Chico Xavier - Mudou a visão do Espiritismo
por Jaci Régis

Francisco Cândido Xavier é, sem qualquer dúvida, a mais importante figura do Espiritismo brasileiro deste século. A sua importância deve-se ao extraordinário trabalho de psicografia que mudou a face da Doutrina Espírita no Brasil, com reflexos inevitáveis em outros países.Além disso, o carisma pessoal de Francisco Cândido, sua comprovada elevação pessoal, o desapego aos bens materiais e uma vida pautada por valores superiores, faz dele um marco decisivo nos rumos do Espiritismo no Brasil e, por inferência, no mundo.

A personalidade de Francisco Cândido é ímpar. Graças ao seu comportamento moral e humano, ele contribuiu sensivelmente para mudar a visão do Espiritismo, injustamente envolvido em relações com a Umbanda e fruto de descrédito pela ação de falsos médiuns.Iniciando-se no movimento espírita na década de 30, ele adquiriu progressiva e cada vez mais, uma posição de extrema importância, exagerada pelos místicos e incensadores contumazes, a quem ele, dentro de sua característica pessoal, não desestimulou, mas igualmente não cedeu.

Trabalhou até se aposentar como funcionário público federal, cumprindo sua jornada de trabalho, num período de extrema produção mediúnica. Conforme sua produção mediúnica se consolidava, milhares de pessoas se mobilizaram para conhecê-lo, primeiro em Pedro Leopoldo, sua cidade natal, onde nasceu há 90 anos, próxima a Belo Horizonte e depois em Uberaba, também em Minas Gerais, sempre à cata de notícias de parentes desencarnados e de conselhos.O atendimento pessoal que realizou e realiza até hoje em precárias condições de saúde, transformou Uberaba numa espécie de “meca” do Espiritismo, com milhares em caravanas de várias partes do País. Cientistas e jornalistas, brasileiros e estrangeiros, cercaram-no de pesquisas, entrevistas e reportagens.

Portador do mediunato, Chico Xavier começou psicografando poesias e termina sua tarefa psicografando mensagens leves, algumas repetitivas.

Viajou para o exterior e pelo País, em noites de autógrafos, atraindo milhares de pessoas. Participou do histórico Pinga-Fogo, na extinta TV Tupi, em 28 de julho de 1971, com repercussão extraordinária, derrubando muitos mitos e deixando uma sólida visão da Doutrina, mesmo que sob um viés religioso e evangélico.

Declaradamente espírita, Xavier é respeitado pela sociedade brasileira, que admira sua conduta exemplar, principalmente porque jamais cobiçou bens que lhe foram, inclusive ofertados.

Emmanuel — Falar de Chico Xavier é falar, também, do Espírito Emmanuel. O Espírito que se apresentou a ele na década de 30, com uma cruz luminosa no peito, usou o nome de Emmanuel e tornou-se o mentor do trabalho mediúnico e mesmo da vida de Chico.

A análise da influência de Francisco Cândido Xavier deve, pois, ser feita num amplo espectro, desde sua pessoa carismática e exemplar, às características de sua personalidade mística, mas de maneira alguma crente. Muitas pessoas enganam-se supondo que ele, em algum momento, tenha pretendido impor-se como líder do movimento. Ao contrário, resistiu a todas as tentativas.

Reconheceu seu lugar no movimento e cumpriu sua tarefa de maneira eficiente e exemplar.

Chefiando o trabalho do grupo de Xavier e utilizando a psicografia e a psicofonia do médium, ele traçou e implantou uma filosofia própria, sob certa forma híbrida, pois varia desde o deslumbramento emotivo diante da figura do Nazareno a apreciações bem razoáveis no campo das idéias. Dominou amplamente o cenário espírita, criando ou formalizando a religião espírita, cristólatra e evangélica. Emmanuel soube ficar numa posição inteligente. Jamais deixou-se decair para um misticismo banal, mas entronizou a religião espírita, como base de seu triângulo – ciência-filosofia-religião – que muitos chegaram a supor que teria sido estabelecido por Allan Kardec, dada a desinformação generalizada da obra do fundador do Espiritismo.

