14 de março de 2015, sábado, 07:04 Horas.

É a terceira vez que sonho com ela.

Extremamente atraente, corpo esguio e roupas em estilo árabe, como as de uma graciosa bailarina. Em nada parecida com qualquer outra mulher que já tenha conhecido em toda a minha vida.

Embora tenha boa parte da face sempre encoberta, posso notar os seus belos traços.

Consigo identificar 7 véus sobrepostos, translúcidos e em cores diferentes, acompanhando as linhas de seu delicado rosto.

Apenas os olhos, de um verde profundo, estão totalmente visíveis; o que aumenta, ainda mais, a atmosfera de mistério que cerca sua fascinante presença.

Hoje, pela primeira vez, ela me tocou...

Até então, costumava vê-la apenas ao longe, pensativa, passeando através de um exuberante campo gramado, repleto de árvores frondosas e pequenas flores multicoloridas.

Ela veio em minha direção, caminhando tranqüilamente, como se flutuasse. Trouxe sua mão ao meu rosto, sutilmente, e me acariciou por um breve instante. Parecia falar comigo através dos olhos.

Em seguida, recuou até desaparecer entre as árvores e as flores...

O meu nome é Rafael e hoje é o dia 14 de março de 2015.

Sempre resisti a esses diários de Internet, os chamados “Blogs”. Hoje, no entanto, comecei a escrever este aqui com a intenção de registrar os estranhos sonhos que passei a ter. Além disso, também decidi compartilhar alguns detalhes do meu dia-a-dia, da minha história de vida e de minha rotina acadêmica e profissional.

Nasci em 8 de novembro de 1965 e, portanto, estou chegando aos 50 anos de idade. Já passei por 3 casamentos e nunca tive filhos, embora adore as crianças, o barulho que elas fazem e a energia que possuem. Moro sozinho em um espaçoso sobrado, no distrito de Barão Geraldo, região noroeste de Campinas - Interior de São Paulo - a uns 12 Km do centro da cidade.

Aos 30 anos de idade, tornei-me Doutor em Física e Astrofísica, com foco em Partículas Elementares e Astropartículas. Então, em 1995, fui morar no Reino Unido. Lá, após 14 anos de intensa vida acadêmica, tornei-me Ph.D em Cosmologia pela Universidade de Cambridge.

Astrofísica e Cosmologia são os dois assuntos que mais me interessaram e fascinaram desde a adolescência. Por isso, sinto-me extremamente recompensado, feliz e privilegiado por ter a oportunidade de trabalhar com aquilo que eu gosto. Ambas são ramos da Astronomia: a primeira, utilizando-se de Física teórica, estuda as estruturas, as propriedades dos objetos celestes e o Universo como um todo. A segunda, através da aplicação de métodos científicos, estuda a origem, a estrutura e a evolução do Universo.

Voltei ao Brasil em 2009, ano em que se comemorou o aniversário de 800 anos da universidade de Cambridge.

Hoje, passo metade do dia atuando como professor e pesquisador do Departamento de Raios Cósmicos e Cronologia (DRCC) no Instituto de Física “Gleb Wataghin” (IFGW) na Universidade Estadual da cidade, a Unicamp. Na outra metade do dia, trabalho com mais 20 mil cientistas - vindos do mundo todo - na fase final de construção daquele que será o maior Acelerador de Partículas do planeta. Ele está localizado no Centro de Pesquisas Nucleares “César Lattes”, em homenagem ao grande físico e cientista brasileiro Cesare Mansueto Giulio Lattes.

Há 8 anos atrás, no final de 2007, o CERN (Organização Européia para Pesquisa Nuclear) lançou o seu novo Acelerador de Partículas, o LHC. Dois anos depois, percebeu-se que ele não seria capaz de fornecer todas as respostas que se esperavam dele. E foi Justamente em 2009 que tivemos o “ano milagroso” da tecnologia no Brasil, principalmente num centro de excelência aqui de Campinas, o Laboratório Nacional de Luz Sincrotron (LNLS). Por isso, após longas considerações e ponderações, a Comunidade Científica Internacional decidiu, aliada aos governos de vários países e às maiores empresas multinacionais do mundo, que o mais poderoso de todos os aceleradores seria instalado aqui. 

