com o desmedido crescimento populacional, assim como o avanço científico e tecnológico.

Flagrante, portanto, o dever estatal de promover a proteção ambiental, por diversos instrumentos, entre os quais, para a matéria objeto deste artigo, a política de desenvolvimento urbano, por diretriz constitucional federal (art. 182, caput) e com supedâneo na Lei Federal n. 10.257/01 (Estatuto da Cidade), visando o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

Uma cidade há de ser sustentável e o condão de sustentabilidade perpassa a noção da correta destinação do lixo e, também, do reaproveitamento potencial dos materiais ditos recicláveis, mediante a adoção de políticas claras e constantes, medidas e estratégias que favoreçam tanto a gestão político-administrativa quanto a conviviabilidade e o progresso humanos.

Cada cidade com mais de 20.000 habitantes, assim, teve a obrigatoriedade de, até 6 de outubro de 2006, elaborar um novo Plano Diretor como instrumento básico da política municipal de desenvolvimento e expansão urbana.

O paradigma lavoisieriano deveria ser (parcial ou integralmente) cumprido por nós humanos, permitindo-se uma (maior e melhor) readequação de conceitos, a partir da idéia de que “tudo se transforma”. Em linhas gerais, o homem – animal inteligente – desperdiça (e muito) aquilo que considera descartável ou desnecessário. Há tempos, pessoas e instituições têm se debruçado sobre esta questão, para enquadrar alternativas de minimização do efeito danoso do lixo que a Humanidade produz. Neste sentido, foi concebida a teoria dos três “erres”: Reduzir, Reaproveitar e Reciclar. Pela ordem, diminuir a quantidade de resíduos produzidos (em face da economia que é evitar o resultado do que tratá-lo); se impossível, permitir a reutilização de todo e qualquer material que não esteja em condições de descarte, evitando custos com novos ou distintos; por fim, submeter o material coletado a novos processos produtivos, readaptativos, para recolocá-los no mercado, de modo idêntico, similar ou, em último caso, produzir energia, o que, em essência, gera custos, mas inegavelmente menores do que a mera disposição em aterros.

Quatro categorias de produtos estão sujeitos, em princípio, à reciclagem: metais, plásticos, papéis e vidros, bem como todo e qualquer material orgânico. Neste último caso, o destino usual tem sido a adubação do solo.

A reciclagem do lixo, assim, é um complexo sucessivo de atos que principia (ou deveria principiar) pela coleta seletiva, induzindo (ou forçando) o cidadão a participar da mecânica de separação do lixo domiciliar, em embalagens e recipientes destacados e diversos. Vários centros urbanos já dispõem – seja por iniciativa pública ou privada – de reservatórios e veículos especializados na coleta seletiva, resultando em benefícios diretos – econômicos ou não – e indiretos, apesar de, em termos financeiros, os custos serem superiores ao recolhimento usual de lixo.

A coleta seletiva, assim, enquadra quatro vertentes básicas: econômica, ambiental, social e política. Econômica em função de todo um mercado de reciclagem, tanto em termos de seleção, transporte e transformação, quanto na disponibilização de um novo produto para o consumidor. Ambiental porque permite a redução dos níveis poluitivos e a degradação do meio-ambiente. Social porque, além do aspecto e(ou re)educacional, surgem outras oportunidades de trabalho para a mão-de-obra não-qualificada, que provavelmente estaria na marginalidade ou sem trabalho pelas vias usuais (pobreza e exclusão social). Política porque movimenta governos, Sociedade, partidos políticos, movimentos sociais, enfim, uma variada gama de atores interessados na redução dos problemas sociais e na discussão de alternativas para estes últimos.

No âmago desta questão – a do lixo – está um componente eminentemente pedagógico, a conscientização humana, derivada da noção de responsabilidade, comprometimento e participação. Um valor fundamental de cada indivíduo, calcado na reeducação de comportamentos, investindo-se numa nova cultura que principia pelas ações de separar, limpar e acondicionar corretamente todo o lixo individualmente produzido, sem grande gasto de tempo ou energia pessoal, desde que incorporado aos hábitos do dia-a-dia.

Todavia, como toda transformação, exige um certo grau de esforço inicial para superar o comodismo e a negação dos resultados, ou a preguiça e a opinião de que “isso não vai dar certo” ou “isso dá muito trabalho”.

Reciclagem é, pois, evidência de cidadania plena.

 

Como Kardec Faria ?

Aristides Coelho Neto

Se o Cristo voltasse sem ser por meio da Doutrina Espírita, mas, sim, fisicamente, como seria? Freqüentemente aventamos essa hipótese, numa avaliação de nossa postura cristã.  E se o mesmo acontecesse com Kardec? Como seria? Ele daria retoques na Doutrina? Iria complementá-la de que forma? Adaptá-la-ia aos tempos modernos?  Alguns dizem que Kardec já veio.  Afirmam também que muitos nem se aperceberam disso e, supostamente, tanto veio que já está prestes a retornar (ou retornou) à verdadeira pátria... Fica difícil afirmar com certeza.  E acabamos por concluir que enveredar por tais conjecturas nem ajuda, nem chega a constituir um desserviço – simplesmente não deve alterar as nossas metas de crescimento.

