Artigo de Katia Penteado - Maio de 2005

A Educação de Crianças e Adolescentes: o papel de cada um

No dia 15 de maio, aconteceu a eleição do Conselho Tutelar para a cidade de São Paulo, vinculado ao Condeca – Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente. Instituído pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal nΊ  8069, de 13 de Junho de 1990), o Conselho Titular se constitui órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos das crianças e dos adolescentes, definidos na Lei.

Os conselheiros eleitos (175 pessoas) são responsáveis pela defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes, ou seja, o papel não é simples: eles têm de lidar com problemas de violência doméstica, abuso sexual, falta de vagas em creches, uso de drogas e álcool, tendo, assim, papel fundamental na defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes. Para executar seu trabalho, os conselheiros tutelares necessariamente não precisam ser técnicos nem ter qualquer formação universitária ou curso superior, pois a sua finalidade é zelar, é ter um encargo social para fiscalizar se a família, a comunidade, a sociedade em geral e o Poder Público estão assegurando com absoluta prioridade a efetivação dos direitos das crianças e dos adolescentes, cobrando de todos esses que cumpram com o Estatuto e com a Constituição Federal.

Aqui já temos assunto suficiente para muita reflexão... mas minha intenção é aprofundar um pouco mais o debate sobre a responsabilidade de cada um, tanto no âmbito individual, quanto coletivo. Sendo assim, , segue mais um recorte de nossa realidade, descrito pela psicóloga Rosely Sayão, na Folha de S. Paulo do dia 13 de maio,em artigo intitulado "Jogo de empurra-empurra".

A articulista escreve que "está na hora de parar com essa história de a escola responsabilizar alunos e pais pelos problemas que são seus e de pais se omitirem de seu trabalho". E qual é o trabalho dos pais e da escola para a articulista? "Os diretores e coordenadores afirmam que o problema são os pais, que terceirizam a educação de seus filhos. O argumento é o de que as famílias não têm tempo nem disponibilidade para a tarefa de educar. Isso significa que os filhos chegam à escola sem nenhuma civilidade, sem educação e sem saber respeitar a autoridade, o que inviabiliza a convivência respeitosa com os professores e leva ao quadro da indisciplina generalizada. (...) Os pais, por sua vez, adotaram o papel de proteger o filho de tudo o que possa desagradar, magoar, frustrar, provocar sofrimento ou angústia etc. Isso resulta em intervenções absolutamente inadequadas no espaço escolar que só têm uma utilidade: a de evidenciar que eles não confiam na escola nem delegam a ela seu papel. Não permitem que o filho aprenda a ser aluno.(...) Em resumo: estamos responsabilizando essa geração pelo nosso fracasso. Eles estão pagando, e bem caro, a conta que é nossa. (...) O que eles pedem é a presença firme e competente dos professores. Em casa, precisam dos pais exercendo sua função. Como eles não têm o recurso da campainha para sair da cena, fazem barulho".

É com base nesses dois ângulos que vamos partir para a nossa reflexão, pois as necessidades das crianças e dos adolescentes devem ser atendidas junto à família, à sociedade e ao Estado, e não apenas junto à escola ou ao Conselho Tutelar, que para cumprir seu papel de fiscalizar o eficiente funcionamento do Sistema de Proteção Integral, só deverá ser chamado a atuar quando quem de direito não fez o que deveria ser feito ou cumpriu seu dever de forma irregular.

A sociedade, todos sabemos, é a somatória do individual. Todos, queiramos ou não, influenciamos e somos influenciados o tempo todo. Juntos formamos e construímos a sociedade e o mundo em que estamos inseridos. A isso soma-se o fato de que qualquer pessoa sabe que a família é a base da sociedade, pois o grupo familiar é a primeira sociedade com que todos tomamos contato. A esses conceitos gerais, agregam-se os conhecimentos e as teorias particulares, como aqueles que nos chegam via Doutrina Espírita e que nos mostram que a família é nosso principal ponto de reajuste e de realinhamento e, portanto, é sumamente importante em nosso processo evolutivo.

Sabemos também que nosso comportamento em família será extrapolado para nossa relação com a sociedade, os colegas de escola, de trabalho, de casa espírita. Desse modo, fica fácil perceber a imensa importância do grupo familiar em nossa formação a cada encarnação e a isso vincula-se a responsabilidade dos pais no encaminhamento de seus filhos.

Tudo parece lugar-comum, mas será que exatamente por ser clichê não está faltando ser relembrado? Entre as pessoas com quem trabalhei profissionalmente e que marcaram minha carreira, houve um em especial, já desencarnado, que sempre dizia: o óbvio deve ser dito. Parafraseando-o afirmo que o lugar-comum deve sempre ser ressaltado para não ser esquecido...

Dessa forma, convido-o, leitor, a refletir comigo... não tenho respostas, tenho questionamentos e inquietações. À disposição de todos nós, há, ainda, informações que a Doutrina Espírita nos proporciona, e é com base nessas informações que tecerei meu raciocínio.

Consideramo-nos, com o endosso da Sociologia, seres civilizados... E essa é de fato uma verdade, mas ainda relativizada. A injustiça social e os preconceitos, entre tantos outros senões, mostram o quanto estamos distantes de uma civilização moralizada, justa, com costumes mais intelectuais e morais do que materiais, em que as leis (ou a conta bancária ou o poder político) não concedam privilégios nem sejam parciais; em que a vida do homem, suas crenças e opiniões, sejam respeitadas; em que haja menos miseráveis e em que todos estejam seguros de não lhes faltar o necessário.

