Agosto de 2002

Capa - Editorial e Notícias

EDITORIAL - Um Provão para os Espíritas

Em boa hora, o governo federal criou o "provão " nome popular para o exame de suficiência dos universitários que terminam seus cursos de graduação. Embora a resistência de uma minoria, que por motivos ideológicos costuma afirmar que "não é por aí que se fará uma qualificação do ensino superior", sem apresentar qualquer alternativa válida, o "provão" tem feito um retrato vivo da ineficiência da maioria das universidades brasileiras, mormente as particulares.

Mas o que nos interessa aqui é imaginar como se sairia a maioria dos dirigentes espíritas se fossem submetidos a um exame do tipo "provão ".

Na verdade seria um desastre.

Verificaríamos, por exemplo, que cerca de 80% dos diretores de centros espíritas não conhecem a obra de Kardec. Muitos apontariam uma leitura do Evangelho segundo Espiritismo. Outros 90% mostrariam que não sabem nada sobre o Livro dos Médiuns e que organizam e dirigem reuniões mediúnicas de "ouvido " com critérios próprios e, não raro, submetidos à opinião de um guia que fala pelo "médium principal" , muitas vezes o "dono" do centro.

Esse panorama explica porque , como afirmou Ciro Pirondi , o movimento espírita é a negação do Espiritismo.

Talvez porque o movimento espírita se assenta sobre bases de alienação. E os centros espíritas, às vezes elevados às alturas de hospital, escola, e outros qualificativos, não são criados para formar espíritas.

E estamos falando de dirigentes. Imaginem se o suposto provão fosse aplicado aos milhares de freqüentadores que lotam as salas dos centros para ouvir o evangelho e tomar passe.

Este entregariam a prova em branco. E a maioria dos dirigentes que entregasse a prova, teria um rotundo "E".

Em Outubro, o Novo Caderno Cultural Espírita

Depois de vários anos, volta a circular o CADERNO CULTURAL ESPÍRITA, uma iniciativa do ICKS-Instituto Cultural Kardecista de Santos. Nesta nova fase a publicação, deverá circular quadrimes-tralmente.

O lançamento do CADERNO está previsto para a Expoespírita2002, que será realizada em Santos, dias 18, 19 e 20 de outubro e na XIV Conferência Regional da CEPA, de 14 a 17 de novembro em São Paulo.

Nesta edição do CADERNO, trará artigos com novas abordagens sobre a contextura e o papel do Perispírito. O preço de capa será R$ 8,00. Para a compra de 10 ou mais cadernos será dado desconto de 25%.

Página 2

Carta do Editor

A mediunidade que foi o instrumento de que Allan Kardec se serviu para constituir a teoria espírita, encontrou em Francisco Cândido Xavier, uma canal de elevada qualidade. Um dos maiores médiuns da história do Espiritismo, seu exemplo pessoal e no trabalho mediúnico precisa ser preservado. Para isso reunimos textos de vários autores sobre a personalidade e o trabalho do médium. A partida do homem de bem que foi Chico Xavier deve ser marcada de forma que as pessoas vejam que, num mundo marcado pela competição, pelo stress real e imaginário, existem os que, acima dessas limitações reais e artificiais, permanecem íntegros, fieis a si mesmo e aos seus ideais e que os espíritas, especialmente os médiuns se espelhem na sua gratuitidade e no seu amor à causa , sem reclamações e desistências. Páginas 4 e 5.

Daí ser oportuno o trabalho do engenheiro Marcelo Coimbra Regis: Espiritismo sem Espíritos? O autor questiona o desinteresse dos espíritas em pesquisar a mediunidade, abandonada como instrumento de comprovação da imortalidade para converter-se em panacéia, banalizada e não raro servindo para interesses menos nobres. Página 7.

Sem comemorações, a praça Allan Kardec faz trinta anos e o monumento em homenagem ao fundador da doutrina, vinte e cinco. A matéria da página oito, resgata alguma coisa desses empreendimentos, da antiga União Municipal Espírita de Santos.

Na sua coluna Opinião em Tópicos, Milton Medran , traz notas de sua viagem a Portugal. Vale a pena conhecer como os espíritas lusitanos estão pensando o Espiritismo. Página 8.

Conferência Regional da CEPA: O Grande Evento do Ano

Sob a coordenação do engenheiro Mauro Spínola, a Comissão Organizadora da XIV CONFERÊNCIA REGIONAL DA CEPA , que será realizada de 14 a 17 de novembro de 2002, em São Paulo, capital, prepara o programa que mobilizará centenas de espíritas brasileiros e de outros países.

No dia 14, haverá uma série de oportunidades para participar de oficinas, mini-cursos, cursos e outros eventos grupais.

A partir do dia 15, com a instalação oficial da Conferência, haverá palestra de Jon Aizpurua e mesas-redondas. Paralelamente serão realizados painéis e o Fórum de Temas livres.

INSCREVA-SE JÁ

Taxa de inscrição: R$ 150,00 até 30 de setembro. Depois, até o evento, R$ 180,00. Uma boa notícia é que jovens até 21 anos pagarão 50%, abrindo espaço para a participação da juventude.

· investimento pode ser ainda parcelado.

A inscrição pode ser feita pela Internet, via e-mail: conferencia2002@cepanet.org ou telefone (19) 3421 6238.

Fato & Comentário

Centro paga Salário à Médium

Em sua coluna no Jornal Espírita de junho, Carlos Brito Imbassahy comenta a notícia que lhe foi dada por uma leitora sobre a existência de um centro espírita que resolveu dar um salário e casa para que o médium curador para que ele se dedicasse exclusivamente ao seu trabalho.

Trata-se de uma abertura perigosa, contrária ao pensamento de Allan Kardec e representa a profissionalização do médium, atitude sempre condenada pelo lídimo pensamento kardecista.

O fato enseja reflexão. Em primeiro lugar pelo inusitado comportamento da agremiação profissionalizando o médium, mas uma análise de como o Espiritismo tem sido entendido e praticado.

