Junho de 2002

Capa - Editorial e Notícias

Definidos os Temas e Expositores do Seminário

O Seminário O Espiritismo e os Problemas Sociais, que será realizado dia 29 de junho, das 14:30 às 18 horas, na sede do ICKS, à av. Francisco Glicério, 261 - Santos, vem despertando muito interesse. Pesquisa feita pela Internet e diretamente nos centros que apóiam o Seminário mostra que grande número de espíritas está realmente interessado no debate dos temas sociais.

Os temas sugeridos pelos que responderam à pesquisa são variados e excitantes. Uma grande maioria deles poderá ser motivo de exposições mais amplas em oportunidades a serem abertas.

Dentre todas as sugestões, foram escolhidos três temas que serão abordados no Seminário.

TEMAS E EXPOSITORES

1 – Conceito espírita do direito de propriedade - Eugênio Lara

2 – Lei de Evolução e Lei de Igualdade: abordagem espírita da realidade social? - José Rodrigues

3 – Pobreza, miséria e Lei Natural - Roberto Rufo

DINÂMICA DO SEMINÁRIO

Seminário será divido em duas partes.

Na primeira, cada expositor disporá de 25 minutos para analisar o seu tema.

Para cada tema será designada uma comissão de 3 ou 4 pessoas que se incumbirá de formular 3 perguntas ao expositor respectivo. Além disso, durante as exposições poderão ser feitas perguntas, por escrito.

Após as exposições haverá um intervalo de 30 minutos, para que as comissões possam formular suas questões.

Em seguida, terá início a segunda e última parte, com a resposta dos expositores às questões formuladas pelas comissões e pelos participantes.

FAÇA SUA INSCRIÇÃO

As inscrições são gratuitas e deverão ser feitas:

a) diretamente nos centros e instituições que apóiam o Seminário, os quais organizarão listas de inscrições.

b) Pela Internet, no e-mail - ickardecista@bol.com.br,

c) Pelos telefones (13) 3284 2918 (ICKS) e (13) 3239 4020 (Lar Veneranda).

As inscrições encerram-se dia 25 de junho.

aspecto social do Espiritismo, de que é dirigente.

EDITORIAL

Divulgar a Filosofia Espírita

Nós temos um compromisso com a sociedade. Divulgar o verdadeiro pensamento de Allan Kardec. Podemos, sem jactância, afirmar que o movimento espírita religioso, evangélico e cristão, formou-se, como previu o fundador, representa hoje uma doutrina paralela ao Espiritismo.

Precisamos divulgar o pensamento kardecista antes que se seja de tal forma distorcida que não se saiba mais o que realmente ele é.

Estamos convictos que o pensamento, a filosofia, a visão de homem e de mundo que Kardec delineou não foi dada na sua integridade, à sociedade. O que se fez foi uma fragmentação das idéias, recheando-as com misticismo, religiosismo e idéias que se afastam do centro do conteúdo doutrinário.

A sociedade precisa conhecer Kardec, soterrado pelo mediunismo, pelas extravagâncias e dos exotismos de círculos e pessoas, que não conseguiram romper com os liames de suas crenças, verdade essa tanto válida para os Espíritos como para os encarnados.

Uma das primeiras providências será redimensionar a visão mais ou menos mística com que se cultua em relação aos Espíritos. Considerá-los como simples participantes e não como titulares da verdade ou mensageiros divinos, é uma medida preventiva de desvios lamentáveis.

O Espiritismo vale pelas idéias e pelas idéias ele poderá influenciar de modo mais eficaz o pensamento social, a cultura em geral, principalmente no campo da religiosidade, da relação com o mundo extra corpóreo, enfim, com o dia-a-dia da humanidade, situando-a numa combinação de recíproca influenciação entre os "mortos" e os "vivos".

O Espiritismo não pode restringir-se ao assistencialismo, ao consultório de aconselhamento mediúnico e ao passe. Sua filosofia é o que vale e o que muda.

Se quisermos ajudar a construção de uma sociedade melhor, temos que trazer Kardec ao conhecimento geral. Desvinculados de legações atávicas com cultos, rituais e cerimônias, sobrenatural e milagres. E, finalmente, o Espiritismo jamais influenciará a sociedade senão tiver capacidade de atualizar-se, progredir e pesquisar.

Curso de Iniciação à Doutrina Kardecista

Nos meses de agosto e setembro próximos, o ICKS promoverá o Curso de Iniciação à Doutrina Kardecista, com oito aulas semanais, às terças-feiras, das 20 às 21:30 horas. As inscrições serão abertas em julho.

COMO SERÁ O CURSO

Nas oito aulas semanais consecutivas em que se desdobrará o curso, serão debatidos temas que darão uma visão prática e objetiva do pensamento de Allan Kardec.

Os temas das aulas serão:

1. Quem foi Allan Kardec // 2. Visão geral do Espiritismo // 3. A lei de evolução // 4. A reencarnação // 5. Imortalidade dinâmica // 6. Mediunidade // 7. Leis Morais // 8. Leis Morais

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Revista ICESP

Editada pelo Instituto de Cultura Espírita de São Paulo, a REVISTA DO ICESP (ano I, nº 1 – 1º trimestre de 2002) inaugura uma nova fase de divulgação do ICESP, que mantém uma grande obra de cultura. Nesse setor estão a Biblioteca Espírita William Crookes, a Hemeroteca Espírita de São Paulo e o Museu Espírita de São Paulo (todos na rua Guaricanga, 357/359, bairro da Lapa, na Capital).

Mantém também o Arquivo do Espiritismo de São Paulo e a Pinacoteca Espírita de São Paulo (rua Dom João V, 460, também no bairro da Lapa, Capital) a revista traz notícias das promoções do ICESP.

LE JOURNAL ESPIRITE

Editado na cidade francesa de Nancy, pelo Circulo Espírita Allan Kardec, a revista Lê Journal Spirite, é dirigido por Jacques Peccatte. Na sua versão francesa tem ótima apresentação gráfica. É editada uma edição em espanhol. O nº 48, abril de 2002, traz uma grande reportagem sobre Os pioneiros do Espiritismo. É um documento de grande valor para pesquisa e que ficará arquivado no ICKS.

CADERNOS DE PSICOFONIAS DE 2000

Editado pela Sociedade Brasileira de Estudos Espíritas, SBEE – traz 23 mensagens psicofônicas do Espírito Antonio Grimn transmitidas pelo médium Maury Rodrigues da Cruz, intituladas Doutrina Social Espírita. Antonio Grimm teria sido Jakob Grimm, um dos famosos Irmãos Grimm, autores dos Contos de Fadas para Crianças. No Brasil ele é orientador espiritual e mentor intelectual da SBEE, sediada na capital do Paraná, Curitiba. A SBEE "tem como um de seus objetivos reconceituar o Espiritismo em nosso País".

Cartas Abertas

ENTREVISTA DE LEONARDO BOFF

Sr. Editor,

Ofereço-lhe o jornal anexo (O Pasquim). Como sou estudante do Espiritismo – Allan Kardec -, também assinante do Abertura, de sua edição, achei oportuno pedir-lhe parecer sobre a entrevista de Leonardo Boff. Olga Mathion, Jundiaí, SP

Prezada Olga, Li com atenção a longa entrevista que o ex-padre Leonardo Boff deu ao jornal O Pasquim. A discordância do ex-sacerdote com a hierarquia da Igreja é conhecida de público e, por fim, fê-lo abandonar o sacerdócio. Hoje, com 63 anos, ele ataca o cristianismo de modo geral, o papa e principalmente o catolicismo, que chama de ramo católico do cristianismo. Muitas de suas críticas podem, sem dúvida, serem subscrita pelos kardecistas, porque vão de encontro com o pensamento libertador que Allan Kardec insuflou na sua doutrina. Agradeço sua lembrança. Um abraço – Jaci Regis

Fato & Comentário

O Fim do ENCOESP

Em janeiro de 2001, a USE promoveu na Capital, no Centro de Convenções do Anhembi, o 1º ENCOESP – Encontro Espírita de São Paulo, que abriu para várias correntes do Espiritismo.

A entidade projetou a realização, neste ano, do 2º ENCOESPE, mas em nota divulgada, cancelou o evento, alegando problemas administrativo e falta de recursos. Segundo a direção da USE, esta não dispunha de R$ 80 000,00 para alugar o local da exposição.

É lamentável que a USE com ramificações em todo o Estado de São Paulo, não tenha R$ 80 000,00 para divulgar o Espiritismo. O que, aliás, confirma que os espíritas não metem a mão no bolso para ajudar a doutrina.

