Artigo de Reinaldo Di Lucia - Publicado na Espirit Net em Abril de 2001

ALINHAMENTO CRISTÃO

Sob o título de " Católicos e luteranos se reconciliam " o jornal Folha de São Paulo do dia 19 / 09 / 99 informa a ação que porá fim a mais de quatro séculos de divergência no seio do cristianismo: a assinatura de um documento que unificará a última grande questão teológica que divide, até hoje, os católicos e os protestantes.

Diz a história que, nos idos do século XVI, a Igreja Católica, que, à época, detinha não só o poder religioso, mas também o temporal, sustentava que a salvação se daria a partir da realização de boas obras: o cristão que efetuasse ações solidárias e respeitasse os ritos católicos somaria mais pontos para ganhar o céu. Isto deu azo a que os ricos ( como sempre ) tivessem a oportunidade de comprar sua salvação através da venda de indulgências: em troca de recursos para a Igreja, o doador obteria a remissão parcial ou mesmo total das penas que teria que sofrer.

Contra este estado de corrupção total, rebelou-se um monge agostiniano, Martinho Lutero. Desafiando publicamente a autoridade papal neste espinhoso terreno, Lutero tornou públicas 95 teses que contrariavam a venda das indulgências. E baseava-se num argumento teológico: segundo ele, a salvação adviria de uma graça divina, e não das boas obras. Excomungado pelo papa Leão X em 1521, Lutero teve o apoio dos príncipes alemães, descontentes com o poderio de Roma. Estava iniciada uma nova religião cristã, o protestantismo.

No documento a ser assinado provavelmente em 31 / 10 / 99, na Áustria, depois de 32 anos de discussões entre o Vaticano e a Federação Luterana Mundial, ambas as igrejas passam a professar que a salvação decorre da graça de Deus, e só se chega a ela pela fé. Ainda assim, será feita a ressalva que as boas obras são conseqüência natural da fé e dever de todo bom cristão.

Esta conclusão, embora teologicamente coerente, uma vez que reforça a primazia da fé sobre qualquer outra coisa dentro da religião, aprofunda o abismo conceitual existente entre o cristianismo e o espiritismo. Ora, é ponto pacífico que a doutrina espírita não busca a salvação do homem, o que quer que isto possa significar, mas a evolução contínua do espírito imortal através do crescimento intelectual e ético. Além disso, esta fé pregada com ardor pelas igrejas cristãs, e colocada acima de qualquer outra capacidade humana ( a chamada fé cega, a crença pela crença ) não encontra guarida em nenhum dos princípios espíritas – nem mesmo nos escritos mais religiosos de Kardec e seus continuadores.

Já é tempo de os espíritas compreenderem que o espiritismo é simplesmente uma filosofia, cujos objetivos são fornecer uma explicação do Universo que compreenda a realidade do espírito imortal e promover, através desta explicação e de uma ação efetiva no mundo, a elevação ético-moral dos homens. A busca de uma salvação implica a crença da danação eterna, posto que só se busca o resgate daquele que, de outra forma, estaria irremediavelmente perdido. E esta crença nunca fez e nunca fará parte do espiritismo.

Se os espíritas buscarem, como queria Kardec, amarem-se e instruírem-se, já estaremos fazendo o suficiente por nós mesmos, pelos nossos próximos e pelo mundo. Deixemos a salvação para aqueles que crêem nela – o que não é o nosso caso.