Atualmente, realizo pesquisas avançadas sobre a matéria não “luminosa” do Universo, mais conhecida como “matéria escura”.

Neste Blog, “luz” sempre significará todas as faixas de freqüência do espectro eletromagnético (desde as ondas de Rádio até os raios X e Gama, passando pela faixa visível que enxergamos naturalmente).

Para se entender a questão da matéria escura, de uma forma simples e didática, basta fazermos uma rápida comparação: quando olhamos para um “Iceberg”, flutuando no oceano, estamos vendo apenas uma pequena parte dele. A sua porção mais significativa está “escondida” abaixo da superfície da água. Da mesma maneira, aquilo que “enxergamos” quando apontamos os nossos mais avançados instrumentos tecnológicos para as estrelas, é uma parcela insignificante de toda matéria que realmente deve compor o Universo.

Portanto, os seres vivos, os planetas, as estrelas, as nuvens de gás, as galáxias e todos os “objetos” que emitem ou refletem luz - ainda que fracamente - não chegam a compor nem 5% de toda a massa que deveria existir para explicar a atual expansão acelerada do Universo e os efeitos gravitacionais já comprovados. A maioria dos cientistas acredita que essa expansão deva-se a uma “energia escura”, também ainda não identificada.

Enfim, existe uma quantidade enorme de matéria que nenhum equipamento consegue detectar. Sabe-se que ela tem que estar lá, distribuída pelo espaço, em algum formato. Por tudo isso, conclui-se que ela deva ser de um tipo “não-luminoso” de matéria; ou seja, a tal “matéria escura”.

Uma vez que ela não pode ser vista por nós, através do tradicional método de captação da luz, o meu trabalho é encontrar evidências indiretas de sua existência, através do aprofundamento teórico e de experiências que investigam a intimidade das partículas existentes. E esse tipo de pesquisa torna-se muito mais eficiente quando utiliza-se um Acelerador de Partículas, como o que estamos terminando de construir aqui na cidade de Campinas. A esperança da “Colaboração Internacional” (grupo de cientistas) que lidero, é encontrar indícios desta matéria escura ao analisar o resultado das colisões realizadas pelo Acelerador. Se realmente o fizermos, há grandes chances – inclusive - de conquistarmos o Prêmio Nobel num futuro não muito distante.

E, para quem pensa que aceleradores de partículas são equipamentos raros de se encontrar, que estão longe do dia-a-dia das pessoas, basta lembrarmos daqueles antigos aparelhos de TV e Monitores de “tubo”, que todos tinham em suas casas antes de serem 100% substituídos pelo Plasma e pelo LCD ao final de 2008. Aquele “tubo” nada mais era do que um dos vários tipos de aceleradores de partículas que existem. Nesse caso, eram “aceleradores eletrostáticos de baixa voltagem”, onde um elétron ou um íon é acelerado - por um gerador externo - até se chocar com a tela e produzir as imagens que víamos.

Agora, mudando um pouco de assunto e falando do meu lado pessoal, posso dizer que o meu “estilo de ser” está longe daqueles estereótipos do cientista sisudo ou totalmente alienado do mundo.

Tenho uma atitude extremamente jovial, questionadora e  estou sempre antenado com as novidades do mundo. Carrego ainda uma boa dose de inquietação, pratico esportes radicais, sou muito saudável e ligado em música, com um gosto bem eclético: do Clássico ao Rock.

Quando me sobra tempo, vejo todo tipo de programa de televisão e me interesso por todas as áreas do conhecimento humano. Leio vários jornais e revistas, pois tenho “sede” de novidades. Além disso, fico 100% do tempo conectado à Internet.

Gosto muito de pilotar minha motocicleta e de curtir a sensação de velocidade e de liberdade que ela me proporciona. Saio com meus amigos ao menos uma vez por semana, vou a bares e boates, gosto de beber moderadamente enquanto converso e relaxo num “happy hour”. Enfim, tenho uma vida absolutamente normal !

E o melhor é que tudo isso parece refrescar minha mente para o processo criativo, que me é tão forte, tão intenso. Todos esses estímulos periféricos, que não fazem parte do foco principal de meus projetos científicos, e dos meus compromissos na universidade, acabam contribuindo para que as soluções - de que tanto necessito - acabem surgindo com maior facilidade e fluência.