Entretanto, sabe-se que o mais importante obstáculo à realização do 2º ENCOESP foi a pressão da Federação Espírita do Paraná e outros setores que se revoltaram não com as conferencias de padres, pastores e a presença de notórios movimentos não totalmente kardecistas, mas somente com a CEPA.

A CEPA esteve presente com um stand e seus dirigentes proferiram palestras dentro do quadro dos temas usuais no movimento. Mas isso não pode ser tolerado.

A pressão foi tamanha porque a CEPA representa uma ameaça ao poder dos dirigentes e pode introduzir uma brecha no aparente sólido edifício da unificação presidida pela FEB, ao provocar o debate sobre o suposto triângulo emmanuelino, no qual a religião ocupa lugar principal.

A iniciativa da USE foi também criticada pelos combatentes anti-FEB que não aceitam também a CEPA. Numa embrulhada mental, atacam a FEB pelo roustainguismo e a CEPA pelo laicismo.

Se o roustainguismo pode ser condenado por ter posições que não se encaixam, ao contrário se distanciam do kardecismo, o laicismo não é uma posição extremada e muito menos anti-Kardec.

O marasmo intelectual e a lassidão do comportamento dos dirigentes do Espiritismo cristão, evangélico e mediúnico, prenuncia outras tantas colisões de interesses e luta pelo poder.

O Espiritismo que se dane.

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Atualizar para Permanecer

Da Redação

O slogan escolhido para a XIV Conferência Regional da CEPA, a realizar-se em São Paulo, de 14 a 11 de novembro deste ano deve ser entendido como uma manifestação de amor à doutrina.

Essa manifestação se impõem porque para muitos essa frase representa um perigo, uma tentativa de acabar com o trabalho secular realizado pelos espíritas no Brasil.

Além disso, como nunca foi antes cogitado seriamente do dinamismo progressivo e progressista do Espiritismo, para muitos falar em atualizar é uma traição. Porque, afinal, o Espiritismo, nessa visão, é uma revelação divina irretorquível. Depois, argumenta-se que se a doutrina precisasse de atualização os Espíritos teriam providenciado.

Lembram-se do trabalho a princípio muito fértil do Espírito Emmanuel e, depois do Espírito André Luiz, que a muitos até pareceu uma "quarta revelação". Como se deve lembrar com carinho do esforço, da dedicação dos que, pioneiramente, sustentaram a bandeira do Espiritismo num momento muito difícil, numa demonstração de amor ao Espiritismo.

Analisados esses esforços e contribuições mister se faz, todavia, compreender que o próprio Allan Kardec asseverou que o imobilismo das idéias, seria o suicídio da doutrina. Ora o suicídio é um ato que atenta contra a própria pessoa. No caso da doutrina o suicídio adviria dos espíritas atentarem contra a própria doutrina.

O Espiritismo tem um projeto e, sob qualquer ângulo, pretende permanecer como uma contribuição positiva para a humanidade. Frisamos "contribuição" porque nesta altura das circunstâncias, presumir uma hegemonia do Espiritismo é ridículo. Por dois motivos: primeiro não há espaço na atualidade para a hegemonia de uma forma de pensar, uma vez que as relações humanas cada vez se baseiam na diversidade e, segundo, porque o Espiritismo jamais se pretendeu açambarcar o mundo com suas idéias.

O Espiritismo deseja secundar o esforço humano de superação, contribuindo com suas idéias, sua visão de homem e de mundo.

Para isso, deve ter em mente o slogan da XIV Conferência. Para permanecer atuante e influente na sociedade a linguagem, a forma de entender os fatores evolucionistas e progressistas das sociedades humanas, devem ser atualizados.

Ninguém pretendeu até hoje atualizar no sentido de criar novos princípios ou substituir fundamentos. O que se pretende é mudar, atualizar, dinamizar a operacionalidade do movimento, de modo que ele se compactue, se alinhe definitivamente com as diretrizes de Allan Kardec, que pede, justamente, evoluir para permanecer.

A figura da Mãe

Jaci Regis

Quando escrevi o livro Amor, Casamento & Família, em 1977, asseverei "a paternidade realça o valor do homem para si mesmo, tanto quanto a maternidade eleva a mulher no seu próprio conceito".

Passados vinte e cinco anos, certamente não mudei meu sentimento em relação à função materna, embora tenha compreendido que não é possível desvincular a mulher, o Espírito, de sua realidade pessoal e como se situa diante do quadro de responsabilidades que a maternidade impõe.

A ligação entre a mãe e o Espírito reencarnante precede ao próprio momento da concepção. Laços tênues ou fortes entrelaçam as almas que se dispõem ou são levadas a conviver no espaço afetivo tão intenso e tão decisivo como a relação mãe-filho.

Conforme a família diminuiu e a realidade social determinou caminhos dantes não caminhados pela mulher, então isolada no recesso da casa, agora lançada no torvelinho da concorrência profissional, tangida pela ânsia de auto realização pessoal, como também pelo dinheiro que produz, a mãe tem outros desafios.

A família numerosa, em certa medida, diluía o amor materno na prole e seu lugar era e ainda é, sem dúvida, um ícone centralizador, intermediária boa ou má, atenciosa ou descuidada, afetuosa ou indiferente, imparcial ou parcial.

Hoje, a mãe precisa defrontar-se olho no olho de seu único filho ou de um par ou casal. A relação é mais estreita, corporal, intensa, no espaço reduzido de um apartamento ou quarto alugado para as que carregam os filhos como fardo pesado na sobrevivência difícil.

Velhos e tradicionais costumes perdem a força, mas não, o mecanismo de atração, conluio, amor e ódio, entre o filho e a mãe.

Envolvida no processo psico-afetivo que a gravidez desencadeia, pela introdução no seu espaço afetivo da presença ostensiva do reencarnante, a mulher sente as transformações não apenas físicas, mas vibracionais de seu ser.

Enquanto a barriga cresce, aproxima-se o momento esperado e temido do nascimento. O reencarnante se agita, cada vez menos consciente e mais impaciente e a futura mãe percorre o caminho da apreensão e do medo, da ansiedade ou da raiva, do amor ou da indiferença.

E quando a criança nasce, reproduzindo a mesma experiência genética e espiritual de tantas e tantas encarnações e, não obstante, cheia de percalços e dúvidas, sua vida já não será jamais igual.

Desde aquele momento ela estará irremediavelmente ligada ao seu rebento. O chamará ao peito para alimentá-lo e transmitir afeto e segurança, se seu coração estiver no compasso da ternura que surge naturalmente do início da maternidade, como flor que desabrocha para colher na corola o infante desprovido de defesa, sequer capaz de alimentar-se e viver sem apoio e sem ajuda.

Mesmo as que, seja porque motivo for, jogam seus filhos fora, se separam deles como uma nódoa a ser oculta, terão gravado na consciência esse apelo genético e emotivo, talvez procurando nas faces que passam desconhecidas pela sua vida, o filho ou a filha abandonada. Sabem que são mães mesmo que isso esteja oculto.

Todavia, as que olham aquele ser indefeso, saudável ou doente, frágil ou forte, com admiração e ternura, conhecem um sentimento que somente o fato dele sair de seu ventre e estender seus braços pequenos e seu olhar vago a procura do amor materno, pode desencadear.

Vejo meninas dando a luz a filhos sem entender muito bem o que se passa, sem amadurecer e, às vezes, sem criar uma ligação real, porque é como se faltasse para elas um pedaço de vida não vivido, uma fase não superada e, ainda crianças, pois muitas têm menos de 14 anos ou pouco mais, recusam-se a amadurecer precocemente. Os filhos nasceram de seus ventres, mas na maioria não lhes pertencem. São mães biológicas, simpáticas, mas têm dificuldade de assumir a maternidade.

Pois a maternidade aparece apenas quando a mulher se torna mãe além do fato de ter gerado uma criança. Mas porque sua alma, seu coração, sua vida, se envolvem com aquele ser, que sente seu, sem se-lo, que pede cuidado e que ela acompanha com zelo seus primeiros passos, suas dores e doenças, seu sorriso e suas lágrimas, seu hoje e seu amanhã.

Pois o amanhã, o futuro será em boa parte determinado pela semente de afeto, de segurança e de uma relação positiva que ela conseguir plantar na vida de seus filhos. Essa semeadura é toda uma seqüência de vivências, olhares, palavras, gestos e ações, desde o primeiro momento até um limite indeterminado da vida dos filhos.

