Artigo de Katia Penteado - Março de 2005

O Fogo Amigo

Precisamente um mês após ter sido seqüestrada, a jornalista italiana Giuliana Sgrena, no dia de sua libertação – 4 de março – foi ferida no ombro durante ataque de soldados norte-americanos ao carro que a conduzia ao aeroporto de Bagdá.  Com ela estavam dois agentes secretos italianos.   Como resultado, ficou ferida no ombro e um dos seus acompanhantes, mais especificamente Nicola Calipari, que negociara sua libertação, morreu tentando protegê-la com seu próprio corpo.  Essa notícia vem comovendo, aterrorizando e inquietando o mundo, pois a seqüestrada escapa “inteira” de seus algozes para ficar ferida em virtude de “fogo amigo”. 

Alguns afirmam: isso é guerra. Mas será que o fato de aquela região estar vivendo uma guerra explica tudo? E para nós espíritas, será que isso é justificativa?  Para fundamentar nossa reflexão, nada melhor do que buscar as obras da codificação.

Guerras, crueldade e assassínio são temas tratados em O Livro dos Espíritos no capítulo referente à Lei da Destruição.

Nessa obra encontramos informações interessantes, capazes de nos mostrar que Deus tira o bem do mal e que a evolução é contínua e ininterrupta, pois, mesmo que não aconteça evolução moral, o progresso intelectual se efetua sempre e que é preciso que tudo se destrua para renascer e se regenerar, ou seja, não há destruição, mas transformação, sempre com o objetivo da renovação e da melhoria dos seres vivos e que a cada nova existência ascende-se um degrau na escala do aperfeiçoamento.

Com base nisso, naturalmente surge uma pergunta: sempre passaremos por esses acontecimentos?  Popularmente é dito que sempre é muito tempo.  Corroborando essa afirmação, os espíritos consultados por Allan Kardec durante a elaboração de O Livro dos Espíritos nos garantem que a necessidade de destruição se enfraquece no homem à medida em que o Espírito vence a influência da matéria, ou seja, como fruto do desenvolvimento intelectual e moral.

Na seqüência, vários outros questionamentos seguem, relacionados aos objetivos disso tudo, à responsabilidade daquele que comete um assassinato durante uma guerra e de quem morre em batalha – a morte do agente cabe aqui – e daqueles que praticam atos como seqüestros e torturas. Vamos por partes...

Sabemos que nada existe de inútil e que até o mal tem ao menos o objetivo de nos fazer valorizar o bem, ou seja, Deus tira o bem do mal e é preciso que o mal chegue a níveis intoleráveis para que possamos compreender a necessidade do bem.

Como, então, podemos entender a lição da guerra, da violência em todos seus níveis, que vimos acompanhando em nosso dia-a-dia, e dessa praticada conta a jornalista e o agente?  A meta é nos fazer progredir mais rapidamente, favorecendo o entendimento da justiça, da liberdade, do progresso e das vantagens na prática da lei de Deus

Sendo assim, aquele que comete um assassinato durante uma guerra, quando constrangido à forma, não é culpado, mas responde pelas crueldades que cometa ao mesmo tempo em que é levado em conta o sentimento de humanidade com que proceda, pois o sentimento de crueldade configura o instinto de destruição no que tem de pior e é sempre fruto de uma natureza ainda vinculada ao mal, com senso moral rudimentar ou pouco desenvolvido.

No caso presente, além dos que seqüestraram a jornalista e dos outros que atiraram no carro, há um homem que se destaca por haver colocado sua vida em risco para salvar a vida de um semelhante.  Nesse vemos exatamente o oposto, ele se torna o contraponto de toda a história e reaviva a fé no ser humano, pois ao proteger a compatriota com seu próprio corpo ele demonstra, além do sentimento de dever intrínseco ao trabalho que realizava, devotamento e abnegação.

A comoção de grande parte da população da Terra com o caso mostra que pouco a pouco o homem se instrui, evolui, passa a concorrer com o cumprimento dos desígnios da providência, mesmo que tropegamente, rumo à sua destinação: a condição evolutiva que lhe conferirá o sentido necessário para compreender a natureza íntima de Deus, ou seja, a perfeição moral.  Nesse meio tempo, até chegarmos lá, enquanto parte a geração mais resiste ao bem, os que ficam terão auxiliado a geração que chega a colocar o planeta em um novo patamar, onde o bem se sobrepõe ao mal e onde a fraternidade é a pedra angular de uma nova ordem social.  E desse grupo de homens fazem parte todos aquele que se comovem, que se sensibilizam, que lamentam e que vibram para todos aqueles que sofrem, mas também para aqueles que são geradores do mal ou se aproveitam do mal provocado.

Leitura recomendada – autor Allan Kardec

O Livro dos Espíritos, questões 10 e 11, 619 a 646, 702, 728, 733 e 734, 737, 743 a 749, 752 a 754, 784 a 789

A Gênese - capítulo 28 itens 17 a 35

O Evangelho Segundo o Espiritismo - capítulo 5 – item 30