Alguns amigos – e outros nem tanto – costumam dizer que eu não amadureci direito, que tenho mentalidade adolescente. Por este motivo, uma “ala” da comunidade científica me critica e me vê de forma “atravessada”. Mas, não dou atenção a isso. Realmente, não me importo com o que os outros pensam ou o julgamento que fazem de mim. Alguns me admiram, outros sentem inveja, uma boa parte me rejeita, mas a maioria me aceita sem problemas.

Ainda assim, participo de vários grupos e costumo colaborar com dezenas de estudos de outros cientistas; por puro prazer, sem qualquer ganho financeiro.

Durante todos esses anos de trabalho científico, desenvolvi uma rede de relacionamentos muito grande, com amigos pesquisadores de vários locais do Brasil e do mundo: USP, UFRJ, DESY (Alemanha), DAMA (Gran Sasso, Itália), CDMS (Stanford), Instituto Nacional de Física Nuclear (INFN) em Bologna (Itália), Instituto de Física Teórica da Universidade de Zurique (Suíça), Universidade de Princeton (EUA), Laboratório Nacional de Brookhaven, Universidade de Cardiff, Cobe, Maxima, Boomerang, Fermilab, MIT, CERN e muito outros...

Agora, contando um pouco sobre a minha história de vida, eu nasci em Santos - litoral de São Paulo - numa família de classe média baixa, muito unida e de religião tradicional. Caçula de seis filhos - quatro homens e duas mulheres - possuímos um traço em comum: nos gostamos e nos respeitamos muito. Valorizo o privilégio de ter, em meus irmãos, grandes amigos; pessoas em quem posso confiar realmente. Todos se formaram em boas universidades, ainda que a família tivesse uma grande limitação financeira. Sou muito ligado a todos eles, pais e irmãos, e também a um tio em especial, cujo nome é Heleno.

Fui criado brincando na rua, estudando bastante e jamais presenciei uma única briga dentro da família. Assistia a muitos desenhos e acompanhava vários seriados na TV. Meus favoritos eram os de ficção científica com viagens estelares. Sempre fui fascinado pelo espaço, pelo Universo. Um de meus irmãos, inclusive, me estimulava a ler e colecionar selos sobre o assunto. Além de me ajudar a construir pequenos foguetes caseiros para lançamento numa “base” improvisada, perto de casa, em um terreno abandonado.

Já, um outro irmão, me tornou um aficcionado de Histórias em Quadrinhos (HQ) e me ensinou a jogar xadrez aos 5 anos de idade. Aos 8, eu já conseguia vencer alguns adultos menos avisados.

Na casa do meu tio Heleno, recordo muito bem, eu costumava ficar horas observando o céu noturno em seu telescópio amador. Posso dizer que foi uma infância muito dinâmica, feliz e intelectualmente ativa.

Ainda criança, eu demonstrava ter grande capacidade de concentração, de foco. Mas, apenas quando o assunto me interessava. Sempre gostei mais de “criar” do que de armazenar informações na memória, embora ela fosse excelente. Em boa parte do tempo, minha mente é um turbilhão de idéias. Elas parecem vir, surgir de todos os lados.

Desde os 10 anos de idade tenho antecipado, mentalmente, diversas descobertas e inventos muito tempo antes deles serem efetivamente apresentados ao público e sem que eu tenha lido notícia ou tido qualquer contato com experimentos relacionados aos mesmos. 

Nestes momentos de “insight” ou “visões mentais”, fico totalmente “à parte” do mundo. As pessoas conversam comigo e eu dou respostas automáticas, apenas fingindo participar da conversa e continuando em minha linha de raciocínio. Freqüentemente, alguns minutos depois que a pessoa se dirigiu a mim, pergunto: - “O que você disse mesmo ?”. Meus amigos e familiares detestam quando faço isso, pois percebem que eu não estava prestando atenção em nada.

Muitas vezes, durante o dia, encontro-me absorvido por este “mundo mental” próprio, onde desenvolvo minhas idéias. Creio que essa minha característica, de não ouvir o que as pessoas estão dizendo nos momentos de “insight”, foi uma das responsáveis pelos seguidos fracassos no lado emocional, onde tive meia-dúzia de rápidos relacionamentos conturbados, além dos 3 casamentos que já citei.