Todavia, não podemos esquecer que a mãe que se torna uma referência e que para os filhos é quase uma forma assexuada, é uma mulher, com seus problemas, suas ansiedades e desejos. Não pode ser deixada isolada, sem apoio. Não deve se isolar e perder-se nos desvão de seus anseios.

Houve tempo em que a figura da Virgem Maria foi oferecida como o modelo às mães. Era o símbolo do sofrimento, da renúncia e da anulação de si mesma. Hoje a mãe precisa encontrar-se como ser, como Espírito, como pessoa capaz de determinar o próprio destino, que, por conseqüência influi, invade e não raro determina o futuro dos filhos.

Felicito-me por saber que, tempos modernos ou não, o sentimento de maternidade continua vivo no coração da maioria das mulheres, como esteve no coração de minha mãe, tão estranha para mim, na mãe de meus filhos e nas minhas filhas que trazem meus netos para este maravilhoso planeta azul, cheio de dores, sofrimentos, sorrisos e esperanças.

No dia das mães reúno as mães de minha vida e lhes ofereço um brinde singelo. Olho em seus olhos e percebo que a maternidade conquistou suas almas, ampliou os horizontes de suas vidas. Vêem seus filhos e filhas crescerem, se encaminharem e percebem que os laços que se seguiram ao momento do nascimento se prolongaram e se tornaram mais fortes. Permanecerão para sempre. Até mesmo depois da morte, porque a lembrança persiste e a esperança de reunirem-se um dia "no outro lado da vida", é passaporte para minimizar a realidade do adeus, inevitável.

O censo e o Espiritismo

Eugenio Lara

Os últimos resultados do Censo 2000 revelaram diversos dados já esperados por estudiosos e pesquisadores dos problemas sociais: o crescimento do movimento evangélico, a contínua decadência do catolicismo, o avanço das religiões alternativas e o aumento surpreendente das pessoas sem religião.

Cerca de 74% dos brasileiros são católicos, mas a proporção caiu 11,9% desde o Censo de 1991, enquanto a de evangélicos aumentou 70,7%. O crescimento dos agnósticos mostra que há uma insatisfação muito grande com as religiões. É um dado que incomoda principalmente a Igreja Católica, mais preocupada com esse contingente do que com o avanço dos evangélicos. Afinal, apesar de perder adeptos para os crentes, eles permanecem cristãos, religiosos.

Não é o caso dos que se declararam sem religião no Censo 2000, cujos números surpreendem. Em 1991 eram 4,78% da população. Em 2000 esse número saltou para 7,3%, o que corresponde a 12,3 milhões de pessoas. Em 91 eram 6,9 milhões. Houve um crescimento de 52,3% em relação ao censo anterior.

O número de adeptos de outras religiões também cresceu de 2,4% do total da população em 1991 para 3,6% em 2000. Isso mostra que o brasileiro vem buscando outras alternativas para satisfazer a sua religiosidade.

Os espíritas se consolidam como o quarto contingente mais numeroso com 2,3 milhões de pessoas. Isso representa 1,4% da população. Houve um sensível crescimento, pois em 1991, segundo o IBGE, havia pouco mais de 1milhão e seiscentos mil espíritas.

Quem atua no dia-a-dia do movimento espírita sabe que boa parte dos novos integrantes são oriundos do catolicismo, mas isso após haver o desencanto com essa religião, muitas vezes perceptível nas posições agnósticas, independentes ou extremamente críticas em relação aos dogmas católicos. O evangelismo e o modismo esotérico atraem novos adeptos. O Censo 2000 demonstrou isso. Seria esse o caminho a ser adotado a fim de que o movimento espírita se fortaleça com a presença de novas pessoas? Cremos que não.

Seguir o caminho da cruzada religiosa a fim de conquistar adeptos, disputar o mesmo terreno que os cristãos é perda de tempo. Como ensinou Kardec, o Espiritismo deve ser um auxiliar das religiões, ao invés de concorrer com elas.

Incorporar elementos do esoterismo, muito menos. Muitos centros espíritas vêm adotando práticas esotéricas, mágicas, sem fundamento algum, num sincretismo inconcebível, completamente fora dos preceitos kardequianos.

A atuação espírita se dá em nível cultural, ético. Longe da filosofia espírita se travestir numa seita ou enveredar pelo esquema religioso ou esotérico. O Censo 2000 revelou que há um terreno fértil para a Doutrina Espírita. Filosofia cativante, muito bem fundamentada, com princípios e valores que se entrelaçam com a contemporaneidade, o Espiritismo tem tudo para se apresentar como uma alternativa simpática, tanto ao esoterismo como ao agnosticismo, àquelas pessoas desencantadas e decepcionadas com o sectarismo religioso.

Para tanto, torna-se imprescindível oferecer um discurso e uma postura afinada com os problemas do nosso tempo, mediante uma embalagem adequada, a fim de se constituir num produto acessível, assimilável, tanto àquele que quer pensar e se aprofundar como aos que preferem apenas uma orientação ética para o seu dia-a-dia e nada mais. O Espiritismo possui conteúdo de sobra para a efetivação desse propósito.

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Dúvidas e Esclarescimentos sobre

a Doutrina Kardecista

Jaci Regis

Durante a palestra Há Uma Doutrina Kardecista? que proferi na Semana Kardecista de Santos, houve muitas perguntas, mostrando o interesse dos participantes. Tentarei resumir algumas dessas questões por julgar que será útil para a reflexão dos leitores, porque o tema é polêmico.

Pergunta – Ao chamar o Espiritismo de "doutrina kardecista" não se estaria criando uma nova seita?

Resposta – Nosso propósito é estabelece claramente que o Espiritismo é uma doutrina kardecista, no sentido que a elaboração de seu conteúdo doutrinário e sua institucionalização foram feitas por Allan Kardec.

Pergunta – Mas se você diz que Kardec foi o fundador do Espiritismo, não estaria desmentindo o próprio Kardec que afirmou que era obra dos Espíritos?

Resposta – É preciso pensar com cautela nesse campo. Não disse e não poderia dizer que o Espiritismo é obra de Kardec no sentido estrito que sua elaboração tivesse sido exclusiva iniciativa dele. Creio que essa questão está bem respondida na Introdução do livro A Gênese, quando Kardec afirma que a iniciativa era dos Espíritos e a elaboração era dele. Está então caracterizada a combinação de dois fatores: a provocação e a iniciativa eram dos Espíritos, mas quem decidiu o que seria a doutrina foi obra pessoal de Kardec.

Pergunta – Como pode ser dito que quem decidiu o conteúdo foi Kardec? E o papel do Espírito Verdade?

Resposta – Kardec afirmou no mesmo livro A Gênese, que a doutrina não foi dada completa em nenhum lugar. Seu conteúdo foi produzido por Kardec à partir de comunicações fragmentárias. O seguinte trecho esclarece o papel de Kardec na elaboração do pensamento espírita: "O Espiritismo não é uma concepção pessoal nem o resultado de um sistema preconcebido. É o resultado de milhares de observações feitas em todas as partes do globo, que convergiram para um centro que as coligiu e coordenou. Todos os princípios que o constituem, sem exceção, foram deduzidos da experiência. A experiência sempre precedeu a teoria." O Espírito Verdade foi o parceiro maior de Kardec, mas não foi o único".

Pergunta- Essa questão da independência de Kardec em relação aos Espíritos não está ainda bem clara.

Resposta - Essa circunstância foi bem entendida por Canuto de Abreu que apontou a mudança de postura de Kardec no espaço entre a 1ª e a 2ª edição de O Livro dos Espíritos. Ele escreveu no livro comemorativo do centenário do Livro dos Espíritos, isto é, uma edição bilíngüe do Primeiro Livro dos Espíritos: "O papel do homem sobreleva ao dos Espíritos. Os Instrutores ficam em segundo plano, como simples testemunhas informantes ou de ciência própria perante o juiz severo e lúcido. O Discípulo torna-se Mestre. Nivela-se o Aprendiz com os Instrutores. Julga. Critica, Distingue. Seleciona. Atende somente a seu criterium, confia só em seu discernimento. Inspira-se apenas no Espírito VERDADE, diretamente, e que nunca o abandonou".

Pergunta – Se alguém Perguntasse a você se é espírita o que responderia?

Resposta – Diria que sou kardecista.

Pergunta – Mas isso não retira do Espiritismo a condição de revelação dos Espíritos?