As curas mediúnicas são desejadas na medida que permaneçam adstritas a um nível razoável de realidade e sem jamais pretender tornar-se a panacéia a resposta prodigiosa para os problemas de ordem física. Os avanços da medicina têm sido muito grande e dispensa, a priori, a intervenção de supostos médicos desencarnados em práticas de cura.

Mas prossegue a ignorância sobre os objetivos do Espiritismo como estabeleceu Kardec.

A gratuitidade dos trabalhos espíritas deve ser preservada como impedimento a fraudes e obrigações que não são possíveis de garantir, dada a extrema volatilidade da fenomenia mediúnica. O Espiritismo também requer doação e participação voluntárias para o seu crescimento fundamental.

Ressalvamos o pagamento de salários nas organizações doutrinárias, sempre que se referirem a trabalhos profissionais independente do enfoque doutrinário direto, pessoal. O expositor, o médium, o dirigente das entidades serão voluntários e darão seu tempo e seu talento como forma de participação idealista.

Essa forma preservará o Espiritismo de um profissionalismo que não se encaixa, nem se torna necessário, uma vez que a doutrina kardecista não pretende resolver questões pessoais e ocupar-se da salvação da alma.

O Espiritismo, disse Kardec é uma filosofia moral e é nesse caminho que devemos seguir.

Página 3

O que é uma Revelação Científica ?

Da Redação

Kardec abre o livro A Gênese, com o capítulo Caracteres da Revelação Espírita para concluir que o Espiritismo "é uma verdadeira revelação, na acepção científica da palavra" e "é deduzida pelo trabalho do homem, da observação dos fatos que os Espíritos colocam sob seus olhos e das instruções que lhe são dadas, instruções que ele estuda, comenta, compara e das quais ele mesmo tira as conseqüências e aplicações".

Uma revelação científica fórmula hipóteses, testa, emenda, reescreve e se apresenta capaz de progredir, de revisar, no tempo, suas idéias e compatibilizá-las com o progresso. Entretanto parece que, não obstante, a palavra "revelação" aplicada ao Espiritismo tem, para muitos, um sentido de revelação religiosa, o que foi claramente contestado por Kardec, para ele, a revelação religiosa " implica em passividades absoluta; é aceita sem controle, sem discussão". É só ler o que ele escreveu.

Afinal que revelaram os Espíritos? Qualquer dos princípios do Espiritismo já existiam na cultura e Kardec reconhece isso. A "revelação" dos Espíritos se caracteriza pela nova visão, a nova forma de ver idéias, reformulando-as e naturalmente contradizendo antigos conceitos.

Por isso, as acusações de que ao apelidarmos o Espiritismo de doutrina kardecista estaríamos desprezando a revelação dos Espíritos não procedem.

Chamamos o Espiritismo de kardecismo não porque creditamos a Kardec a autoria das idéias, mas porque ele fundou o Espiritismo e deu sentido extremamente pessoal à doutrina espírita, o que não pode ser contestado, nem procede a alegação de dissidentes de contrariados pelas posições de Kardec, atribuindo certas afirmativas suas como se fossem mera "opinião pessoal", estabelecendo uma cisão inexistente entre a opinião dos Espíritos e a dele.

Kardec afirma que em nenhum momento a doutrina foi ditada, dada completa. Coube a ele recolher os fragmentos, as idéias mais ou menos esparsas, dar-lhe sentido e, afinal, aceitar ou não, de modo que o que se chama doutrina espírita resultou desse consórcio de Espíritos que forneceram o material e de Kardec, que deduziu suas conseqüências, seus objetivos e estrutura.

Depois existem muitos "espiritismos": espiritismo cristão, espiritismo evangélico, es-piritismo roustainguista, espiritismo ramatizista, e até espiritismo de umbanda.

De tal forma que quando se diz a palavra "espiritismo" não se pensa, necessariamente em Allan Kardec. Mas quando se fala "kardecismo" a figura de Kardec surge no seu devido lugar.

Onde estão os Homens Espíritas ?

Jaci Regis

Olho no espelho e vejo-me de cabeça branca. E recordo o rapaz de 15 anos , que entusiasmado abraçava a causa doutrinária. São 55 anos de trabalho voluntário, na assistência social e na divulgação do Espiritismo.

Lembro-me da surpresa de um colega de faculdade de Economia, que fiz quando tinha cerca de 30 anos, portanto com cabelos castanhos escuro. Ele, muito mais moço, ao reencontrar-me, num centro espírita em que era diretor, e que me convidara para fazer uma palestra, olhou-me, sorrindo e disse, enigmaticamente "cabeça branca...", talvez porque reconhecia que envelhecemos...

Quando me impaciento com morosidade de certos empreendimentos, alguém me diz "poucos são como você... poucos têm a sua dedicação... " É um elogio, mas que não me empolga.

Afinal sou um homem comum, um pai de família e um bom profissional. Nada demais.

Mas se relembro esses dados de minha vida, ao se aproximar os setenta anos de existência terrena, confesso que, quando jovem não esperava ou não tinha noção de que duraria tanto tempo. Mas hoje quero, sem dúvida, ficar ainda por algum tempo por aqui, não me fascinando a vida além túmulo.

Entretanto preocupa-me a escassez de voluntários na divulgação da doutrina.

Quando jovem se diz que não pode, porque precisa estudar, ser alguém na vida.

Conforme amadurece não tem tempo, porque precisa ganhar dinheiro para sustentar a família e garantir seu emprego.

Quando velho já é tarde, já trabalhou muito, já deu sua contribuição e agora é descansar...

Entretanto, o voluntariado é um das mais importantes instrumentos de elevação pessoal, porque é na disposição ao trabalho doado, oferecido gratuita e idealísticamente que cada pessoa se realiza..

O serviço voluntário é uma oportunidade maravilhosa de aprendizado, de satisfação porque despido de outros interesses que não seja o bem-estar das pessoas, o prosseguimento de tarefas nobilitantes e, no caso do Espiritismo, possibilitar a divulgação das idéias kardecistas para que cumpram seu papel transformador das mentes.

Sendo uma decisão pessoal, o voluntariado representa uma atitude de participação positiva e superação do egoísmo.

Há espaço para todas as aptidões e campo para colocar talento e tempo à disposição do próximo e dos ideais.

