Artigo de Reinaldo Di Lucia - Publicado na Espirit Net em Abril de 2001

ASPECTOS MAIS QUE TRÍPLICES

Há uma clara tendência dos diversos movimentos espíritas existentes em privilegiar, de alguma forma, vários tríplices aspectos para o espiritismo. O mais conhecido é o bordão da FEB, exaltando o espiritismo religioso, com seu ciência-filosofia-religião. Contestando o caráter religioso do espiritismo, pensadores independentes, com o apoio da Confederação Espírita Pan-americana ( CEPA ), propuseram o trinômio ciência-filosofia-moral.

Esta tendência não pertence somente ao espiritismo. Em muitas das tradições culturais, filosóficas e religiosas de diversas épocas da humanidade, observa-se freqüentemente o número três como um número sagrado, sobre os quais baseavam-se toda a doutrina. Assim foi com a civilização celta, com suas tríades. Os egípcios possuíam grupos de três deuses ( por exemplo, Osíris, Ísis e Hórus ), assim como a tradição indiana ( Brahma, Vishnu e Shiva ). Na filosofia pitagórica, a décade era representada por um triângulo. Os cristãos até hoje propõe a Santíssima Trindade ( pai-filho-espírito santo ). E, se mais fosse aprofundado, mais casos apresentar-se-iam.

Há diversas razões pelas quais as coisas são desta forma. As mais prováveis referem-se às tradições esotéricas, os conhecimentos secretos, que privilegiavam a geometria como modo de acesso à verdade. Explicações místicas também existem, e ligam-se a supostos poderes especiais da pirâmide e do triângulo, ambos relacionados com o número três.

Entretanto, o espiritismo não está ligado a nenhuma destas escolas que pregam a sacralidade do número três. Em essência, o espiritismo é uma ciência filosófica que busca a verdade através da experimentação e do uso da razão. Não tem, assim, nada de místico ou de esotérico, caminhando, de acordo com Allan Kardec, seu fundador, paripasso com a ciência em todos os seus avanços.

Não existe, assim, nenhuma trindade espírita, nem mesmo em aspectos conceituais. Sem dúvida, o espiritismo é uma ciência, na verdade uma ciência experimental, posto que baseada em fenômenos observáveis, tais como o mediúnico. Ao mesmo tempo, propõe uma cosmovisão nova, uma forma distinta de ver o Universo. É, portanto, uma filosofia. E, uma vez que o principal objeto de estudo da doutrina espírita – o espírito inteligente – requer uma postura particular ante o mundo que o cerca, pode-se falar numa postura ética característica do espiritismo.

Mas isto não forma um tripé conceitual. A ética é uma das partes da filosofia, e, como temos uma filosofia espírita, pode-se falar de uma epistemologia espírita, de uma metafísica espírita, de uma ontologia espírita, enfim, de todo um conjunto de estruturas características desta filosofia.

Espiritismo é ciência e filosofia, por razões muito características. Se os espíritas compreenderem isto, o que já não é pouco, entenderão que sua necessidade principal é o estudo. Estará dado o passo principal para sua evolução e perpetuação, sem necessidade de tríplices aspectos que fazem apenas mecanizar conceitos.