Artigo de Eugênio Lara - Janeiro / Fevereiro de 2002

Sonhar é Preciso

O sonho faz parte da natureza humana. Um sujeito sem sonhos, sm projetos é uma criatura sem esperança, um zumbi. É a morte em vida. Pois foi a atitude sonhadora de Allan Kardec que serviu de fermento para o desenvolvimento do pensar espírita. Diante daqueles fenômenos aparentemente pueris ele vislumbrou todo um horizonte, um novo universo de idéias e valores. Do simples movimento de mesas e objetos extraiu toda uma filosofia experimental voltada para o progresso intelecto-moral da humanidade. Kardec sonhou e realizou.Sonhou tanto que imaginou o Espiritismo como a doutrina que teria condições de secundar o processo de transformação social, de destruir o egoísmo e o materialismo, as grandes chagas inimigas do progresso. O século 20 se foi e seu sonho não se realizou.Todavia, o seu sonho permanece, é perene e trafega nos domínios da utopia. A utopia espírita de construção de um mundo melhor, sem opressão, sem disparidades econômicas, sem fanatismo, sectarismo, fundamentado em princípios de solidariedade e liberdade, é um devir, uma utopia possível.Todas as grandes idéias foram oriundas de pessoas sonhadoras. Há crenças antigas, míticas que atribuem a origem do universo ao sonho do Criador. O fiat lux foi uma atitude sonhadora que nem os judeus nem os cristãos entenderam.O fatalismo e o determinismo ideológico são inimigos do sonho. Pra que sonhar com uma nova realidade se ela já está determinada? Não sonhar é não existir. Sonhamos por que existimos. Justamente por isso que devemos combater toda e qualquer forma de fatalismo. O que dizer do fatalismo cármico, essa concepção horrorosa que ainda fundamenta conflitos de classes e de castas, como ocorre na Índia, apesar de todo o trabalho de um grande sonhador que foi Gandhi? Tenho plena convicção de que é o sonho de uma sociedade mais justa e igualitária que alimenta movimentos autênticos como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra e que, há séculos, estimulou os negros a construírem os quilombos, o grande Quilombo de Palmares, uma realidade alternativa ao mundo opressivo do homem branco. O sonho de liberdade instigou movimentos que culminaram com a abolição dos escravos.Da mesma forma se hoje as mulheres vêm conquistando cada vez mais o seu espaço, que lhes é de direito, foi em função da morte e tortura de muitas militantes feministas sonhadoras.Sonhar não é delirar. Todo aquele que sonha é tido como louco varrido, um sujeito em estado terminal, um ser delirante. E mesmo aqueles que "deliraram", construíram seu projeto e se tornaram exemplo de dedicação, de trabalho e realização.É preciso sonhar com o amanhã. A necessidade do progresso, do bem-estar, esse bem instintual que a natureza colocou em nosso íntimo, na consciência, não pode se manifestar sem atitudes sonhadoras, ainda que delirantes. O sonho é o alimento dos idealistas.O ideal é construído pela perseverança, pela paciência, tendo como combustível a paixão dirigida, ordenada, concentrada em nobres objetivos. Por isso somos demasiadamente humanos ao sonharmos com um mundo melhor, uma vida mais digna. Sonhar é desejar. E uma criatura sem desejo morreu e nem suspeita disso.E como dizia o poeta, sonho que se sonha junto é realidade. O sonho solitário, sem a comunhão de pessoas vinculadas a um ideal, é fugaz, fugidio, alheio à realidade que se pretende modificar, podendo se transformar num pesadelo, em loucura. "Sonhar é preciso, viver não é preciso...".