Verifico que a grande massa do voluntariado espírita ( e em toda a parte), seja no nível assistencial, quanto doutrinário é constituída por mulheres.

A maioria é dona de casa, com filhos e afazeres domésticos diários. Entretanto, elas são as que garantem o funcionamento e o crescimento de instituições e projetos, assumindo tarefas, responsabilidades e serviços. Sabem dosar seu tempo de modo a se transformarem em dirigentes ou auxiliares que tornam possível a prestação de serviços fraternais ou a realização das tarefas dos centros espíritas.

Muitas delas, após a aposentadoria, se entregam ainda mais ao serviço voluntário, numa demonstração eloqüente de que não fossem elas, o movimento espírita estaria anos atrasado.

Mas porque a ausência de mais homens no voluntariado espírita?

Não se diga é porque trabalham duramente todos os dias da semana e que não lhes sobra tempo para dedicar-se à causa. Muitos homens e mulheres também são profissionais e, não obstante, encontram tempo e oportunidade para oferecer seu talento e seu trabalho.

Quando existe disposição interior para o serviço, o tempo parece esticar-se, porque só não tem tempo quem não faz nada.

Há a desculpa de que é preciso descansar e que o stress é real. Muitos negam-se a qualquer participação alegando cansaço e necessidade de descanso, o que é necessário, sem dúvida, para dedicar-se ao ócio e à programação "sagrada" dos fins de semana.

- Preciso diverti-me, exclamou alguém, quando solicitado a participar.

Bem, mas quando se aposentam o que fazem da vida os espíritas? Qual o projeto de vida do aposentado espírita?

Espero que não seja os dos aposentados que vejo jogando dominó e não fazendo nada que enchem praças e clubes da cidade. Para afugentar o vazio da vida de aposentados e aposentadas, criaram-se divertimentos, passeios, bailes, concursos de beleza e esportes para idosos.

Isso é bom, porque a vida sedentária é caminho mais rápido para doenças e depressão senil. Entretanto, qual a justificativa para não doar parte de seu tempo a uma tarefa voluntária no campo do bem?

Será que o Espiritismo acrescenta alguma coisa em nossas vidas?

Se meu exemplo serve para alguma coisa, lembro que casei, criei uma família de seis filhos, fiz três faculdades no período noturno e trabalhei durante 30 anos no horário das 7 às 17 horas em Cubatão, que fica a 40 quilômetros de Santos, sempre participando, dirigindo, colaborando ativamente no movimento espírita.

Aposentei-me cedo, mas não perdi um dia sequer na participação em tarefas doutrinárias.

Digo isso sem qualquer vaidade e acrescento que esse envolvimento, que durante muitos anos incluía viagens a serviço doutrinário, não me privou do convívio familiar, de tirar férias anuais, ir a teatro, ao cinema e descansar razoável e prazerosamente.

O que significa que o serviço voluntário não absorve a vida de ninguém e que quem quiser pode participar com equilíbrio e fidelidade ao seu ideal.

Estou escrevendo estas linhas porque fico pasmo com o desinteresse do aposentado espírita pela doutrina. Ressalvo, é claro, os que são baluartes em muitas obras assistenciais, pilares de sua continuidade e eficiência.

Refiro-me à multidão dos que estão por aí sem trazer sua força, experiência e talento.

Penso explicitamente na divulgação do Espiritismo.

Se no campo assistencial ainda encontramos exemplos de uns poucos aposentados, na parte de divulgação do pensamento espírita a indigência de colaboração é enorme.

Penso no que pensam esses senhores, de cinqüenta, sessenta e de setenta anos, formando legiões de pessoas disfarçando o temor da morte, com atividades rotineiras ou, muitas vezes, caindo na pasmaceira e na desilusão.

A velhice é uma condição inevitável da vida terrena, mas a psicologia da velhice é mutante, depende do entusiasmo e da filosofia de vida de cada um. Os exemplos são constantes. O atual presidente da República tem setenta e um anos e trabalha doze horas por dia, apesar de achaques comuns.

O espírita ou aquele que se diz espírita, tem ou deveria ter uma visão mais dinâmica da vida e não circunscrevê-la ao trânsito do berço ao túmulo.

Porque é isso que se faz quando se deixa envelhecer espiritualmente. Muitos que admitem crer na Imortalidade, tremem nas pernas diante inevitabilidade da morte; outros lêem livros mediúnicos, sem atentar que são pessoas vivas que além túmulo voltam, demonstrando a continuidade da vida e quantos não falam com os Espíritos sem perceber a relevância do fato para seus próprios destinos?

Por isso, aposentam-se da vida produtiva, do ideal de servir e deixam a doutrina para lá, mas procuram, pressurosas consultas e passes para tratar de suas mazelas e procurar proteção.

Há sempre um lugar esperando por alguém que se disponha a sair do egoísmo e do medo e aprender que o amor ao ideal, ao próximo, é a única porta de realização real, agora e depois.

Mentiras e Verdades

Eugenio Lara

Uma mentira, quando é repetida à exaustão, pode tornar-se verdade. A história da humanidade é recheada de mentiras que se transformaram em verdade na medida em que aqueles que detém o poder, notadamente o poder da comunicação, repetem de forma sistemática, qual realejo, determinadas máximas que com o tempo funcionam como uma ideologia, um consenso pernicioso que as pessoas aceitam sem questionar, sem parar para pensar no sentido, no verdadeiro significado de determinado "fato".

Isso ocorre em diversos movimentos, no interior de várias instituições. No movimento espírita não poderia ser diferente. A falta de conhecimento da obra de Kardec, aliado à mentalidade mística e mágica dos dirigentes espíritas, produziu inverdades que por muito tempo não foram sequer contestadas. São muitas. Mas, em função do espaço limitado, enumeraremos algumas dessas "pérolas", verdadeiras bobagens que os espíritas ainda acatam de forma dócil e servil.

1. Segundo Kardec, o Espiritismo é ciência, filosofia e religião.

Não há registro algum na obra de Allan Kardec que venha fundamentar tal afirmação. Ele nunca disse isso. Sempre definiu a obra de sua vida como ciência e filosofia, de conseqüências morais, não mais do que isso. Trata-se de mais uma invenção da Federação Espírita Brasileira (FEB), do Espírito Emmanuel, com aquela tese ridícula do triângulo de forças, onde o mais importante nesse conceito tríplice, seria a religião. Um disparate, aceito inclusive por intelectuais espíritas do mais alto nível.

