Artigo de Reinaldo Di Lucia - Publicado na Espirit Net em Abril de 2001

CONTABILIDADE ESPIRITUAL

Qual o objetivo da reencarnação?

Aparentemente, esta é uma pergunta básica no âmbito da doutrina espírita. Afinal, a reencarnação, considerada um dos pilares que sustentam o edifício teórico do espiritismo, é idéia muito debatida em palestras dos mais diversos gêneros, em todos os centros espíritas.

Ocorre que, infelizmente, há um erro de interpretação na razão de ser da reencarnação. O movimento espírita encara-a como sendo uma oportunidade dada por Deus para que os espíritos " resgatem os débitos do passado ", ficando, assim, quites com a lei divina, e prontos para recomeçar sua escalada evolutiva.

Os livros espíritas, especialmente os de autores desencarnados, são pródigos em estórias que exemplificam esta visão: desde cruéis senhores de engenho que, tendo maltratado seus escravos, renascem em absoluta pobreza, sofrendo o escárnio da sociedade até assassinos que devem morrer cruelmente, não faltam casos a exaltar a infalibilidade do velho ditado: aqui se faz, aqui se paga.

Àqueles que buscam um motivo teórico para estes casos é fornecida a explicação da lei de causa e efeito ( ou, como é muito comum dizer-se, a lei do karma ): uma vez violada a lei de Deus, o efeito é imediato, voltando ao infrator sobre a forma de sofrimento inevitável.

Deve-se ter em mente, contudo, que nada há, na base da filosofia espírita, que justifique a idéia de reencarnação como punição ou mesmo como resgate de faltas do passado. Kardec é claro ao postulá-la como prova, isto é, como oportunidade de o espírito refazer, em outra ocasião, a tarefa que não pode ou não soube realizar a seu tempo.

Mesmo se não se levar em consideração o argumento de autoridade, isto é, deixando de lado o que diz Kardec, a própria razão deveria levar a esta conclusão. A reencarnação como punição nada mais é que uma reedição da pena de Talião, o famoso olho por olho, dente por dente. No fundo, é apenas uma vingança, cujas reações, apesar de diferentes, são igualmente funestas. Na melhor das hipóteses, o espírito reencarnante resigna-se a um destino doloroso, do qual ele não pode fugir, não atuando pro-ativamente em benefício de uma efetiva regeneração íntima. Na pior das hipóteses, a reação é de revolta, atrasando ainda mais o processo evolutivo.

O sofrimento não pode, de maneira alguma, estar previsto na lei natural, como punição inexorável àqueles que a violam. Sofrimento é uma reação pessoal a fatos da vida, estes sim relacionados diretamente às ações de cada espírito, encarnado ou não. Aqueles que conseguem ter uma atitude positiva perante a vida, pouco sofrem; já os que vêem no próprio fato de viver um fardo insuportável ( oh! vida, oh! azar... ) sofrerão sempre, por menores que sejam as vicissitudes por que passam.

Reencarnação é prova, tal como provas há em qualquer escola aqui na Terra. É uma oportunidade fantástica de aprendizado, possibilitando a cada espírito demonstrar, para si mesmo, que pode continuar sua escala evolutiva em outros níveis.

O espiritismo é, por si só, uma filosofia altamente consoladora. Não deve incorporar o sofrimento existente em outras doutrinas, muletas que, a pretexto de ajudar, obstruem o caminho evolutivo do ser. A evolução deve ser feliz e prazerosa, mesmo quando difícil. E isto, quem faz somos nós mesmos