Desde que me entendo por gente, também, fui muito envolvido nos assuntos religiosos de minha família. Nesse sentido, tive uma criação rígida, moralmente austera. Entretanto, entre os meus 12 e 17 anos, comecei a questionar demais; o que não agradava muito neste meio. Sendo assim, jamais encontrei -  nas crenças tradicionais - as respostas que procurava sobre a vida e para os seus “por quês”. Com o tempo e a maioridade, embora tenha mantido a mente sempre aberta a novas explicações, acabei tornando-me bastante cético, praticamente um ateu, e tomei a decisão de me dedicar integralmente à Ciência.

Com 19 anos - em 1985 - entrei na Unicamp e organizei uma “república” no Centro de Campinas, cidade onde um de meus irmãos havia decidido viver e também onde encontrou sua esposa, com quem teve 4 filhos. Era uma época muito especial, pois foi a primeira vez que saí de casa e tive a oportunidade de conhecer outros jovens vindos de várias partes do Brasil e do mundo. Quase todos moravam em repúblicas e traziam sonhos, assim como eu, de fazer algo positivo com tudo aquilo que aprendíamos. Para mim, ainda havia a oportunidade de conviver com meu irmão e meus sobrinhos, em alguns finais de semana, passando momentos de muita alegria e descontração em família.

Após 4 anos de muito estudo, obtive minha graduação em Física. Na seqüência, emendei com o Mestrado e o Doutorado. Depois, já mais adulto, fui morar na Europa - por 14 anos - para me aprofundar e me especializar nas questões envolvendo as origens do Universo.

Em todos os cursos que freqüentei, sempre consegui destaque e menções.

Agora, com o título de  Ph.D e de volta ao Brasil há 6 anos, me envolvi esse tempo todo no Projeto “César Lattes” e  passei a lecionar na minha querida Unicamp, onde também atuo como pesquisador.

No meu dia-a-dia, sigo basicamente a seguinte rotina:

Lá pelas seis e quinze da manhã, começo um pequeno “ritual” para despertar: preparo um bom café, venho para o Solarium - no 3º andar do sobrado - e sento-me à mesa, colocada bem de frente a um enorme vitral que recebe todo o sol da manhã. A luz entra e invade o ambiente. Então, deixo-a bater em meu rosto, fecho os olhos e fico apenas sentindo a claridade, por alguns minutos, em silêncio... Quando os abro, posso ver a fumaça do café, contra os raios de sol, subindo da xícara. Uma sensação extremamente agradável, de conforto, de paz, antes de mais um dia de intenso trabalho ainda por vir. Sinto-me muito bem nesses breves momentos do início do dia. Parece que a luminosidade do Sol me traz, todas as manhãs, novas idéias. E ainda ajuda a clarear aquelas outras que persistiam em não avançar. Será aqui, neste Solarium, que atualizarei regularmente este Blog. Uma espécie de registro periódico, como se costumava fazer nos antigos “diários”. Sempre que possível, anotarei meus pensamentos, minhas preocupações, os avanços, os problemas encontrados no andamento das pesquisas e os principais acontecimentos dos dias anteriores.

Depois, lá pelas oito horas da manhã, visto uma roupa casual, pego minha moto e vou para o campus da universidade, para o Instituto de Física. Ali, dou continuidade às minhas pesquisas, trocando informações e comunicando-me - instantaneamente - com colegas acadêmicos de universidades e institutos de todo o planeta, via Internet. Passo a manhã toda trabalhando, enquanto ouço música nesses mini-tocadores digitais. Nos momentos em que mais preciso de inspiração, costumo colocar as músicas da série de TV “Cosmos”, apresentada pelo brilhante cientista e astrônomo norte-americano Carl Sagan nos anos 80. Trata-se de uma soberba mistura de música clássica e “new age” (como costumávamos chamar naquela época).

Em torno do meio-dia, saio para almoçar no Restaurante universitário, que fica atrás do Ciclo Básico, cruzando a Rua Sérgio Buarque de Holanda. Algumas vezes, para variar um pouco, subo a ladeira da Rua Pitágoras e faço um lanche rápido no quiosque que fica perto dos Institutos de Computação, de Economia e de Artes Cênicas, já quase chegando na Avenida Albert Einstein. Depois, peço um belo pedaço de torta doce - recém-saída do forno - e vou descansar um pouco, embaixo de uma boa árvore. Passados alguns minutos, aproveito para ler algum material acadêmico ou para caminhar pelas alamedas arborizadas do campus, por onde circulam – diariamente - mais de 50.000 pessoas.