Resposta – Creio que precisa ser feita uma reflexão madura sobre a natureza e o surgimento do Espiritismo. Em primeiro lugar a questão da revelação não pode ser levada para o campo místico. Kardec deixou isso bem claro. Na mesma Introdução de A Gênese, ele faz um longo estudo sobre o que significa "revelação". Lista uma série de revelações possíveis, inclusive a religiosa e acaba por afirmar que o Espiritismo era uma revelação científica. O que significa isso? Que a doutrina que ele elaborou foi construída pelo critério científico, ou seja, passada a limpo pela razão, pela comparação e, inclusive, pela rejeição de muitas teses apresentadas por Espíritos".

Pergunta – Ao invés de criar essa divisão, não seria mais produtivo trabalhar pela valorização, pela definição positiva das palavras "espírita" e "espiritismo", tão desgastadas?

Resposta – Não creio que seja possível, nesta altura, resgatar o verdadeiro e objetivo significado das palavras espírita e espiritismo, criadas por Allan Kardec. Por dois motivos: sob certo aspecto essas palavras caíram em domínio público e são usadas por movimentos espiritualistas, como a umbanda e outros e, por outro lado, esses termos sofreram deformações definitivas quando são usados para significar o espiritismo religioso, cristão, que na minha visão são corrupções do verdadeiro sentido que Kardec deu à doutrina.

Pergunta – Você insiste que o Espiritismo não é cristão. Você se considera cristão?

Resposta - Não, não me considero cristão, embora não desconheça que vivo dentro da cultura cristã, instalada no mundo ocidental.

Pergunta – Isso não cria um choque, porque nós os espíritas sempre nos consideramos cristãos.

Resposta – Sim, mesmo entre os que não se consideram espíritas religiosos, e se chamam de laicos, na verdade se sentem ainda cristãos.

Pergunta – Qual o mal de ser espírita e ser cristão?

Resposta – Não existe "mal". É uma questão cultural, sobretudo. São mais de dezessete séculos de cristianismo oficializado. Nesse logo tempo foi criada, através de pressões culturais e políticas, educacionais, uma mentalidade forte, um condicionamento mental difícil de mudar. Do cristianismo, Kardec retirou apenas a moral trazida por Jesus de Nazaré que é insuperável e que muitas vezes passa ao largo do cristianismo. Este é um processo cultural, filosófico, religioso, que montou uma visão de homem e de mundo específica e que se consolidou. Ora, na minha visão, o Espiritismo, ou melhor, a doutrina kardecista, rompe com o cristianismo em todos os setores de sua visão de homem e de mundo. O fato de ambos, a doutrina kardecista e o cristianismo, terem a mesma moral, não significa que caminham juntos na análise de Deus, da pessoa humana, da imortalidade, da dor e do prazer. Ao contrário.

Pergunta – Você crê na vitória desse seu projeto ou desejo, atraindo os setores evangélicos do Espiritismo?

Resposta – Não prevejo qualquer possibilidade do movimento evangélico aceitar o Espiritismo como doutrina kardecista. Está solidificada nesse setor majoritária a necessidade de transformar o Espiritismo numa religião e manter o culto a Jesus Cristo. Para esse setor o Espiritismo é uma revelação divina, a terceira revelação da lei de Deus tem uma missão de salvar e recuperar o evangelho. Na minha visão atual o que pode haver é menor intolerância dos setores majoritários a esse respeito e uma adesão mais firme dos "laicos".

Pergunta – Você não está criando uma seita ao lado do Espiritismo?

Resposta – De modo algum. Sem qualquer arrogância posso dizer que é o espiritismo religioso, que criou uma seita paralela ao Espiritismo de Kardec. Sem vaidade creio que posso dizer que estamos resgatando o verdadeiro sentido progressista e progressivo do Espiritismo como queria Kardec.

Pergunta – O Evangelho segundo o Espiritismo não é um livro religioso?

Resposta – Não, não é. Quem o estudar com cuidado verificará que Allan Kardec quando o escreveu tirou do Novo Testamento cristão, alguns trechos que comprovariam, na interpretação, pontos principais da doutrina e, em conseqüência algumas diretrizes morais. O livro, contudo, tem muitas mensagens de valor questionável. O que houve foi a transformação do Evangelho no livro básico, quando essa função é a do Livro dos Espíritos.

Pergunta – Por que Kardec procurou fundamentar esses pontos nas escrituras?

Resposta – Foi uma questão estratégica. No ano de 1863, a Igreja Católica desfechou uma intensa campanha contra o Espiritismo, mostrando-o como obra do diabo e contrária aos sacramentos cristãos. Kardec elaborou O Evangelho como resposta a essa agressão, para mostrar que o Espiritismo não era demoníaco, mas que seguia a moral de Jesus de Nazaré. Foi aí que ele criou o Fora da caridade não há salvação, para se contrapor ao Fora da Igreja não há salvação. Aliás, essa frase é um esforço didático, porque a doutrina kardecista não cogita da salvação.

Pergunta – Você diz que o Espiritismo não é religião, mas Kardec até escreveu preces.

Resposta – Para mim, as preces que Kardec escreveu e fazem parte do O Evangelho Segundo o Espiritismo não significam a igrejificação da doutrina. Creio mesmo que são supérfluas e quem as lê e compreende verá que não tem qualquer sentido místico.

Pergunta – Voltando à questão da prece, noto que vocês não costumam abrir e fechar as reuniões com uma prece. Será que vocês desprezam a prece?

Resposta – De forma alguma desprezamos a prece. Ela é um elo de emoção e quando flui do coração é instrumento poderoso de ligação, sintonização com as correntes mentais positivas e com Espíritos equilibrados no bem. É forma de comunicação efetiva, quando sincera e positiva. Entretanto, não queremos nem banalizar, nem tornar a prece um culto, um ato litúrgico.

Sabemos que na grande maioria dos centros, instituições e eventos espíritas não se começa nada sem antes fazer uma ritualística prece de abertura. Muitos supõem que basta recitar uma prece para que ela seja efetiva. Lembro-me de um escritor e dramaturgo espírita que, participando de um Seminário, apresentou-se para falar sobre teatro. Após a devida apresentação deu-se a palavra ao expositor. Seguiu-se um momento de silêncio e constrangimento. O orador mexia-se na cadeira e não conseguia dar início ao seu discurso. Finalmente ele disse: não posso iniciar sem fazer uma prece. Feita a prece, por ele mesmo, passou a discorrer com desenvoltura seu tema. Nesse caso, ocorre-me pensar que é como uma partida de futebol, que não se inicia, nem termina sem o apito do juiz. A prece nesse caso é o apito. Nosso entendimento do valor da prece é bem outro.

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Seria a mídia pessimista ? E você ?

Alexandre Cardia Machado

Muitas vezes nos defrontamos, ao debatermos as questões do dia a dia, no Centro Espírita com pessoas amarguradas com uma visão muito pessimista do mundo. A Doutrina Espírita e por si só otimista ao nos demonstrar que teremos pela frente outras vidas onde as dificuldades que eventualmente passamos nesta encarnação poderão ser eliminadas nas próximas.

Ser positivo, otimista não significa fechar os olhos aos problemas que existem ao nosso redor. Ser otimista, através de uma visão Espírita de mundo, onde conseguimos compreender que alguns dos problemas que vivemos são oriundos do estágio atual da humanidade, na vida em sociedade.

Ser otimista e estar aberto as oportunidades, é viver para frente.

A forma de vida moderna, a existência de países que respeitam a soberania de seu vizinho, a existência dos direitos humanos, das relações internacionais, dos direitos e obrigações trabalhistas são muito recentes. A violência urbana, decorrente de aglomerados humanos que fazem com que milhões de pessoas dividam um espaço de poucos quilômetros quadrados. É um fato recente na humanidade que podemos imaginar que será transitórios. A taxa de natividade da humanidade tem caído década a década o que nos faz supor que em 100 anos chegaremos ao limite máximo de habitantes na terra. À partir daí, haverão condições de resolver efetivamente o problema.

Países que atingiram um patamar populacional tem conseguido resolver os seus problemas urbanos e sociais pois o equilíbrio permite que as sociedades ofereçam melhores serviços a sua população, faz-se possível o acúmulo de recursos capazes de proteger o cidadão. Isto é o que acontece hoje em países como, Noruega, Suécia, Canadá, Austrália, Dinamarca apenas para citar alguns.

Kardec nos adverte que o nosso pensamento precisa ser seletivo. Ou seja, se mantivermos uma atmosfera negativa, atrairemos Espíritos afins a estes pensamentos, contribuindo para que o clima de pessimismo nos impeça de buscarmos novas oportunidades, novos cursos, melhorarmos nossa capacitação.

