

Artigo de Charles Odevan Xavier - Fevereiro de 2005
"A crença em 
Deus e no Diabo, por mais bizarra que seja, faz desses dois fantasmas uma 
realidade viva logo que uma coletividade os julga presentes o suficiente para 
inspirar os textos de suas leis"
Raoul Vaneigem
Este texto pretende ser uma livre reflexão sobre a divindade. Tão livre e 
racional que poderá chocar um ou outro cristão, mais acostumado em sentir deus, 
do que propriamente pensá-lo.
Deus é um desses fenômenos curiosos de que se ocupam os humanos. É interessante 
perceber que algo que não ocupa lugar no espaço - portanto, não tem largura, 
altura ou comprimento e o que não tem medidas não existe; é o que diria qualquer 
terceiranista de Física - ocupa a mente e o coração das pessoas.
Alguns dizem que Deus é um só, entretanto cada povo deu uma versão diferente de 
Deus. A versão bíblica é a mais mesquinha de todas: um Deus rancoroso, 
vingativo, machista, racista, misógino e homofóbico. A versão do povo iorubano 
da África talvez seja a mais generosa de todas:Um Deus representado pela chuva 
que molha o campo e traz caça e pesca para todos.
Não diria que Deus existe ou não, porque a partir do momento em que problematizo 
Deus e sua existência, ele automaticamente passa a existir, ainda que não exista 
de fato.
Deus é uma abstração.Talvez por isso, Platão o tenha colocado ao lado dos 
logaritmos e das formas geométricas puras de um suposto mundo das idéias. O 
mundo das idéias platônico também não ocupa lugar no espaço e, no entanto, está 
na cabeça de qualquer matemático, engenheiro ou arquiteto.Assim à alegoria desse 
mundo desterritorializado corresponde a idéia de Deus.
No romance "O perfume" de Patrick Süskind, o protagonista (um assasino serial) 
por uma deficiência cerebral tem uma dificuldade enorme de entender abstrações; 
ele só entende o que tem cheiro. Assim, Deus, bem, mal, certo, errado são sem 
significado pra ele e isso justifica os seus crimes.
Isto traz uma boa divagação pra nós. Se Deus é inodoro, invisível e intangível, 
contudo isso não é o suficiente para que digamos ser Deus uma imensa alucinação 
coletiva. Estado, Nazismo e Amor também são inodoros e quem ousaria dizer serem 
as três coisas citadas alucinações?
No meio anarquista de que faço parte, não é muito inteligente acreditar em Deus. 
Deus seria, ao lado de conceitos como Pátria, propriedade, uma grande 
mistificação ou superstição, que tem sido usada para escravizar as pessoas.
Realmente o Deus pessoal da Bíblia foi usado para massacrar indígenas, 
escravizar africanos, espoliar judeus e árabes, perseguir homossexuais, queimar 
cientistas e bruxas na Idade Média. Assim, a história da igreja é uma história 
de crimes e atrocidades.
Mas se Deus existir e estiver acima das conveniências e interesses de humanos 
poderosos? Carl Sagan, astrofísico, respondeu a um repórter sobre sua opinião em 
relação a existência ou não de Deus: "Bem...Se você chama Deus uma força que 
garante o equilíbrio cósmico.Sim, eu acredito em Deus. Mas emocionalmente isso é 
nulo, pois ninguém rezaria para a lei da gravidade".O interessante é que os 
hindus intuiram isso há cinco mil anos, quando conceberam o ser supremo no frio 
e impassível Brahman.
Assim, Deus existiria, mais estaria mais próximo do "relojoeiro" que concebeu um 
universo que funciona sozinho e sem a sua constante intervenção, do que ser um 
suposto poder executivo de uma "sociedade bem policiada" que partiria de um 
centro que a Astrofísica já demonstrou não existir.
E pra finalizar. Seria Deus uma consciência internalizada do certo e do errado 
que surge em momentos de dúvida, como uma espécie de repositório onde a cultura 
depositou tudo o que deve ser feito e tudo o que deve ser evitado? Mas não seria 
isso que Freud batizou de "Superego"?