            Lá pelas duas horas da tarde, dirijo-me ao Centro de Pesquisas César Lattes, local onde está o Acelerador de Partículas já em sua fase final de construção. Eu oriento e ajudo minha equipe a realizar os últimos ajustes e checagens nos itens que são de nossa responsabilidade. Assim que estiver tudo pronto, ele impulsionará feixes de partículas subatômicas, que se chocarão em sentidos contrários e em velocidades próximas à da luz. A análise do resultado destas colisões é fundamental para o trabalho científico em que estou envolvido, pois me permite estudar a natureza mais íntima da matéria. O Centro de Pesquisa fica no Bairro de Guará, também em Campinas, fisicamente ao redor do original “Laboratório Nacional de Luz Sincrotron” (LNLS).

A inauguração do Acelerador ocorrerá no dia 21 de agosto deste ano e ainda temos um extenso Cronograma a cumprir.

Então, por volta das oito horas da noite, saio do Centro de Pesquisas, passo na Academia para praticar alguma atividade física e, em seguida, vou para casa. Fico uns 30 minutos relaxando na banheira de hidromassagem, tomo um banho revigorante e vejo as notícias na TV para saber o que está acontecendo no mundo. Algumas vezes, bem tarde, ainda saio com os amigos ou com alguma nova garota. Outras vezes, fico em casa mesmo e leio um pouco ou assisto a alguns programas.

Quase todos as noites, porém, repito um antigo costume que vem desde criança: deito-me ao ar livre e fico observando o céu escuro. Tanto quanto avistar e identificar os planetas, as estrelas e as constelações conhecidas, gosto de ficar horas contemplando o imenso fundo negro, aquele infinito espaço entre as pequenas luzes pulsantes. São as velhas “Constelações Negras” que os Incas tanto admiravam e temiam.

Eu não durmo antes da meia-noite e também não tenho qualquer dificuldade para me desligar da agitação do dia e cair num sono bem pesado. Ontem à noite, porém, senti sono muito mais cedo do que o normal e fui me deitar.

Foi quando tive o terceiro sonho com aquela bela e misteriosa mulher.

Lembro-me que os sonhos começaram há cerca de seis meses atrás; exatamente no dia em que obtive o primeiro grande avanço em minhas pesquisas sobre a matéria escura.

Nos dois primeiros sonhos, ela apenas aparecia ao longe, num campo, entre grandes árvores. Acenava para mim e, logo em seguida, eu acordava. O mais incrível é que, diferentemente de outras situações, nestes três sonhos eu tinha a consciência plena de que estava dormindo. Achei tudo muito estranho. Ainda mais nesta última vez, em que ela se aproximou a ponto de tocar o meu rosto. Além disso, mesmo horas depois de acordar, lembro do sonho perfeitamente, em todos os detalhes, sem aquela confusão que é normal nestes casos.

Estou perplexo ! Por quê minha mente estaria criando estes sonhos e esta personagem ? Seria uma compensação por minha incompetência no lado emocional ? Tudo isso está me deixando muito curioso. Afinal, quem seria ela ?

No fundo, no fundo, essa minha dúvida nem faz sentido ! “Ela” deve ser o meu próprio subconsciente “falando comigo”, através de um personagem imaginário que criei dentro dos meus sonhos. Afinal, ela não pode ser real, não pode existir e nem pode ser uma pessoa, com sua própria vida, independente de mim... Ela só pode ser uma “viagem” do meu cérebro.

O mais engraçado é que, mesmo sabendo disso tudo, começo a ficar ansioso por encontrá-la nos meus sonhos; fico na expectativa por seu toque carinhoso, seu jeito sutil. Será que ela vai falar comigo numa próxima vez ?

Nem acredito que estou me perguntando isso !  

Devo estar passando por alucinações, por stress, algo assim.

Acho que ando trabalhando demais...

 

29 de abril de 2015, quarta-feira, 06:35 Horas.
(O Protheus e a Realidade Invisível)

Faltam 16 semanas para a inauguração do Acelerador de Partículas.