A vida atual em grandes cidades, faz com que não tenhamos muito tempo para prestar atenção nos detalhes e somos tentados a buscar simplificações. Assim uma das mais recentes "verdades" brasileiras é de que a imprensa de modo geral só publica má notícia. Esta constatação não é baseada em fatos mas em impressões.

Pensando nisto resolvi fazer um levantamento para verificar se de fato isto ocorria. Utilizei-me de jornais, durante uma semana e acompanhei o que foi publicado em 3 jornais a que tenho acesso aqui em Porto Alegre, Zero Hora, O Sul e Gazeta Mercantil.

Foram consideradas as noticias publicadas na capa, última página e nas 6 primeiras páginas. Em um total de 246 noticias, apenas 23,6% eram noticias ruins, 34% eram noticias boas e 42% eram apenas informação. Algumas pessoas podem contra argumentar que se eu olhasse apenas as capas, as grandes manchetes seria muito diferente e que estas noticias são as que marcam o nosso dia e assim por diante.

Pois bem, se tomarmos apenas as manchetes de primeira página, seriam ao todo 90 notícias, das quais, 22,2% eram notícias ruins, 33,3% boas e 44,5% informações neutras!

Assim, para mantermos nossa mente num nível melhor de percepção, sugiro algumas reflexões:

- Prestem um pouco mais de atenção nas boas notícias;

- Busquem analisar a história mais pela tendência e menos pontualmente;

- Mudem de jornal, rádio e televisão, busquem programas mais informativos que mostrem uma visão mais global;

Para citar um exemplo disto, analisemos a informação mais importante para o país, disponibilizada na semana passada, que foi a publicação pelo IBGE do Censo, realizada durante todo o ano de 2000.

A sua análise mostra que tivemos grandes saltos de qualidade em nosso país nos últimos 10 anos, tivemos apenas um item, com certeza importante, que não acompanhou a tendência, ou seja não melhorou a distribuição de renda. Fato amplamente destacado nas manchetes, mas para aqueles que vão além das manchetes puderam constatar o seguinte:

Houve melhora em - Educação, o número de pessoas com mais de 4 anos de estudo aumentou de 58,5% em 90 para 62,5%, no ano 2000, ou seja, mais 4% da população ultrapassou a barreira do ensino fundamental (antigo primário), mas o maior salto foi no secundário, ou seja, com mais de 8 anos de estudo estão hoje 33,1% da população, contra 24,8% em 1990.

Estes 8% a mais da população com segundo grau completo, cursos técnicos e universidade estão fazendo uma enorme diferença nesta década que estamos entrando, serão mais empresários, profissionais, massa pensante buscando soluções para os nossos problemas.

Os lares brasileiros hoje tem 10% a mais de esgoto, apenas 7% da população não tem energia elétrica em suas casas, a televisão e com ela acesso a alguma cultura, esta presente em 87% dos lares, um salto de 8% em uma década, mas o que mais chama a atenção é que houve uma expansão de 113% no número de telefones residenciais, sem falar nos celulares.

Com todo este movimento acontecendo, não há como duvidar que a melhora na distribuição de renda, virá nesta década. Motivados pelo CPMF pessoas que sonegavam imposto de renda, estão declarando mais, a Receita Federal vem batendo recorde de arrecadação todos os meses.

Mais imposto gera mais programas sociais, que mantém crianças na escola, melhor alimentadas e por mais tempo, pessoas que melhor preparadas vão mudar o nosso país, que melhor informadas planejarão melhor suas vidas.

"…Humanidade, Humanidade não mergulhes, pois, mais teus melancólicos olhares nas profundezas da Terra para ai procurares os castigos; chora , espera espia e refugia-te no pensamento de Deus intimamente bom, absolutamente poderoso, essencialmente justo…(Platão) LE livro IV capitulo II."

Alexandre Cardia Machado, é engenheiro e colaborador do Abertura.

DE PARIS PÉRE LACHAISE

Clovis Zanetti

Esta crônica veio-me à cabeça passeando com meu cachorro ao redor do cemitério Père Lachaise. Moro perto dele, porém não posso entrar neste parque-cemitério com meu cocker Ruddy pois animais só entram em alguns dos parques públicos parisienses.

Claro que o Père Lachaise nos faz pensar imediatamente em Allan Kardec e nas palavras gravadas no seu túmulo : "nascer, morrer, renascer, progredir sem cessar, esta é a lei."

Fez-me pensar nos meses e meses que deixei de escrever para o « Abertura », não por falta de vontade ou de assunto, mas realmente por falta de tempo e de hábito de escrever em português, pois tudo o que tenho escrito nos últimos anos, seja pessoal, seja profissional, tem sido em outras línguas, dada a minha ausência do Brasil pois a maioria de minha família vive hoje no exterior. Mas o hábito da leitura em português, sobretudo deste jornal, nunca deixou de me estimular. O progresso individual, tenho certeza, passa também pela escrita.

A França esteve nas manchetes dos jornais do mundo inteiro no mês de maio por causa do primeiro turno das eleições presidenciais que colocou Le Pen, o candidato fascista da extrema-direita como finalista contra Chirac, o antigo presidente, pertencente a uma direita moderada. As eleições já passaram, Chirac foi re-eleito em massa por todas as tendências políticas, porém esta mancha negra do primeiro turno ficou. Porque este voto de extremismo foi feito por um povo que é sem dúvida um dos mais politizados do planeta, extremamente bem informado, educado e com alto sentido crítico ? Um povo que conseguiu derrubar a monarquia, que lançou o movimento de liberação política, sexual, social e intelectual dos anos 60 ? Como explicar que um povo cuja máxima republicana é liberté, égalité, fraternité possa chegar a este extremo ? Na minha opinião, porque deixou um pouco de lado justamente o terceiro elemento da máxima mencionada., ou seja, a fraternidade.

O que seria então esta fraternidade que parece esquecida ? A capacidade de ver o outro como seu irmão, como seu igual, independente da idade, cor, raça, religião e sobretudo, nos dias de hoje, da posição social, ou, claramente falando, independente sobretudo da posição econômica ocupada!!! Esta fraternidade que no espiritismo chamamos caridade (palavra e conceito hoje tão mal compreendidos, tanto aqui na França como no Brasil !)

Meu propósito não é transformar esta crônica em panfleto social, simplesmente tentar colocar o papel que uma filosofia laica pode ter na coesão de um povo, na aceitação das pessoas como elas são, ou simplesmente no seu relacionamento pacífico. Há, evidentemente, centenas de filosofias, de origem espiritualista ou não, que nos permite fazê-lo. Se nós, espíritas, decidimos optar por este caminho (que, a meu ver, não é nem o único, nem sequer o melhor para todos) é porque ele responde às nossas necessidades do momento. Sinto-me feliz por tê-lo descoberto desde criança no Brasil, por tê-lo redescoberto mais tarde aqui na França, porém sem esquecer todos os outros caminhos pessoais que já trilhei, sejam eles intelectuais, filosóficos, psicanalíticos, corporais ou, porque não, religiosos.

Hoje sou vice-presidente da APES (Association Parisienne d’Etudes Spirites), associação que fundei há mais de 10 anos com minha amiga Anita Becquerel, grupo que cresceu pouco a pouco neste país onde a simples palavra espiritismo confunde-se com seita mais ou menos perigosa, com mesas que mexem, com casas mal-assombradas, com cartomancia ou com superstição (por exemplo, aquela simpatia de colocar uma rosa no túmulo de Allan Kardec no Père Lachaise para obter uma graça…).

Na nosso centro, que é pequeno, comparado com centros brasileiros, recebemos numa sala própria, conseguida com muito esforço, estudantes, operários, professores, velhos, moços, católicos, judeus, materialistas e espiritualistas de todas as crenças e tendências ; só insistimos na necessidade de um trabalho pessoal baseado no estudo e no questionamento próprio. Ainda que difícil, preferimos ficar independentes das grandes associações espíritas, porém colaboramos e recebemos com enorme prazer apoio de quase todas. A política espírita, nacional ou internacional não faz parte de nossas ambições, porém nossa presença sim, pois temos muito a compartilhar de nossa experiência francesa.