2. Kardec, o bom senso encarnado, afirmou: "É preferível rejeitar 99 verdades do que aceitar uma única mentira".

O fundador do Espiritismo não é o autor dessa frase que, para começar, foi formulada de forma errada. "Melhor é repelir dez verdades do que admitir uma única falsidade, uma só teoria errônea." Eis a frase corretíssima, contida em O Livro dos Médiuns (cap. XX – item 230 – Da Influência Moral do Médium - Ed. FEB). O autor é o Espírito Erasto, um dos colaboradores de Kardec.

3. Bezerra de Menezes é o "Allan Kardec brasileiro".

O Médico dos Pobres, como era conhecido, foi presidente da Federação Espírita Brasileira por duas gestões e deixou inscrito seu nome no panteão dos vultos importantes do Espiritismo no Brasil. Todavia, ele não merece esse título, principalmente pelo fato de ter sido adepto das idéias de Roustaing, uma dissidência que surgiu no tempo de Kardec. Era um sujeito extremamente místico, mariólatra convicto e foi o porta-voz do segmento religioso que se tornou hegemônico no movimento espírita e que se apossou da Federação Espírita Brasileira (FEB). Afonso Angeli Torteroli, Herculano Pires, Carlos Imbassahy e Deolindo Amorim seriam sérios candidatos a esse título. Quanto a Bezerra de Menezes, se tivesse mesmo que receber um título desse teor, mereceria ser chamado de "O Roustaing brasileiro".

4. Jesus Cristo é o governador do planeta Terra.

Ora, quem disse isso? Emmanuel, Ramatiz e tantos outros Espíritos dão a entender que todos os processos no nosso planeta ocorrem por ordem e graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, amém. Ora, então ele ainda não foi promovido? Não obteve uma nomeação direta do Pai Celestial para dirigir o Sistema Solar? Até parece que a Terra é uma espécie de capitania hereditária. Isso é o que podemos chamar de uma cultural inútil. Jesus, um homem que reencarnou em Nazaré, é o modelo moral sugerido pelos Espíritos, um modelo ao qual a humanidade pode aspirar. Sua mensagem ética é atualíssima, universal e semelhante aos princípios éticos do Espiritismo. Agora, o que ele é, se é governador, ministro, algum tipo de assessor divino, isso não tem a menor importância.

5. A reencarnação ocorre para que possamos resgatar nossas dívidas; é uma forma de punição.

Há muitas filosofias reencarnacionistas que admitem essa tese, notadamente as de origem oriental. O tal do karma é o resultado de uma forma mórbida de encarar a vida como punição e nosso mundo como um "vale de lágrimas". Essa idéia não tem nada a ver com o Espiritismo. Reencarnamos porque existimos. A reencarnação é um meio de progresso moral e intelectual. Não tem nada a ver com resgate, com contabilidade kármica ou algum tipo de penitência.

Durante muitos séculos a grande maioria das pessoas achava que a Terra era plana e que o Sol girava em torno dela. Se fôssemos depender da boa vontade da religião, especialmente a cristã, o homem não teria ido à Lua. Somente o conhecimento e o bom senso podem nos livrar das ervas daninhas que poluem a nossa mente. É por essas e outras que o escritor Nelson Rodrigues afirmou certa vez que "toda unanimidade é burra". De certo modo ele tinha razão.

Página 4 e 5

O Ciclo que se Encerra dentro do Espiritismo

A morte de Francisco Cândido Xavier mobilizou a nação. A imprensa, a televisão, o rádio abriram largos espaços, por vários dias para ressaltar a grande pessoa, o homem especial que ele foi.

Padres católicos, pastores judeus, livre pensadores, vieram público e ressaltaram a atitude que ele, Chico Xavier, soube viver durante sua longa permanência entre nós, superando as costumeiras barreiras religiosas e de pensamento.

Francisco Cândido Xavier, foi um marco na vida brasileira, através de seu mediunato, de sua vida transparente e surpreendente, num mundo em que as prioridades são o sucesso, o dinheiro e a glória.

Ele foi glorificado pela sua excepcionalidade de seu caráter, seu desapego, seu espírito livre de preconceitos, ainda que adepto do Espiritismo.

Foi uma figura exponencial no movimento espírita. Com seu guia Emmanuel abriu uma nova etapa no Espiritismo no Brasil e também no mundo. Criou uma escola , um estilo, uma visão própria.

Sua partida era, naturalmente esperada, pelo avanço da idade. Deixa um vazio, mas que não será preenchido , porque o Espiritismo é dinâmico, queima etapas.

Há longo capítulo doutrinário fluindo pela suas mãos consagradas, no trabalho mediúnico. Fez parte de um grupo de Espíritos de bom nível evolutivo, ligados à esfera do cristianismo e que, não obstante, trouxe importantes contribuições que compete a nós filtrar, separar, joeirar, para que o pensamento de Allan Kardec flua como diretriz e guia para o progresso inevitável e necessário do Espiritismo.

Verdade que Chico Xavier e Emmanuel jamais desprezaram a liderança de Kardec. Fizeram uma interpretação específica, a gosto da grande maioria, trabalhada pelo atavismo e pelas marras da cultura brasileira, mística e católica.

O próprio Emmanuel disse que se ele se afastasse do pensamento kardecista Chico deveria seguir Kardec e não a ele.

Cabe-nos honrar a memória do grande homem que foi Francisco Cândido Xavier, não apenas louvando-lhe o caráter, o denodo, mas seguir seus passos na doação, no amor à doutrina e espelharmo-nos em seu exemplo humano e prosseguir na divulgação criteriosa e progressista do Espiritismo a quem serviu por 70 anos consecutivos.

Realmente Francisco Cândido Xavier representa um marco, o início e o fim de um ciclo. Desde o surgimento de O Parnaso de Além Túmulo, em 1932, o médium se impôs, sobretudo, pelo seu carisma pessoal, pela sua personalidade especial, acima das ambições e luta pelo poder.