Desde a última vez em que escrevi aqui no Blog, passaram-se quatro semanas e meia. Neste período, estive dividido entre as atividades no César Lattes, a preparação de aulas na Unicamp, uma viagem aos EUA e outra à Europa.

No Acelerador que estamos construindo, as colisões entre partículas ocorrerão 1 milhão de vezes por segundo. Para manter essas partículas viajando dentro do túnel circular, percorrendo a trilha correta para a realização dos experimentos, são necessários mais de 10.000 magnetos devidamente posicionados ao longo do enorme percurso.

Ontem, chegaram os últimos 2.500 magnetos que faltavam. Este era um dos principais itens do Cronograma, cuja execução a minha equipe tinha que garantir. Tudo deu certo e estamos dentro do prazo.

Em minha viagem à América do Norte, fui realizar experiências num Acelerador de Partículas conhecido como “Tevatron”. Ele está localizado no Laboratório Nacional do Acelerador Fermi, o “Fermilab”, em Batavia, no Illinois.

O Tevatron é formado por um anel de 6,3 Km de extensão e 2 Km de diâmetro. Existem pavilhões de trabalho ao longo dele e em setores opostos, conhecidos como áreas experimentais “B-Zero” e “D-Zero”. Dentro do anel, feixes de prótons e antiprótons são acelerados - praticamente à velocidade da luz (300.000 km/s) - em sentidos opostos até atingirem altas energias. Então, bem no centro das áreas experimentais, os feixes se cruzam. A cada milésimo de segundo, um próton colide de forma violenta e frontal contra sua antipartícula. Neste momento, matéria e antimatéria aniquilam-se completamente e se transformam em pura radiação.

É através do estudo do que ocorre nestes instantes, após a colisão, que eu consigo dar continuidade aos meus projetos científicos.

Na minha viagem à Europa, fui realizar as mesmas experiências num outro Acelerador de Partículas. O meu objetivo é comparar o resultado dos dois experimentos e tirar mais algumas conclusões sobre minhas teorias envolvendo a matéria escura.

Estive no CERN (Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire), conhecido aqui por “Organização Européia para Pesquisa Nuclear”. Trata-se de um consórcio fundado em 1954, fruto da cooperação de 12 países do continente, mas que já conta com 56 participantes, dentre países e organizações internacionais. A sua sede principal fica na pequena cidade de Meyrin, perto de Genebra, fronteira da Suíça com a França, e é o principal laboratório de física de partículas no “Velho Mundo”.

Para se ter noção do nível de pesquisa desta Organização, basta dizer que foi um de seus antigos funcionários, Tim Berners-Lee, quem inventou dois pilares da “World Wide Web” (WWW): o HTML (HyperText Markup Language, linguagem otimizada para hipertexto) e o HTTP (HyperText Transfer Protocol, protocolo de transferência de hipertexto). Eles foram criados para permitir que a comunidade cientifica internacional pudesse analisar os resultados das experiências de forma instantânea e prática, além de permitir a troca de informações vindas de vários computadores espalhados pelo mundo e ligados às Instituições e seus pesquisadores, dando mais uma prova de cooperação mútua entre as nações.

Vale lembrar que essa facilidade de visualização de textos e de navegação entre links, dentro dos próprios textos, só foi possível graças ao trabalho de base realizado por Vinton Cerf, o “pai” da Internet. Ele foi o homem que criou o protocolo de comunicação (TCP/IP) que permite a troca de informações entre micros e redes totalmente diferentes entre si. Depois, essas criações acabaram por se difundir e todo o planeta se beneficiou da Internet, da Web e de suas facilidades. Viramos uma “Aldeia Global”.

É no CERN que está localizado o LHC (“Large Hadron Collider”), Grande Colisor de Hádrons (um hádron é uma partícula dotada de força nuclear forte, tal como o próton e o nêutron).

O equipamento é cerca de 10 vezes mais potente que o Tevatron nos EUA. Nele, os feixes de partículas completam 11 mil voltas por segundo, girando a 99,9% da velocidade da luz durante horas, porque apenas uma – em cada 40 mil colisões – gera o choque direto e frontal de duas delas (utilizam-se prótons ou íons pesados de chumbo).