Que a Doutrina Espírita está num processo de crescimento, não tenho dúvidas.  O caráter dinâmico da Doutrina foi externado por Kardec em muitas oportunidades. No que se refere ao retorno de Kardec ao nosso convívio pelo envoltório físico, vale lembrar que houve praticamente uma fixação da época em que isso ocorreria (vide Obras póstumas). Mas no que tange à adaptação do Espiritismo à realidade atual, havemos de convir que não poderia haver determinação temporal precisa.  Por isso, da mesma forma que “o terceiro milênio já começou” (a transição planetária que se processa), podemos dizer que complementações à obra de Kardec – a palavra complementações deverá incomodar muita gente – também estão se processando.  A dificuldade que se afigura é: como passá-las pelo crivo do bom senso. 

O detalhamento da obra basilar da Doutrina pela mediunidade e dedicação de Chico Xavier é uma prova contundente de que as cinco obras de Kardec (se considerarmos O que é o espiritismo e Obras póstumas, seriam sete) não conseguiram abranger tudo que se fazia necessário para que o Cristianismo Redivivo pudesse brilhar em todo o seu esplendor.  Adelino da Silveira, em seu livro Kardec prossegue,  fala-nos das pressões que, naturalmente, foram exercidas sobre a obra nascente do Espiritismo, impondo a Kardec uma abordagem tímida - se assim podemos dizer - quanto à parte religiosa, que, agora, por meio do Chico (com André Luiz, Emmanuel e outros), está mais completa, não há quem possa negar.

E agora? Podemos concluir que a Doutrina parou, ou vai parar por aí? Fecham-se as suas portas? Não seria racional acatarmos essa premissa. Estaríamos pregando o retrocesso e conferindo-lhe um caráter estático que não combina com o arrojo do mestre Rivail.

Não devemos dissociar Espiritismo de Kardec. Assim, vale a pena continuarmos em nossa linha de raciocínio aludindo aos “ganchos” deixados pelo próprio Codificador, concernentes às características flexíveis e dinâmicas da Doutrina.  Sobre o caráter progressivo da Doutrina, Kardec assim se posiciona em Obras póstumas ("Dos Cismas"): “Pelo fato de a Doutrina não se embalar com sonhos irrealizáveis, não se segue que se imobilize no presente. Apoiada tão-só nas leis da Natureza, não pode variar mais do que essas leis; mas se uma lei nova for descoberta, tem ela que se pôr de acordo com essa lei. Não lhe cabe fechar a porta a nenhum progresso, sob pena de se suicidar. Assimilando todas as idéias, reconhecidamente justas, de qualquer ordem, físicas ou metafísicas, jamais será ultra-passada, constituindo uma das principais garantias da sua perpetuidade.”

É com preocupação que vemos irmãos de caminhada apresentarem sérias deficiências de interpretação de conceitos ou fatos a que Kardec não fez referência em sua obra. “Kardec não disse isso, Kardec não disse aquilo...”, proclamam.  Bem, muitas vezes não disse porque não cabia dizer.

Kardec, referindo-se à conhecida proibição de Moisés aos hebreus, no sentido de não evocarem as almas dos mortos, observa que a proibição de se fazer uma determinada coisa implica a possibilidade de fazê-la. Cita: “Será necessário decretar-se uma lei proibindo a subida à Lua?” (Viagem espírita em 1862, Ed. Clarim). Talvez nem imaginasse que o homem daí a cem anos pisaria lá... Mas imaginava, isso sim, que a sua obra não ficaria ofuscada diante do brilho das transformações. [...] Kardec não conseguiria falar de tudo, já que codificava uma doutrina para o futuro. E o que Kardec não disse – ora vejam! – tem confundido irmãos incautos, ávidos de tomar partidos, assumir posições, às vezes defensivas e cegas de guardiães dos postulados kardequianos. E é dentro dessa linha que, muitas vezes, tem-se julgado ou prejulgado conceitos novos.

[...] Se adentramos o terceiro milênio e as inovações tecnológicas avançam em progressão geométrica, e se admitimos que a Doutrina Espírita deverá acompanhar a marcha acelerada do contexto planetário em que está inserida, existiria data marcada para essa adaptação? Vai começar ou já se iniciou o processo? Como iremos julgar? Com um espírito crítico de tolerância, de minudência e bom senso, sem ortodoxia, ou apostando na estagnação? Se Kardec, voltado à ciência e experimentação, não fosse um progressista, certamente não teria avançado pelos caminhos que desbravou. Repito: como Kardec faria hoje ?