Chico Xavier liderou sem assumir o poder. Foi líder pelo seu trabalho e pela sua figura ímpar, sobrepondo-se às controvérsias.

Seu longo período de influenciação não termina propriamente agora. Embora suas condições físicas fizessem reduzir sua presença, por muito tempo continuará como uma referência. Pois é inegável que revolucionou o movimento espírita brasileiro. Graças a ele, criou-se um mercado livreiro espírita, onde a literatura mediúnica ganhou um espaço quase absoluto, movimentado não apenas suas 400 obras psicografadas, mas por um verdadeiro exame de médiuns subitamente tomados por "missão" de escreventes, servindo de veículo para autores desencarnados na maioria medíocres.

Envolvido em intenso trabalho pessoal, longe das massas, viu-se com o tempo, jogado nas luzes do noticiário e ascendendo ao podium dos líderes religiosos mais prestigiosos do país. Infindáveis noites de autógrafos. Após o inesquecível "Pinga Fogo", que também deu rumos mais abertos ao movimento, sempre fechado em torno de temas extremamente conservadores.

Através de Chico Xavier e de seu guia Emmanuel, o Espiritismo brasileiro, então cambaleante tomou corpo e transformou-se no grande movimento evangélico-mediúnico-religioso, a que se reduziu o Espiritismo , em termos conceituais, nas décadas finais do século vinte.

Homem místico, crente, pessoalmente encantador, Chico Xavier e seu guia Emmanuel, reafirmaram o ethos religiosos do povo e evangelizaram o Espiritismo, tornando-o avesso ao progresso das idéias e amarrado às interpretações dos textos sagrados dos cristãos.

Nem por isso, deixaram de fluir pela sua psicografia especial, extraordinários ensinamentos e orientações de elevado valor moral, pois a figura de Jesus Cristo, que Emmanuel entronizou, junto com as correntes menos ligadas ao pensamento de Kardec, traz-nos à memória ensinamentos imorredoiros de Jesus de Nazaré, cuja estrutura moral é insuperável.

Chico Xavier parte deste mundo após longos anos de árduo trabalho. Foi luz e honrou a mediunidade com elevado espírito de doação, fraternidade e compreensão.

Nesses 70 anos, o Espiritismo pensou com Emmanuel e Chico Xavier. Esse fato permitiu surgissem as mais exóticas figuras mediúnicas e medíocres autores espirituais, em contraponto à lucidez da grande maioria dos autores que se utilizaram de Chico Xavier. Nesse longo período surgiram inumeráveis centros espíritas e dirigentes que se transformaram em unidades isoladas, assistenciais, evangélicas e personalísticas. O cenário atual é confuso e as infiltrações místicas, esotéricas e sem qualquer ligação conceitual com o Espiritismo se fazem presentes.

Misturam-se autores desencarnados, com dirigentes encarnados, encabeçando obras de cunho literário frágil, para dizer o mínimo e de conteúdo doutrinário, não raro conflitante com o pensamento de Kardec.

A evangelização, cujas vantagens são evidentes, quando levam à reflexão dos conteúdos morais do ensino de Jesus de Nazaré, torna-se um obstáculo ao progresso, por reduzir os horizontes mentais às esferas salvacionista, da culpa e do castigo, mistificando o significado da lei da evolução do Espiritismo.

Bem e agora?

O Espiritismo precisa pensar com Kardec, com seu extraordinário senso de liberdade e perspectiva de futuro.

Agora, devemos analisar a contribuição de Chico Xavier, refletir sobre seus acertos e suas conseqüências e tentar restabelecer o primado do pensamento kardecista que, ao contrário do que se supõe, não é acadêmico ou elitista em si mesmo. Só precisa ser pensado. É por aí que se consolidará busca de caminhos sólidos para que o Espiritismo seja a doutrina que contribui para uma nova visão de homem e de mundo.

Francisco Cândido Xavier fez história e será história por seus méritos, sua contribuição ímpar.

Foi um homem solitário, uma per- sonalidade de grande tirocínio e com bagagem evolutiva e pessoal muito grande e imensa.

Para nós, a morte é um processo. O Espírito que deixa o corpo cansado, doente e frágil, se tornará um novo Chico Xavier em outras dimensões.

E quanto aos que ainda ficamos por aqui, cumpre-nos compreender seu tra- balho, sua determinação, examinar o ciclo em que foi líder e trilharmos novos caminhos, porque o Espiritismo precisa vencer as barreiras e romper os obstáculos que o impedem de crescer como uma opção válida para um mundo melhor.

Jaci Régis - Editor

Cândido Chico

É amigo Chico, você surpreendeu...

Quando o país inteiro encontrava-se embriagado pela euforia, comemorando um título futebolístico que esperado, você surpreendeu. E desta vez, não foi pelas tuas mensagens, ou pela tua sabedoria, ou pelos teus conselhos, como aquele que nos ensina a trabalhar e não reclamar do serviço extra, nem pela tua alegria ao ouvir as músicas do Roberto Carlos, que costumam ecoar por todo o jardim da "Casa da Prece", mas porque você resolveu humildemente, como sempre foi a tua vida, sair de cena...

Deixou o corpo físico, velho e cansado, como um trabalhador que ao final da jornada exaustiva, deixa o roto macacão no vestuário, toma banho gostoso, coloca uma roupa limpa e cheirosa e volta para casa, a fim de repousar na presença dos entes amados...

Saiu de cena sem esperar aplausos, dos quais sempre foi merecedor. A tua humildade, que só os grandes homens tem, o deixa constrangido, quando alguém bate palmas para homenageá-lo.

É meu amigo, ultimamente, você vinha cansado mas esperou o dia em que a nação, que você tanto amou, vibrava de alegria, para sair do palco. Afinal, já era hora de ir-se embora.

É Chico. Meu cândido Chico, a quem só tive a oportunidade de cumprimentar uma vez, e que gerou uma emoção tão intensa que se tornou eterna, podendo freqüentemente ser reavivada naquela fotografia que tiramos juntos e que hoje, amorosamente, trago comigo, você voltou...