O LHC foi inaugurado há 8 anos atrás, em 2007, depois de um investimento da ordem de R$ 9 bilhões. Ele fica a 100 metros de profundidade, num túnel circular de 27 Km de extensão e 8 Km de diâmetro, possuindo 5 grandes Detectores de Partículas acoplados ao longo de seu trajeto, cada um responsável por realizar diferentes experimentos:

1) ATLAS -  A Toroidal LHC ApparatuS

2) CMSAA-  Compact Muon Solenoid

            3) ALICE  -  A Large Ion Collider Experiment

4) LHCb    -  Large Hadron Collider beauty experiment

5) TOTEM - Total Cross Section, Elastic Scattering and Diffraction Dissociation at the LHC

O ATLAS, por exemplo, é um Detector de 45 metros de comprimento, 25 metros de diâmetro e altura equivalente a de um prédio de 5 andares. Custou R$ 1,5 bilhões, envolveu 1.800 cientistas e mais de 150 laboratórios e instituições em 34 países.

No CMS, o Brasil tem 30 pesquisadores trabalhando, entre físicos, engenheiros e cientistas da computação vindos da UERJ, UFRGS, UGRJ, CBPF, UFBA, UNESP, USP e outros centros universitários nacionais.

Dois anos após o início de sua operação em 2007, infelizmente, percebeu-se que o LHC não atingiria os objetivos esperados. Muitas das experiências não trouxeram os resultados previstos, o que frustrou toda a comunidade científica. Com ele, esperava-se encontrar - por exemplo - as respostas que faltam para completar o Modelo Padrão.

Detalhando um pouco mais: o Modelo Padrão da física de partículas é uma teoria que descreve 3 forças fundamentais (forte, fraca e eletromagnética), bem como as partículas fundamentais que constituem a matéria. Desenvolvida entre 1970 e 1973, é uma teoria quântica de campos, consistente com a mecânica quântica e a relatividade especial. Para demonstrar sua importância, quase todos os testes experimentais das três forças descritas pelo modelo padrão concordaram com as suas predições. Entretanto, o modelo padrão não é uma teoria completa das interações fundamentais, até porque não contempla a quarta força: a gravidade.

Uma das pistas para completar o Modelo Padrão, e que se esperava provar através do LHC, seria a provável existência do Bóson de Higgs (a partícula seria responsável por agregar massa às partículas). Mas, nada foi encontrado.

Outro exemplo de expectativa frustrada: sabe-se que a “Mecânica Quântica” funciona bem, quando estamos trabalhando em pequenas escalas e que a “Relatividade Geral” funciona bem, quando estamos trabalhando em grandes escalas. Entretanto, nenhuma destas teorias – isoladas - pode ser aplicada para as duas escalas de forma satisfatória. A “Teoria das Cordas” era a candidata mais forte para compor uma teoria que pudesse englobar as duas situações. E o LHC não conseguiu descobrir evidências das “Cordas” e nem de outras dimensões que pudessem explicar o motivo da “fraqueza” da Gravidade, comparativamente às outras forças conhecidas.

De qualquer forma, de agora em diante, o Tevatron e o LHC não me servirão mais. O meu projeto com a matéria escura chegou num estágio em que o nível de energia, exigido para os experimentos, só poderá ser alcançado neste Acelerador de Partículas que estamos finalizando aqui em Campinas. É um trabalho de cooperação que está envolvendo 20 mil cientistas de todo o planeta.

No total, até agora, foram investidos R$ 20 bilhões no Centro de Pesquisas Nucleares César Lattes.

Para se ter uma idéia das proporções das instalações, apenas na construção do “Protheus” - um dos 8 gigantescos “Detectores de Partículas” montados ao redor do Acelerador - estão envolvidos 2.150 pesquisadores de mais de 200 laboratórios e instituições em 40 países. O equipamento tem a altura de um edifício de 10 andares. Os técnicos, quando trabalham nele, utilizam todo aquele aparato indispensável em escaladas, nos esportes radicais.

O túnel circular, por onde as partículas serão aceleradas e colididas, está situado a 200 metros de profundidade, com um diâmetro de 14 Km. Com isso, o túnel totaliza uma extensão de 44 Km, sendo que as colisões em seu interior serão capazes de atingir 98 “TeV” (“Tera” ou “Trilhões” de elétron-volts) de energia ao colidir feixes de partículas. Ao colidir núcleos de átomos pesados, atingirá mais de 8.000 TeV.