O papel do Espiritismo no progresso e na correção desses rumos,conforme consta de O Livro dos Espíritos, questão 799, pode ser disposto como o nosso papel individual: "Destruindo o materialismo, que é uma das chagas da sociedade, o Espiritismo faz os homens compreenderem onde está o seu verdadeiro interesse. A vida futura não estando mais velada pela dúvida, o homem compreenderá melhor que pode assegurar o seu futuro através do presente. Destruindo os preconceitos de seita, de casta e de cor ele ensina aos homens a grande solidariedade que os deve unir como irmãos".

Particularizando, qual é o papel dos pais? Ainda O Livro dos Espíritos, nas questões 583, 583 e 892, garante que para os pais os filhos são um encargo que lhes foi confiado e sua missão é a de fazer todos os esforços para os conduzir ao bem. A paternidade é uma missão que implica sua responsabilidade para o futuro. Por isso, quanto mais as disposições da criança são negativas, mais a tarefa é pesada e maior será o mérito dos pais se conseguirem desviá-la do mau caminho. Os desgostos causados pelos filhos são, quase sempre, a conseqüência dos maus costumes que os pais deixaram os filhos seguir desde o berço. Eles colhem, portanto, o que semearam... Eis a Lei de Causalidade definindo as relações domésticas e familiares, chamando-nos à nossa responsabilidade com o futuro daqueles com quem vivemos e principalmente dos que tomamos a nosso encargo na presente encarnação como filhos.

É claro que os pais não conseguem transformar seus filhos por suas palavras, ensinamentos e atitudes, mas o dever é trabalhar com os que estão sob sua responsabilidade para orientar, despertar os bons sentimentos e levar à reavaliação de suas opções em encarnações anteriores. Esse trabalho está descrito poeticamente em O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo 14 item 9 (os destaques são meus): "desde o berço, a criança manifesta os instintos bons ou mais que traz de sua existência anterior. É necessário aplicar-se em estudá-los. Todos os males têm sua origem no egoísmo e no orgulho. Espreitai, pois, os menores sinais que revelam os germes desses vícios, e dedicai-vos a combatê-los, sem esperar que eles lancem raízes profundas. Fazei como o bom jardineiro, que arrancai os brotos daninhos à medida que os vê aparecerem na árvore".

Essa receita mostra um caminho, mas não é absoluta nem nos exime de insucessos. Ela nos alerta sobre a nossa responsabilidade e nos consola ao nos dar a garantia de que quando fazemos tudo para o adiantamento moral de nossos filhos e não conseguimos êxito, não temos do que lamentar, nossa consciência estará tranqüila. Além disso, poderemos, no futuro, em outra existência, concluir a obra começada, e, "um dia, o filho ingrato recompensará seus pais com seu amor".

Cabe aqui, uma reflexão mais aprofundada: o que é fazer tudo? Será, como se vê hoje, dar tudo que o filho deseja, programar seus estudos visando apenas ao sucesso profissional e financeiro, e tudo o que foi muito bem resumido por Rosely Sayão? Colocá-los sob a responsabilidade das escolas e exigir dos profissionais da educação aquilo que seria de nossa responsabilidade enquanto pais? E no caso de problemas, como agir? Será que a opção é buscarmos o conselheiro tutelar para que ele nos ajude a colocar ordem naquilo que aconteceu porque não tivemos tempo para espreitar os menos sinais nem atenção para detectar?

Manuel Portásio, em sua obra Fora da Educação não há Salvação, dá algumas dicas que favorecem o entendimento e a prática: "O regresso ao mundo equivale a re-matrícula na escola já freqüentada. (...) O Espírito reencarna para educar-se. No início é atribuição dos pais, do lar; na seqüência, surgem a escola e os professores, cuja responsabilidade não é menor; contudo, no final, o comando do processo educacional é restituído inteiramente para o próprio indivíduo, gestor do seu destino. (...) É no âmbito familiar terreno que surgem freqüentemente os maiores entraves, como também os maiores propulsores do progresso do Espírito. Observando as tendências das crianças em suas primeiras manifestações, cabe-nos iniciar o processo correcional, preparando-os para o futuro, para a vida em sociedade. (...) Enquanto nos voltamos apenas para o comportamento do outro, analisando, criticando, julgando e condenando, estamos pretendendo que aquele se melhore, mas nada fazemos em prol de nossa modificação interior. (...) O autoconhecimento é a chave do progresso individual e este é o princípio básico do melhoramento coletivo".

Para concluir, cito trechos do último parágrafo de A Gênese, de Allan Kardec, livro que encerra a Codificação: Os incrédulos rirão dessas coisas, mas não escaparão à lei comum e viverão a despeito de si próprios e um dia serão forçados a abrir os olhos... Ora, os nossos olhos já foram abertos... nosso papel é mantermo-nos alertas, para que eles não se fechem e para que possamos ajudar o incrédulo a abrir seus próprios olhos!

 

Leituras sugeridas

O Evangelho Segundo o Espiritismo – Allan Kardec – capítulo 14

O Livro dos Espíritos – Allan Kardec - questões 100 a 113; 203 a 217; 379 a 385; 582 e 583; 779 a 802; 892

A Gênese – Allan Kardec – capítulo 18

Fora da Educação não há salvação – Manuel Portásio – capítulo 5 – DPL Espírita – 1ͺ edição - 2002

O Espiritismo e os problemas humanos – Deolindo Amorim – USE Editora – capítulos X e XI – 2ͺ edição – 1985

http://www.condeca.sp.gov.br/tutel.htm

http://www.ambito-juridico.com.br/aj/eca0019.htm – artigo de André Karst Kaminski - advogado na Procuradoria do Município de Porto Alegre/RS

http://www.misacor.com.br/constutelar.htm

Folha de S. Paulo – Caderno Equilíbrio– Jogo de empurra-empurra – psicóloga Rosely Sayão – 13 de maio de 2005