Hoje, creio que o espaço se encontra em festa. Imagino uma multidão de criaturas, que você ajudou, estendendo-lhe um tapete vermelho e tantas outras, não menos auxiliadas, a despejarem pétalas de rosa por todo caminho atapetado. Antes de entrar em "Nosso Lar", eu posso imaginar aqueles que te esperam: de braços dados com Emmanuel, você será abraçado pelo Dr. Bezerra; depois receberá a gratidão de André Luiz e o ósculo do Humberto de Campos, que podemos chamar também de irmão "X". Mais adiante encontrará Meimei, Auta de Souza, Castro Alves e Rui Barbosa, ansiosos por trabalhar em mais um Parnaso. Ainda encontrará o Eurípedes, o Caibar, o Herculano e tantos outros, que estarão sorrindo para você. Mas eu não tenho Dúvidas que você vai chorar de emoção, quando ver o sorriso da Dona Maria João de Deus dizendo:

- Meu filho, seja bem-vindo!

As surpresas ainda não acabaram! Ao adentrar a sua casinha esperando-te alegremente estarão o próprio Allan Kardec, agradecendo-te por Ter continuado a sua missão e aí, eu sei que você vai achar que não merece, mas a venerável Celina estará à sua espera para levar-te à presença de Maria, mãe santíssima, que vai lhe dizer:

- Chico, o pior já passou!

E assim, meu amigo, encerro esta singela homenagem, que não tem a pretensão de ser a única, e nem aquela que diga melhor, aquilo que você significa para os oito milhões de Espíritas, espalhados por todo o Brasil e por tantos outros milhões de simpatizantes dispersos por toda parte mas de uma coisa estou certo: A Doutrina Espírita perde o seu maior referencial encarnado e a espiritualidade ganha mais uma estrela.

Obrigado Francisco Cândido Xavier.

Mauro A. Santos

O Social e Imortal em Chico Xavier

passagem de Chico Xavier por este mundo deixa duas contribuições marcantes. No campo social e na investigação da imortalidade. Sem ser rico, contribuiu, pela literatura que veiculou, para farta redistribuição de renda no Brasil. Poucas pessoas, neste país e no mundo, terão tido tanta influência para que bens se transferissem de mãos, visando atingir estratos sociais inferiorizados. Uma peculiaridade da estrutura social brasileira, com das mais elevadas concentrações de renda do planeta, teve, no conteúdo da literatura e no exemplo pessoal do médium, farto apoio para se desenvolver. Uma prática compensatória, sem dúvida, sociologicamente combatida, sob o pressuposto de sua perenização, mas pelo menos discutível, tanto que também defendida por líderes, como Betinho, na sua luta contra a fome. Se cerca de um terço da população brasileira estão abaixo da linha de pobreza e quase 50 milhões de pessoas encontram-se na faixa da indigência, há mesmo que se fazer transbordar a panela dos que têm para os despossuídos, até que medidas de maior alcance, especialmente no campo da educação, hajam no sentido do encurtamento das diferenças.

Os princípios de uma ética social, o sabemos, estão bem claros na obra também literária de Allan Kardec, afinal, a fonte da inspiração original de um conjunto de ações, inclusive dos espíritos, no chamado sentido do bem. Ainda assim, milhões, certamente, nunca leram, ou o fizeram sem maior aprofundamento filosófico, o texto kardequiano, ao contrário da literatura, a partir de simples mensagens de poucas linhas, retransmitidas por Chico Xavier.

Talvez um trabalho silencioso, de tocar a emoção, o sentimento, provocando questionamentos íntimos e o ponto deflagrador de uma ação para além do círculo da casa e da família.

No da comprovação da imortalidade, sempre haverá aqueles que duvidam. Desde as materialização de Kate King, controladas pelo físico William Crookes, a academia emite sinais de desconfiança nas provas da continuidade da vida para além das formas físicas conhecidas. Além disso, brasileiros, de todos os níveis de conhecimento, deram pouquíssima ênfase a esse aspecto, ao contrário do filosófico e moral. Sem esquecer que vasto contingente estruturou uma carapaça religiosa, mística e paralisante, em torno da mediunidade e do que consideram espiritismo. 

As comunicações de espíritos, especialmente de jovens, numa fase da produção mediúnica de Chico Xavier, com informações de caráter exclusivo dos seus respectivos familiares, tiveram forte impacto de credibilidade. Para isto, como para todo o trabalho incansável do médium, tem peso específico sua estrutura moral, seu exemplo de vida. No mínimo, tem-se disponível muita substância para a investigação da imortalidade, são centenas de famílias que podem dar testemunho sobre o antes e o depois da morte de seus parentes.

Por fim e não menos importante, está a contribuição de um homem despojado, que elegeu o próximo como amigo, sem distinções. Diríamos que Francisco Cândido Xavier, nesse ministério de igualdade, antecipou a humanidade em alguns milhares de anos.

José Rodrigues é Jornalista e Colaborador do ABERTURA

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Espiritismo sem Espíritos ?

As comunicações entre o mundo espírita e o mundo corporal estão na natureza das coisas e não constituem nenhum fato sobrenatural. Por isso, delas se encontram vestígios entre todos os povos e em todas as épocas. Hoje, elas são gerais e patentes para todo o mundo.

Os espíritos anunciam que os tempos marcados pela Providência, para uma manifestação universal, são chegados, e que, sendo os ministros de Deus e os agentes de sua vontade, sua missão é instruir e esclarecer os homens abrindo uma nova era para a regeneração da humanidade.

(Allan Kardec-O Livro dos Espírito, Trad. Salvador Gentile; Editora IDF, pp.42)

A filosofia espírita se baseia na existência, sobvência e comunicação dos espíritos. Como Kardec bem definiu e diferenciou: espíritos: seres inteligentes do universo; alma: espírito encarnado; reencarnação: possibilidade dos espíritos encarnarem em diferentes corpos físicos em distintos intervalos de tempo. O Espiritismo perderia a razão de ser, perderia o diferencial de seu discurso caso ficasse provada a não-existência dos espíritos (alternativa materialista) ou que os mesmos não se comunicam ou reencarnam (alternativa espiritualista). Portanto a questão central do movimento espírita deveria ser o a comprovação da existência do espírito e o aprimoramento dos métodos de comunicação com os mesmos.