Um “eV” é a energia cinética de uma partícula com a carga do elétron que atravessou uma diferença de potencial elétrico de um Volt. Como exemplos, posso citar: um elétron, num antigo tubo de TV, tem cerca de 25.000 eV antes de bater na tela e produzir luz; os fótons de luz visível têm cerca de 2 eV; as partículas emitidas pelos núcleo de alguns átomos, radioativos, tem alguns milhões de eV.

Na prática, considerando-se todos os parâmetros, o nosso Acelerador será em torno de 7 vezes mais potente que o LHC europeu.

Mas, e como teria começado essa estória de construir - aqui no Brasil - o maior Acelerador de Partículas da Terra ?

Tudo teve início após os excepcionais resultados práticos, com amplas aplicações comerciais para o dia-a-dia das pessoas, alcançados pelas pesquisas de alguns grupos de cientistas que trabalhavam no Laboratório Nacional de Luz Sincrotron (LNLS) em Campinas.

Para que se entenda melhor, a Luz Sincrotron é uma intensa radiação eletromagnética produzida por elétrons de alta energia que circulam num acelerador de partículas e que ocupa uma ampla faixa do espectro: Raios-X, Luz Ultravioleta, Luz Visível e Luz Infravermelha.

O que se faz, neste tipo de equipamento, não é colidir partículas contra alvos. Mas, sim, fazer com que esta luz polarizada, monocromática e de alta freqüência, interaja com esses alvos e revele sua composição, o posicionamento de seus componentes, sua natureza íntima. Foi desta forma que se descobriram novas propriedades físicas, químicas e biológicas de certos materiais.

Utilizando-se das chamadas Linhas de Luz e suas respectivas Estações experimentais, os cientistas conseguem, por exemplo, elucidar a estrutura de proteínas e descobrir quais suas funções em um organismo. No setor de Telecomunicações, por exemplo, desenvolvem-se as fibras óticas e os lasers em estado sólido. Na Eletrônica, pesquisas com semicondutores permitem computadores cada vez mais rápidos e avançados. Há pesquisas com fármacos, petróleo, polímeros e com materiais leves para aplicações industriais e aeronáuticas.

Sem contar a Nanociência, onde inclui-se o estudo dos nanotubos construídos apenas com carbono (estruturas que possuam nanômetros de diâmetro equivalem ao espaço ocupado por 10 átomos). É possível analisar esferas ou cilindros que contenham de 100 a 1.000 átomos (nanopartículas) e que podem ser utilizadas como sensores magnéticos nos discos rígidos dos computadores, por exemplo.

Em poucos anos (entre 2007 e 2009), as diversas descobertas realizadas ali - no LNLS - foram capazes de gerar R$ 200 bilhões em patentes científicas internacionais. Isso despertou o interesse por investimentos maciços e instantâneos por parte de mega-corporações privadas, laboratórios e instituições de mais de 50 países.

Com essa quantidade de dinheiro e com todos esses cérebros brilhantes, circulando pela nossa região, aliados à frustração com o LHC europeu, fica fácil compreender como o maior Acelerador de Partículas veio a ser construído aqui e de forma tão rápida.

Já existem milhares de cientistas e empresas na fila para utilizar os equipamentos. Todos desejam começar os experimentos que devem render milhares de outras patentes e lucros ainda mais significativos. Claro, nem tudo se resumirá a fazer dinheiro com essa iniciativa. No meio de tanta pesquisa comercial, há lugar garantido para os teóricos e os projetos como o meu, que procuram desvendar a origem e o “funcionamento” exato do Universo.

Chegando de viagem, ontem, vim direto para casa descansar um pouco. As duas últimas semanas foram muito cansativas e peguei no sono muito rapidamente.

            Foi aí, então, depois de um mês, que ela voltou a aparecer em meus sonhos.

Como sempre, trago bem viva, na memória, a lembrança de tudo o que ocorreu. E, embora eu estivesse exausto fisicamente, no sonho era como se eu estivesse totalmente renovado.

            Desta vez, ela veio pela grama com os pés descalços, divertindo-se como uma criança que acaba de experimentar a sensação de um contato inédito. Trazia o primeiro véu, vermelho, esticado à frente do rosto, segurando-o com as duas mãos, fazendo movimentos como numa dança... Parou a uns dois metros de distância e disse : Para continuar, adquira o livro...