Artigo de Katia Penteado - Março de 2006

Quarta-feira será de Cinzas ou de renascimento ?

Quando eu era criança, eu considerava engraçado o nome dado ao dia seguinte à terça-feira de Carnaval, ou Terça-feira Gorda – e não me perguntassem por que a terça-feira do Carnaval era gorda, pois, cá entre nós, depois de três dias de folia a terça-feira já deveria estar exausta, desnutrida, desidratada.. Hoje sei que ela é gorda porque é o ápice das festividades carnavalescas.

 

Mas, retornado às cinzas, com o passar do tempo eu descobri que o dia seguinte ao Carnaval era assim chamado porque todo mundo que participava dos festejos precisava se revitalizar, pois se encontrava, como se diz popularmente, o pó... ou seja, as cinzas do que já foi ou do que era até a sexta-feira.  E essa revitalização não era apenas física, mas também espiritual, ou seja, espiritualmente a pessoa que participa dos festejos de Momo cometendo excessos e exageros, “tirando a barriga da miséria”, ao final, está espiritualmente fragilizada.

 

Sem brincadeiras, esse termo Quarta-feira de Cinzas me traz à mente basicamente duas coisas: a própria data Quarta-feira de Cinzas e a história da ave mitológica Fênix, que renasce das próprias cinzas.  Parece viagem?  Então vamos viajar pela história, desde os primórdios dos tempos até hoje, buscando estabelecer uma relação entre esses dois fatos, aparentemente tão pouco semelhantes, e avançar um pouco mais na reflexão, até o entendimento da Doutrina Espírita.

 

A Quarta-feira de Cinzas existe apenas no calendário cristão ocidental e marca o primeiro dia da Quaresma– que se encerra no domingo de Páscoa –, com realização de missas, pelos católicos.  Na ocasião, os fiéis são abençoados pelo padre que administra a cerimônia com uma marca de cinza na testa, que deve permanecer até o pôr-do-sol, quando, então, pode ser lavada.  Esse é também um dia de jejum.  Vale destacar que a Igreja Ortodoxa não observa a Quarta-feira de Cinzas, começando a Quaresma já na segunda-feira anterior a ela, ou seja, na segunda-feira de Carnaval.

 

Como vemos, essa data tem relação direta com ritual religioso do Catolicismo, e ao que consta foi inspirado em práticas no Oriente Médio, onde há o costume de jogar cinzas sobre a cabeça como simbolismo de arrependimento perante a Deus. 

 

Agora é a vez do outro símbolo, do pássaro mitológico Fênix, que quando morria entrava em autocombustão e passado algum tempo renascia das próprias cinzas.  Esse pássaro, segundo alguns escritores gregos, no final de cada ciclo de vida, que era de 500 anos para alguns e de 97.200 para outros, queimava-se numa pira funerária e, após erguer-se das cinzas, levava os restos do seu pai ao altar do deus Sol na cidade egípcia de Heliópolis (Cidade do Sol).  Essa ave estava ligada aos rituais de adoração do Sol em Heliópolis e representavam o Sol, que morre em chamas toda tarde e emerge a cada manhã.

 

Mas como a vida da Fênix era longa e era dramático o seu renascimento das próprias cinzas, foi transformada em símbolo da imortalidade e do renascimento espiritual, da esperança e da continuidade da vida após a morte.

 

Não foram apenas os gregos que cultuaram uma ave com essas características.  Da mesma forma que os rituais do catolicismo têm origem em ritos judeus e orientais, outros povos também tiveram aves mitológicas.  Os egípcios a tinham por Benu; e, na China antiga, foi representada como uma ave maravilhosa e transformada em símbolo da felicidade, da virtude e da inteligência, em cuja plumagem brilham cinco cores sagradas.

No início da era Cristã esta ave fabulosa foi símbolo do renascimento e da ressurreição. Neste sentido, ela simboliza o Cristo ou o Iniciado, recebendo uma segunda vida, em troca daquela que sacrificou pela humanidade.

 

È dessa forma que vamos entendendo como tudo se relaciona: a Fênix, a Quarta-feira de Cinzas e o Espiritismo, e como cada uma dessas fases marca um patamar evolutivo da Humanidade e de cada um de nós.

 

Para a Doutrina Espírita não há ritos, logo não há Quarta-feira de Cinzas, nem Carnaval nem qualquer outra data religiosa ou especialmente dedicada a alguma coisa, muito menos um pássaro que renasce das cinzas. Todo dia é dia de começar de novo (renascer), de encontrar novas opções, de revisitar nosso interior e mudarmos de opinião, de postura, de comportamento, enfim, de evoluirmos.

 

Olhando para tudo isso, para o passado, confirmamos a afirmação de que o Espiritismo não nos traz nada de novo, apenas organiza o conhecimento da relação do Homem com o Plano Espiritual ocorrida desde o início de sua vida no Planeta. 

 

José Herculano Pires, na obra O Espírito e o Tempo, divide essa evolução da relação em cinco fases, que ele chama de horizontes tribal, agrícola, civilizado, profético e espiritual.  Em todas as fases, a crença no Espírito, em sua imortalidade e em sua possibilidade de reviver está clara e, com o Espiritismo recebe o nome de reencarnação, mostrando que a vida continua e que é pelas vidas sucessivas que o Espírito se purifica. 

 

Hoje, não mais precisamos do jejum e da marca feita pelo padre na Quarta-feira de Cinzas.  Basta-nos jejuar de nossos próprios defeitos, como a maledicência, a ironia, a prepotência e a hipocrisia, entre tantos outros, assim nos purificando pela coerência com a Lei Divina, renascendo em novo corpo a cada nova encarnação, tendo a impressão que começamos do nada, mas sempre buscando nossa purificação, nossa aproximação de Deus, tendo como meta a possibilidade de nos tornarmos co-criadores, oferecendo como sacrifício não oferendas externas, mas internas, de nossa vitória sobre nossas imperfeições.

 

Parece ser muito mais confortável a idéia de que podemos fazer tudo o que quisermos durante o Carnaval e na Quarta-feira de Cinzas basta ir à missa, jejuar e apenas lavar o rosto após o pôr-do-sol para resolver os desatinos e os excessos.  Essa visão tira de nós a responsabilidade pelos nossos atos e anula a Lei de Ação e Reação, tornando o homem um ser dependente e não independente, dono de seu próprio destino.  Nós, espíritas, sabemos que não há ritual exterior capaz de apagar nossos escorregões na Lei Divina. Apenas “rituais” internos, fundamentados no autoconhecimento, na transformação moral, na conquista de virtudes, no esforço na prática do bem e na superação dos defeitos e dos vícios.

 

Fontes de consulta

http://pt.wikipedia.org

José Herculano Pires – O Espírito e o Tempo

 

Katia Penteado é jornalista profissional, especializada em Jornalismo Empresarial e Comunicação Corporativa; e expositora da Doutrina Espírita.