Desde Allan Kardec, a Doutrina Espírita vem seguindo um rumo diferente desse. Kardec considerou mais que suficientes as evidências disponíveis na época e concentrou grande parte de seu esforço na edificação da filosofia espírita, reconhecendo que o aprimoramento da humanidade não viria unicamente com a comprovação científica da existência dos espíritos, mas de suas implicações morais. No fim do século XIX e início do século XX um grupo de cientistas dedicou grande esforço na obtenção de tais provas. São dessa época os livros e pesquisas sobre fenômenos físicos e psicológicos, materializações, comunicações cruzadas, etc. Nomes como Bozzano, Dellane, Aksakof e Lombroso, etc. são expoentes dessa geração de espíritas interessados na busca de provas e mais evidências sobre a existência dos espíritos. Podemos afirmar que 85% (ou mais) das "provas" utilizadas pelos espíritas de hoje nos estudos e discussões acerca da existência dos espíritos veem desse fértil período.

No Brasil, apesar de seu viés religioso, o movimento espírita também buscou a comprovação através da vasta obra e dos trabalhos mediúnicos de Chico Xavier. Até a 1a metade do século passado espíritos como André Luiz concentraram seus esforços em descrever o mundo espiritual e suas relações com o mundo encarnado. Passada essa fase de afirmação a Doutrina Espírita tem se focalizado no debate e estudo das conseqüências morais de seus princípios. Assumindo uma postura arrogante e religiosa o movimento espírita brasileiro considerou a questão da existência e comunicabilidade dos espíritos mais do que resolvida, cabendo à ciência oficial "alcançar" o conhecimento que o espiritismo (e os espíritas) já possuíam. Avançando para o final do século XX observamos o surgimento de um movimento renovador e contestador da postura religiosa assumida pelo movimento espírita brasileiro. Iniciando com a Espiritização, passando pela ruptura com o movimento oficial até a consolidação do SBPE e da CEPA no Brasil, tal movimento vem se pautando pela retomada dos princípios básicos da Doutrina Espírita. Porém, mesmo esse movimento também se focaliza nos aspectos filosóficos, morais e sociais da Doutrina Espírita. Temas co- mo mecanismos da mediunidade e comprovação da existência dos espíritos parecem não alcançar a mesma repercussão e entusiasmo entre seus integrantes (e me incluo entre os mesmos), que a discussão sobre o papel social da Doutrina Espírita. Conclui-se daí que também assumimos como verdade indiscutível a existência, sobrevivência e comunicação dos espíritos e que não precisamos de mais provas e evidências.

Uma análise mais fria mostra que esse não é bem o caso. Parece que os estudos e pesquisas sobre a mediunidade se encontram estagnados no mesmo ponto de 30, 40 anos atrás. Não se nota nenhum avanço significativo no estudo desses tópicos nas universidades e academias. Mesmo a parapsicologia parece estagnada. Quanto ao movimento espírita temos nos concentrado no estudo e repetição de obras produzidas há mais de 50 anos. A quantidade de livros editados contendo estudos originais sobre existência dos espíritos e comunicações mediúnicas é pequena, o que mostra a dificuldade que encontramos em avançar nesse campo. No caso das casas espíritas, normalmente caímos em dois extremos: os espíritas-religiosos conferem à mediunidade caráter místico e sagrado, santificando médiuns e espíritos. Já o movimento progressista relega a mediunidade a um segundo plano. Por certo as reuniões mediúnicas fazem parte dos trabalhos dos centros e grupos progressistas, porém o consenso geral é de que poderíamos ter centros espíritas sem mediunidade. Uma análise dos temas e trabalhos apresentados nos vários congressos e simpósios progressistas revela que trabalhos originais de pesquisa e estudo sobre mediunidade/ existência dos espíritos são raros. Quase nunca se incluem nas agendas dos congressos sessões mediúnicas, por que? Será que podemos ter Espiritismo sem espíritos? Será que a existência dos espíritos, sua imortalidade e comunicabilidade estão mais do que provadas?

Na minha visão a resposta a essas questões é não. O Espiritismo só tem razão de ser, como filosofia, como doutrina moral, se existirem espíritos! Caso contrário nenhum de seus princípios básicos teria aplicação e não haveria nenhum sentido em se criar uma doutrina à parte das religiões cristãs existentes, pois o discurso moral seria o mesmo.

Pois bem, o primeiro passo é reconhecermos que a tarefa ainda se encontra incompleta e que, apesar das expectativas otimistas de Allan Kardec, a existência e comunicabilidade dos espíritos está longe de ser aceita pela humanidade. Os adversários do Espiritismo e os não espíritas em geral têm muitos e bons argumentos contrários à nossa tese, portanto devemos nos concentrar em alterar esse jogo. O primeiro passo poderia ser ampliar a abordagem desses temas nos congressos e simpósios progressistas. O segundo seria a criação de uma rede de colaboração entre as casas espíritas. Por que não simpósios centrados na troca de experiências e estudos sobre a mediunidade/ existência dos espíritos? Por que não incluir sessões mediúnicas nas agendas dos encontros e simpósios? Outra alternativa seria o patrocínio de pesquisas nesses campos. Se o tópico mediunidade/existência dos espíritos assumisse maior relevância dentro do movimento espírita progressista, teríamos mais pessoas interessadas no assunto e também poderíamos obter mais recursos para a pesquisa. Modernizar a Doutrina Espírita também é encontrar alternativas para rompermos com a estagnação no campo da pesquisa mediúnica. É oferecer aos espíritas e ao público em geral evidências mais atuais e antenadas com o desenvolvimento da tecnologia. Enfim renovar o Espiritismo é reencontrar o caminho que nos leve a comprovação de nossa tese principal: mais do que corpos físicos somos espíritos inteligentes, buscando aprimoramento constante através de diversas reencarnações e contribuindo para a realização da obra divina.

Marcelo C. Regis é engenheiro e colaborador do ABERTURA e reside em Portland - EUA.