Criamos e temos hoje no nosso grupo uma micro-estrutura que pensamos ser justa, livre e sobretudo fraterna, porém temos consciência de viver numa macro-estrutura que é, acima de tudo, injusta em graus variáveis, tanto aqui na Europa como aí na América Latina. Fazemos o que podemos para vivê-la da melhor maneira possível e nisto a consciência espírita nos ajuda cada dia mais. E podemos aproveitar, sem complexos, de um passeio para meditar, num dia de sol, tanto na praia do Gonzaga como no parque do Père Lachaise.

Clovis Zanetti mora em Paris e é presidente da Association Parisienne d’Estudes Spirites

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Ciro Pirondi: O Movimento Espírita é a negação do Espiritismo

Ciro Felice Pirondi, 46 anos, é arquiteto. Arquiteto de sucesso foi presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil e do Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura. Fez doutorado em Barcelona, Espanha. Professor Universitário é Diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Escola da Cidade, em São Paulo, capital.

Nascido em lar espírita Ciro desde menino participou do movimento espírita paulista, continuando na juventude e como adulto foi atuante membro da USE.

Fez parte da Comissão Organizado do IX Congresso Espírita Paulista, realizado em 1986. Seu afastamento do movimento deu-se nesse mesmo ano de 1986, quando das eleições para a Diretoria Executiva da USE, membro da Chapa Unificação Já, que foi derrotada.

Vez por outra ele participa de eventos espíritas. Convidado pelo ICKS-Instituto Cultural Kardecista de Santos, ele esteve em Santos, no dia 10 de maio para proferir palestra na segunda parte da reunião que é realizada toda sexta-feira.

Sua palestra versou sobre a Arquitetura e Arte. Após a palestra Ciro concedeu entrevista ao ABERTURA, mantendo sua postura de eqüidistância do movimento. Embora na essência e na vida prática se considere espírita, ele não acredita que haja mais oportunidade do Espiritismo enquanto movimento ocupar um lugar de influenciação social. Para ele o Espiritismo continuará como movimento fazendo o que está fazendo. Embora admirando Kardec, ele considera que este foi um pensador mediano e que deveria ter enfrentado de outra forma essa questão da religião. Poderia, segundo CIRO, ter contornado o problema com a definição do sentimento religioso de forma mais contundente. A seguir as declarações de Ciro.

ABERTURA – Ciro você pertenceu à infância e à juventude espírita. Depois trabalhou ativamente no sistema da USE. Agora, como está sua relação com o Espiritismo?

CIRO – Com o movimento espírita é nulo. Mas como filosofia continuo ligado a ele, agindo na vida com base em seus princípios. Aceito a reencarnação, o mundo espiritual interagindo conosco.

ABERTURA – Diante do panorama cultural, político e econômico do século vinte e um, como lhe parece a estrutura do pensamento de Allan Kardec?

CIRO – A estrutura precisa ser mudada. Defino estrutura como a concepção pela qual se desenhou o pensamento. Não significa que a essência tenha sido ultrapassada. Ao contrário. Ou seja, a imortalidade espírita não é ainda absorvida pela cultura. Enfatizou a imortalidade como o Espiritismo propõe, porque é bem específica em relação a idéia de imortalidade dos sistemas espiritualistas em geral.

ABERTURA – Você diria que o Espiritismo perdeu sua oportunidade de influir ou ainda tem condições de recuperar seu caminho?

CIRO – Perdeu. Não é possível voltar atrás, como a história não volta atrás. Ele é um fato consumado da forma como está aí e não mudará.

ABERTURA – Qual a sua impressão pessoal sobre a figura de Allan kardec?

CIRO - Digno. Um pensador mediano, se comparado aos grandes filósofos. Foi sobretudo um pedagogo. Tenho um carinho e um respeito por Kardec, afinal ele influenciou minha vida de forma profunda.

ABERTURA – Você pretende voltar a participar ativamente do movimento espírita?

CIRO - Não. Porque não compactuo com o movimento. O movimento espírita é a negação da essência do Espiritismo. É um jogo de interesses, de poder que deixa de lado a essência da doutrina.

ABERTURA – Você ainda se considera espírita?

CIRO – Sim, como disse o Espiritismo influenciou definitivamente a minha vida. Quero dizer a essência da filosofia espírita.

ABERTURA – Nós temos colocado o Espiritismo como doutrina kardecista. Muitos afirmam que não existe um kardecismo, que a doutrina não é produto dele. O que você acha?

CIRO - Acho um pouco delicado. Enquanto houver clareza, enquanto você, eu, soubermos o que se propõe, muito bem. Mas pode também se transformar num silogismo. No futuro pode transformar-se em mais uma variante.

Ética e Espiritismo

Wilmar Coelho dos Santos

Aristóteles, filósofo grego (século a. C) afirmava que o objeto da ética; é definir o bem do homem, quer dizer, um bem prático, realizável pelo homem (o que ele pode realizar de bom).

Toda cultura e toda sociedade instituem uma moral, Isto é, uma regra do bom proceder, ou ainda valores concernentes ao bem e ao mal, ao permitido e o proibido, pra todos os membros dessa sociedade.

Mas para que esta moral seja cumprida, um pensamento ético, lhe acompanha (a ética é irmã genes da moral).

Ética é, pois, o estudo do juízo de apreciações referentes à conduta humana, suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal. Portanto, é um conjunto de princípios e valores que guiam e orientam as relações humanas. Devem ser princípios universais e precisam ser válidos para todas as pessoas para sempre.

O primeiro código de ética conhecido pela humanidade são os Dez Mandamentos, divulgado por Moises.

PONDERAÇÕES SOBRE A ÉTICA

O que torna legítima a ética é: a sua racionalidade. É justo perguntar se existe ética nos dias atuais e se a inversão de valores significa o fim da ética?

A ética é a busca da virtude e da sua perpetuidade!

A primeira tarefa da ética é a educação do nosso caráter. No Espiritismo é a reforma íntima, ou seja, a verdadeira revolução moral, na busca da sua racionalidade.

A busca do bem e da felicidade constitui a essência da vida sob a ótica racional da ética.

Na raça humana a presença da ética socializa, moraliza e espiritualiza a vida, fazendo-a mais autêntica, mais séria e feliz!

Os valores éticos, de uma maneira geral, têm sido desrespeitados e esquecidos nos mais diversos campos da atividade humana, como:

·Falta de respeito aos outros e às suas idéias

·Desrespeito aos direitos dos outros

·Cumpre-se muito pouco as leis e os regulamentos

·Não é honesta a distribuição de renda aos homens

·Os benefícios sociais são negados pelas autoridades

·É negada também a justiça social, aos mais pobres.

Além disso:

·A falta da ética fomenta a revolta, a miséria, a fome.

·Prevalece o egoísmo, quando escasseia a ética.

·O fim da ética pressupõe o início do conflito

·A falta de democracia anuncia a carência ética

·O fim da liberdade denota que a ética desfalece

·A inversão dos valores reafirma que não há ética

·O poder e a riqueza nem sempre contém ética

·A falta de ética trata a pessoa como coisas

·Sem ética é quando o bem é dominado pelo mal

·Quando a ética se aniquila, esvaziam-se as virtudes.

·Sem ética vivemos a crise moral.

Não roubar, não mentir, não matar!

Essa era a gênese do povo Inca. Mas continua ser também a gênese de qualquer sociedade humana. O que contrarie esses princípios, fere a ética, a moral. O Evangelho de Jesus, e a Doutrina dos Espíritos de Kardec.

A ÉTICA NO SÉCULO XXI

A falta de ética não será considerada retrocesso para a humanidade?

O Livro dos Espíritos diz:

629 - Que definição se pode dar de Moral?

-A moral é a regra do bem proceder, quer dizer, a distinção entre o bem e o mal.

O Evangelho Segundo o Espiritismo, Capitulo XVII, item 8, diz:

A virtude no mais alto grau é o conjunto de todas qualidades essenciais que constituem o homem de bem.

O ESPIRITISMO E SEU CÓGIDO MORAL

A ética é o conjunto de regras que constituem os bons costumes. A moral e a ética denotam juntas o respeito ao próximo e a si mesmo.

A ética é uma espécie de cimento na construção da sociedade. Caso exista um sentimento ético profundo, sociedade se mantém bem estruturada e organizada. Prevalece a lei e a ordem. Ao contrário, o que os nossos dias demonstram, vivemos uma crise de identidade. A ética não é a maior preocupação dos que comandam.

O Espiritismo, longe de ser uma doutrina que nos conduza ao falso moralismo, tampouco ligado ao fanatismo, jamais optando pelo radicalismo, analisa a falta da ética nas atividades humanas, como um resultado da ruptura profunda da crise moral, autodestrutiva e nociva aos mais belos e formosos anseios do homem na face da Terra.