Emmanuel, que parece possuir uma personalidade decidida e de certa forma prepotente, impôs sua visão particular, traindo, em muitos casos, sua formação sacerdotal, segundo ele mesmo acentua em sua autobiografia milenar.

Suas idéias estão estruturadas em bases muito parecidas com as postuladas pela Igreja. A dor como caminho único para a redenção dos pecados, a figura de Jesus Cristo como única forma de ascensão e a análise emotiva dos sucessos da evolução planetária fazem parte de seu ideário, adotado pelo movimento, aberto que estava e está às iniciativas de ordem místico-mediúnicas, pelo fascínio que o suposto poder e sabedoria dos Espíritos possuiriam. E, naturalmente, porque jamais, no Brasil, a palavra de Kardec foi decisiva, a partir da adoção dos cultos católicos pelos primeiros líderes espíritas, em torno da doutrina roustainguista que, mesmo indiretamente, Emmanuel apóia, com várias intervenções dúbias.

Seria injusto, todavia, desconhecer ou julgar de maneira depreciativa a obra de Emmanuel. Ao contrário. Foi a partir de seu trabalho na direção do grupo de Xavier, que a literatura espírita popularizou-se e expandiu-se. Todavia, não tanto equilibrada e kardecista como seria de desejar.

Escritor de forma mais ou menos barroca, Emmanuel escreveu romances, monografias e uma história mística da formação do mundo, além de exaustiva interpretação do Novo Testamento cristão.Sua formação clerical, em muitos casos, contraria o pensamento cartesiano de Allan Kardec, mas a população neo espírita, oriunda e incluída na cultura católica do País, naturalmente encontrou nele uma afirmação conveniente.

André Luiz e Muitos Outros — Outro Espírito, André Luiz, encarregou-se de transmitir informações e opiniões sobre a natureza do trabalho dos desencarnados e sobre algumas faces da evolução do ser espiritual, com inegável eficiência. Biografando-se como um médico indiretamente suicida, ele narra sua trajetória no plano extrafísico e sua inclusão em serviços socorristas, através de livros romancedos que contam histórias de supostos trabalhos de amparo aos encarnados e desencarnados. Tamanha foi a repercussão do trabalho de André Luiz que os mais apressados e místicos chegaram a considerá-lo a Quarta Revelação, numa banalização medíocre do que seria a revelação espírita.

Além de André e Emmanuel, mais quatro centenas de Espíritos escreveram através de Chico Xavier, produzindo mais de 400 obras impressas, editadas em várias línguas e que alcançaram o volume de milhões de exemplares. Foram crônicas, contos, romances, monografias, reportagens, mensagens de auto-ajuda, com temas variados e de fundo moral. Embora legalmente proprietário dessas obras, Francisco Cândido Xavier abriu mão dos direitos autorais de todas elas.

Parnaso de Além Túmulo, seu primeiro livro, reunindo poesias de dezenas de “poetas mortos”, alguns de fama na literatura brasileira e portuguesa, é um marco pela variedade de estilos, comprovados por analistas isentos, dando testemunho da autoria real desses autores .Chico e KardecEntre alguns espíritas corre a suposição de que Francisco Cândido Xavier seria a reencarnação de Allan Kardec. Para isso manipulam dados e datas que o fundador da Doutrina deixou escritas. Para eles, Chico completaria a obra do fundador. Tal assertiva é desprovida de qualquer base. Seja pela diferença abismal entre as duas personalidades, a menos que se aceite que de uma encarnação para outra se perca toda a estrutura intelectual, moral e filosófica do Espírito. Ou porque, na verdade, a obra psicográfica de Chico Xavier reproduz opiniões de Espíritos vários, de formação cultural que não alcança o nível mostrado por Allan Kardec.

Ademais, Francisco Cândido Xavier é ele mesmo, com seu carisma, sua estrutura de caráter elevada e trabalhando como medianeiro entre os Espíritos e os homens, cuja obra mediúnica tem seus méritos e questionamentos possíveis dentro do que Allan Kardec estabeleceu para o pensamento espírita.