Para a doutrina espírita, o maior desafio para a implantação da ética e da moral, como regras de bom procedimento e de aplicabilidade das virtudes conscientes, está na tarefa diária de criar um espírito de cidadania, de respeito aos direitos mínimos da pessoa humana e também da certeza de que somos os idealizadores e construtores do nosso próprio destino.

Cumpre a todos, porém, a certeza de que Jesus agia sempre com ética e moralidade. Sua doutrina espelhava a retidão de princípios. Baseada na fraternidade, na opção pela paz e a concórdia. Exercia a ética sem vacilar, exigia o cumprimento do dever e da racionalidade. Jesus se preocupou com a perfeição íntima, ética e intransferível dos homens, conclamando-os realizarem o reino de Deus interiormente, numa elaboração otimista. (Joanna de Angelis)

Kardec, por sua vez, via na moralidade – a ética espiritualista – o que o bom senso estabeleceu como norma, razão e lógica.

Para o pensamento espírita a Lei de Deus está na consciência, é claro que a ética acompanha esse pensamento.

A ética é, afinal, uma exata noção dos valores, sem pragmatismo exagerado, mas com a ponderação eficiente de que tudo na vida deverá ser pautado com equilíbrio, paz, moderação e ajustado às necessidades do nosso tempo.

Viver a ética é melhor do que ter de buscá-la depois de perdida.

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Opinião em Tópicos

Santo Forte

Recente documentário feito pela GNT, com o título de "Santo Forte" enfocou a religiosidade do brasileiro. Mais especificamente do carioca. Entrevistando pessoas simples das favelas do Rio, a reportagem queria saber de suas crenças e práticas religiosas. Curiosamente, a maioria se declarava "espírita e católico". Relacionavam seus santos de devoção e seus orixás. A palavra espiritismo foi pronunciada por quase todos os entrevistados: por praticantes da umbanda, quimbanda ou do candomblé, que se diziam espíritas e católicos ao mesmo tempo, e, também, por evangélicos, muitos destes declarando-se "ex-espíritas", decepcionados pelo fato de as "entidades" nos "terreiros e templos" onde tinham estado não haverem resolvido seus problemas financeiros, amorosos e familiares que só agora estariam solucionados, depois que "aceitaram Jesus como Senhor e Salvador".

Ser ou não ser

O documentário, bem produzido, talvez corra o mundo. Vai mostrar uma realidade que sabemos existir, mas que nos desagrada profundamente. Ninguém desconhece que, em algumas regiões do Brasil, como, muito particularmente, no Rio, essa tarefa de mostrar ao povo o que é e o que não é o espiritismo ainda é um sério desafio.

O movimento espírita tem parcela de culpa disso. Por muito tempo, fez vistas grossas ou até cooperou para que se consolidasse o entendimento de que fenômenos espíritas e espiritismo eram a mesma coisa, e de que existia mesmo um "baixo" e um "alto espiritismo".

No mesmo Rio de Janeiro, onde, hoje, pessoas simples do povo se declaram com naturalidade "espíritas e católicos", a Federação Espírita Brasileira, aprovada, em 1926, um documento sustentando não infirmar as "manifestações de ‘caboclos’ ou de ‘pretos velhos’(...) uma vez que tais práticas são, não há negar, Espiritismo, porém não são Doutrina Espírita (o destaque é meu). (Reformador, julho 1950).

Achincalhamento

Ao se afirmar que toda e qualquer manifestação mediúnica era "espiritismo", ainda que não fosse "doutrina espírita", achincalhou-se o termo que Kardec cunhou para designar aquela "ciência que trata da origem, natureza e destino dos espíritos e de suas relações com o mundo material", e que seria, segundo ele, "ao mesmo tempo uma ciência de observação e uma doutrina filosófica" (Allan Kardec em "O que é o Espiritismo").

Tolerando-se ou até afirmando-se que espiritismo era uma coisa e doutrina espírita outra diferente, deixou-se que coubesse generosamente no termo espiritismo qualquer manifestação religiosa, mediúnica, mística. E que, em conseqüência, o sujeito poderia perfeitamente "fazer espiritismo" ou dizer-se "espírita", adotando, concomitantemente, a doutrina religiosa que bem entendesse. Nós, espíritas, criamos esse sincretismo do qual jamais conseguimos nos libertar.

Crise de identidade

É verdade que esse equívoco histórico terminou sendo reconhecido pela FEB que publicou, em 1978 (Reformador/maio), um pronunciamento de seu Conselho Federativo, visando desfazer "mal entendidos", onde reivindicava "na teoria e na prática, a legitimidade do uso do nome Espiritismo somente para caracterizar Doutrina Espírita e não para ser usado abusivamente como sinônimo de todas e quaisquer práticas fenomênicas...".

A identidade doutrinária espírita estava conceitualmente restabelecida. Mas era tarde: o Rio, o Brasil e o mundo estavam cheios de "espiritismos" católicos, umbandistas, de cordão, de santeria, etc. E o espiritismo, por isso, mergulhara numa enorme crise de identidade.

Não há outra maneira de sairmos dessa crise senão recolocando, claramente, que o espiritismo não tem absolutamente nada a ver com ritos, religiões, seitas, cerimônias, etc. Que ele é simplesmente a ciência do espírito, capaz de contribuir eficazmente, por suas propostas, com o progresso do homem, na sua dimensão intelectual, moral e ética.

Um dia precisaremos chegar a esse acordo conceitual, a não ser que queiramos mesmo reproduzir a façanha do catolicismo, ao tempo de Constantino, promovendo um amplo sincretismo político, social e religioso, onde tudo caiba sob a generosa denominação de espiritismo. Afinal, vivermos a era da globalização. Com alguma habilidade, globalizamos a "religião espírita".

Milton R. Medran Moreira, é advogado, jornalista, e Presidente da CEPA. e-mail: medran@pro.via-rs.com.br

Religiões sobem e descem no placar

Maria Vitória Antunes

A divulgação do IBGE de números do Censo de 2000 revelou que no placar das religiões, houve substancial redução de católicos, um bom aumento de evangélicos pentecostais e de declarantes que não são religiosos.

Os católicos que eram, em 1991, 80% caíram para 73,8%, uma queda de 10 pontos percentuais. O número total de evangélicos passou para 26,7 milhões de pessoas, sendo 15,4 milhões ligados às igrejas pentecostais.

O crescimento das igrejas pentecostais tem sido vertiginoso e sabemos dos métodos por elas empregados na atração de fiéis e do montante monetário que arrecadam que lhes permite possuir até redes de televisão.

Mas o que quero analisar é a mobilidade da população, principalmente nos centros mais urbanizados das regiões sul e sudeste, onde se concentram os poderes econômicos, tecnológicos e industriais do país. Esse trânsito da Igreja católica para as pentecostais é significativo, mostrando que a religiosidade não é, propriamente, uma questão de fé mas, muitas vezes, um jogo de interesses.

É também notória a ascensão do grupo dos que se afirmam sem religião. Na última década do século vinte esse percentual cresceu de 4,8% para 7,3 da população, algo como quase nove milhões de pessoas. Como poderíamos caracterizar os "não religiosos". Seriam ateus, agnósticos, ou apenas pessoas que não pertencem a nenhum culto, mas que, todavia, não deixaram de ser filosoficamente espiritualistas?

A massa de católicos, cerca 94 milhões de pessoas é caracterizada pelo não engajamento em seu culto. Nesse contingente estão os espiritólicos, mistura de católico e espírita, os umbamdatólicos, umbandistas e católicos e outros cultos. Sabemos que o católico muitas vezes o é por mera tradição.

Já os pentecostais geralmente pertencem a uma igreja e são ativos contribuintes para a manutenção dessas igrejas.

O que me preocupa nessa análise é saber qual o papel das Igrejas e seus crentes na transformação social. Geralmente elas estão preocupadas ou com a salvação depois da morte (católicos) e a satisfação no presente (pentecostais) no sentido estritamente pessoal. Sem abandonar, naturalmente, a posse do poder.

Que transformações elas operam na vida social?

A pergunta é mais ou menos inútil porque o país sempre foi quase que unanimemente religioso, de modo que todos os detentores do poder seriam filiados a igrejas. Nem por isso o Brasil alcançou um nível de moralidade compatível com essa massa que crê em Deus, adora Jesus que ensinou o amor ao próximo. Católicos e protestantes, estão provavelmente na massa de corruptos e malversores do dinheiro público ou são dirigentes de grandes conglomerados econômicos e possuidores de recursos monetários. Mesmo as multinacionais são, teoricamente, dirigidas na suas cúpulas por religiosos.

Segundo O Livro dos Espíritos, toda a crença é respeitável quando propaga, incentiva, desenvolve o bem. E o bem, nesse caso, não se limita a caridade individual, mas à caridade ampla, benemérita e benevolente que muda costumes, transforma países e derruba o egoísmo e o orgulho, principais obstáculos da felicidade, segundo Kardec.

Maria Vitória Antunes, pertence ao movimento espírita de Cubatão, SP.

Casamentos espíritas e outros desvios

Jaci Regis

Redator

A imprensa deu grande destaque ao casamento espírita de dois atores globais. Eles se casaram pelo rito espírita, celebrado possivelmente por um médium. Talvez uma senhora que possui uma instituição em Campinas e cuja filha casou com um desses atores.

Muitos espíritas ficaram indignados. Afinal, dirão, a religião espírita é diferente, não possui cerimônias, rituais, nem sacerdotes. É diferente. É a renovação do evangelho de Jesus, o Consolador Prometido cuja tarefa primordial é relembrar tudo o que Jesus Cristo disse e que está esquecido.

Fazendo um paralelo oportuno com a situação do Brasil no cenário econômico internacional, abalada pela especulação financeira, diante da possibilidade da eleição de Lula, um articulista disse, com propriedade, que essa circunstância ocorre porque o Brasil não possui uma estrutura econômica sedimentada que não importa quem governe, ela se mantém. Na situação atual, diz ele, um presidente pode mudar ao seu sabor disposições antecipadamente tomadas e internacionalmente comprometidas.

Assim aconteceu com o Espiritismo.

Kardec, sabiamente, não quis chamar o Espiritismo de religião porque isso levaria a que se pensasse nele com os mesmos aparatos, sistemas, rituais e cerimônias próprias das religiões. E ele não era uma religião.

Aí, ao invés de aceitar o que ele determinou, passaram a fazer interpretações.

Herculano Pires, por exemplo, disse que o Espiritismo era religião e que Kardec teria pensado na religião de Pestallozzi. Outras pessoas menos letradas se basearam na expressão, "da forma usual", para entender que o Espiritismo era uma religião da forma não usual.

Por fim, o roustainguismo e o misticismo católico da maioria do povo acabou por sacramentar uma religião, no que foi amplamente apoiada pelos padres desencarnados que se comunicaram como lumes tutelares.

Claro que inevitavelmente o espiritismo cristão tem rituais, cerimônias e sacerdotes ou pelo menos missionários.

Não se começa ou termina reunião alguma sem a prece de abertura e a prece de encerramento. Preces

estas, muitas vezes, dramáticas, exaltadas, frenéticas, pedindo proteção e, não raro, acusando alguém ou instituições.

Se um orador brilhante discursa apoiado em suas reflexões e pesquisas, pode ser aplaudido por poucos, mas não admirado pela maioria. Ele é simplesmente humano.

Mas se Divaldo Franco discursa, aí é diferente. Ele não fala por ele, mas pelo divino. É um inspirado por Espíritos superiores e sua dramaticidade é tomada como expressão de energias desconhecidas que o possuem. Não importa se o que diz não passe de repetições ou lugares-comuns. Ele é o divino que fala, é o mensageiro, o missionário que comunica as emoções do Além.

Se Francisco Cândido Xavier fala (agora tão pouco...) não é ouvido como uma pessoa que exprime sua opinião e sua forma de ver as coisas. Não. Ele é mero instrumento do divino. Sua voz não é do Chico, mas do além.

Centro Espírita sem passe está fadado a ficar às moscas. O passe é mágico, é divino, é energia que vem do Além.

Por fim, o espiritismo religioso, está fechado ao progresso. Como qualquer religião, possui a verdade final. Os médiuns e missionários desse espiritismo, embora porta-vozes assumidos do Além, raramente trazem idéias novas. Estão fixados na salvação, no consolo pela repetição do óbvio, do conhecido. Daí seu sucesso.

Um dia recebi um artigo de um articulista cujo título era "Larguei tudo aquilo". É o que fiz. Larguei tudo isso. Sou kardecista, procuro o rumo traçado por Kardec e, como todos sabemos, ele jamais se disse o dono da verdade, nem se colocou em momento algum como porta-voz do divino, mas como pesquisador da verdade, intermediário de idéias de encarnados e desencarnados, abrindo novos horizontes para a consciência humana.

Ele previu que possivelmente surgiriam seitas paralelas ao Espiritismo. O que não previu que para manter o Espiritismo como ele idealizou tivemos que criar um movimento paralelo ao que se criou em detrimento de seu ideal.

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Lar Veneranda - 48 Anos de Dedicação às Crianças

Fundado em 5 de junho de 1954, sob a liderança de Antonio de Freitas Costa, junto à União Municipal Espírita de Santos, como Comunidade Cristã Lar Veneranda, A Comunidade Assistencial Espírita Lar Veneranda, completa 48 anos de vida ativa e produtiva, apresentando um trabalho educacional de elevada significação.

Atualmente sob a presidência da professora e pedagoga Valéria Regis e Silva, o Lar Veneranda, desenvolve um excelente trabalho educativo, visando dar às 130 crianças que participam de sua creche e às 80 mães ligadas ao Núcleo de Promoção Social, uma diretriz positiva.

BREVE HISTÓRIA

Depois de sua fundação, o Lar Veneranda passou pelas naturais adaptações que a O relatório das atividades do ano 2001, apresentado pela presidente Valéria Regis e Silva, mostra a pujança do trabalho desenvolvido, atendendo a 130 crianças a um custo anual de R$ 210.413,16 .O custeio das atividades é feito com recursos públicos, através de convênios e pela realização de atividades arrecadadoras pelo corpo de voluntárias. 50% da receita é produzida pelos eventos promovidos pela Comunidade.

Durante o ano de 2001, foi terminada a construção do edifício de 1 500 m², erguido na Av. Francisco Glicério, 261, Santos, onde, futuramente, serão instalados cursos profissionalizantes para adolescentes. Por decisão do Conselho foi dado ao edifício o nome de Jaci Regis. Nele foram gastos, ao longo de oito anos, R$ 600.000,00, levantados exclusivamente pelos voluntários da Comunidade.

PROJETOS EDUCACIONAIS

O trabalho educacional está estruturado num corpo de educadores selecionados e constantemente reciclados, e por professoras que trabalham no Núcleo de Recreação Infantil Amelie Boudet, instalado na própria sede do Lar. Os meninos e meninas em idade escolar freqüentam uma escola municipal perto do Lar, recebendo apoio, alimentação e vivências na Instituição, após as aulas.

Segundo a presidente Valéria Regis e Silva, são desenvolvidos programas e projetos educacionais para motivar as crianças a uma convivência e uma vivência com os fatores reais da cultura. Assim, por exemplo, no ano 2000, diz ela, foi desenvolvido o Projeto Convivendo com as Diferenças, com amplas atividades envolvendo a comunidade negra, asiática e outras etnias e minorias, traçando uma diretriz de recíproco respeito e dignidade. Em 2001, toda a comunidade trabalhou no Projeto De Mãos dadas pela Paz. Neste ano de 2002, está em andamento o Projeto Santos: sua história, sua gente, seus encantos.

O objetivo desses projetos é estabelecer uma forte ligação moral, uma fixação de valores como proposta para criar, desde a infância, uma mentalidade participativa e de integração, para fundamentar a cidadania. Na execução dos projetos, que envolvem toda a estrutura educacional da Comunidade, são promovidas atividades em classe, extraclasse e em passeios e confraternizações e visitas externas.

TRABALHO COM AS MÃES

As mães das crianças participam ativamente da Comunidade. Ao matricularem seus filhos, aceitam o programa da Comunidade, executado através do Núcleo de Promoção social, realizado pelo corpo de voluntárias. Um item principal é o que prevê obrigatoriedade de completar a alfabetização, participar de cursos e treinamentos vocacionais e profissionalizantes. Entre esses destacamos o corte e costura, manicure, yoga, bordado, crochê, pintura, etiqueta e outros. Há também, um curso de Espiritismo com matrícula voluntária. Anualmente é organizada uma exposição de trabalhos. Além disso, as mães se comprometem a doar um dia de trabalho por mês, encarregando-se dos serviços de manutenção da limpeza e higiene do Lar.