A Noite Negra

Corre pra cá, corre pra lá, o prazo para a entrega do trabalho está findando, preciso pagar as contas vencidas. Não consigo nem dar um beijo na minha filha. Não tenho tempo, e estou muito cansado! Há semanas, meses ou anos que não levo minha mulher para passear e ver as estrelas, tomar um delicioso picolé e sentir a brisa da manhã, andar de mãos dadas e no mesmo passo... De repente, bate uma angústia no peito, o futuro torna-se frio, escuro, denso. Sinto que meu coração vai sair pela boca. Falta-me o ar, vou morrer! Olho para os lados e vejo pessoas vestidas de branco, alguns, com um certo ar de desdém, outros, escondendo um sorriso no canto da boca, na maca fria e dura eu respirava novamente. Acreditei que a medicação trouxera-me de volta. Perguntei a minha mulher o que havia acontecido; e ela, com um olhar triste, respondeu: "Achei que você ia morrer, te trouxe de qualquer jeito, te coloquei no banco da frente e quase bati o carro, mas consegui chegar".E continuou... "Você estava pálido, gelado, distante... verificaram sua pressão, sua respiração, e te colocaram no repouso, aí você abriu os olhos; nem precisou de medicação!"

Respondi meio sem graça: "Como não precisei de medicação? Estava morrendo..."

A partir daquele instante, tudo haveria de mudar, principalmente eu.

A noite havia caído, as flores perdido o viço; era assim que me sentia. Meu coração era só o aperto da amargura e do desespero. A velha canção já não soava mais. Os meus sentimentos em frangalhos, e a dúvida que corroia minha alma. Medo, dúvida, desesperança. Onde estaria o cara da foto ? Já não reconhecia mais as antigas fotos, as minhas próprias fotos!, Quem era aquele ali, sorrindo ? Com certeza não era eu!

Ah, como lembro dos olhos da minha companheira, um misto de compaixão e impotência. Não sabia, mas a noite negra havia começado!

Muitos buscadores espiritualistas, estudiosos das ciências ocultas e religiosas, passaram ou passarão pela noite negra.

Quando nos sentimos seguros, convencidos que nada pode nos abater , principalmente a nossa fé, que parece sem fim, a noite negra surge! Derrubando-nos, fazendo-nos rever valores e ideais, numa angustiante dúvida sobre tudo que acreditava ser verdadeiro e cine qua non.

O medo e a desesperança parecem nos puxar para o fundo de uma caverna úmida, escura, sem luz!

Muitos desistem, se entregam à escuridão de suas almas, mas o verdadeiro buscador sabe e tem convicção. Tem fé, como a do cristão, - "Si Deus pro nobis, quis contra nos?" - que em frente aos ferozes e famintos leões, aguardava com confiança , sereno, determinado, a sua transição.

A noite negra surge dissimulada, voraz e implacável ! Na noite negra somos testados, não por Deus, mas por nós mesmos. A dor torna-se inevitável, e a dúvida lacerante. Mas o buscador sabe, que nenhuma noite é eterna, e Apolo em sua carruagem de fogo logo surgirá trazendo a luz.

Ah, quanto sofrimento, quanta dor...ainda necessárias para a alma em evolução. Os desejos supérfluos, que ainda enfeitiçam as mentes e corações ávidos de respostas, serão aniquilados quando tivermos a coragem de servir, de amar, de agir, desbloqueando as correntes cósmicas de energia. Só através da mudança, do renascimento, é que nos tornaremos donos de nosso próprio destino. Mais sábios escutaremos a voz do nosso coração, e deixaremos os atalhos perigosos que poderiam nos levar ao desastre maior. A noite negra pode durar segundos, anos ou vidas, tudo vai depender da nossa força interior, da coragem de mudar, da certeza de nossos ideais.

Tudo indica que, até o mestre Jesus teria passado pela noite negra. Nos momentos derradeiros de seu calvário, teria dito:

- Pai, por quê esquecestes de mim?

Meditemos...

Angellus é Colaborador do Abertura

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Opinião em Tópicos

Porto Alegre - Porto

Antes de viajar a Portugal, conheci, na internet (www.ceca.web.pt) o Centro Espírita Caridade por Amor, presidido por Luís de Almeida, com quem já me correspondia. Vi que se tratava de uma instituição firme na sua visão kardecista. Na apresentação da página, o CECA já vai esclarecendo que "se o Espiritismo fosse mais uma religião perderia seu caráter universalista e seria apenas mais uma no meio de um milhar oriundas do cristianismo e mais de três milhares provenientes de outras sensibilidades religiosas". Sem tergiversar, a página vai dizendo: "O pensamento de Kardec é bem claro, pelo que não se entende muito bem essa infeliz afirmativa" (a de ser o Espiritismo uma religião). E, para que não se pense que essa posição desconsidera a mensagem moral de Jesus, arremata: "Acreditamos que podemos amar profundamente o próximo e pôr-se em prática essa notável nobreza, sem necessidade de se reduzir o Espiritismo a uma religião". Saí, pois, de Porto Alegre sabendo que, no outro lado do Atlântico, pisaria em terreno firme.

Confirmações e Surpresas

O caráter livre-pensador de boa parte do movimento espírita luso constatei-o já em Lagos, no Algarve, onde, iniciando meu roteiro, a convite da Associação Espírita de Lagos, fiz conferência sobre o tema "Quando a Religião Gera Intolerância", temática sugerida por sua dinâmica presidente, Julieta Marques. Um público interessado, questionador, entre o qual estava Octávio Santos, de Portimão, que, na Espanha, já houvera assistido a conferências de Jon Aizpurua, mostrando-se vivamente interessado na mensagem da CEPA e do segmento laico do Espiritismo pan-americano.Depois, em Sines, onde me pediram falasse sobre a "influência dos espíritos na vida de cada um", no Núcleo Espírita O Leme", travei contato com o casal angolano Jorge e Violeta Barata, que dirigem o centro com zelo e entusiasmo imensos. Ali também conheci Maria José Cunha, uma intelectual espírita que, a milhares de quilômetros da gente, e até aqui praticamente sem conhecer nossos esforços nesse sentido, pensa fundo a questão da atualização do Espiritismo, compatibilizando-o com os avanços da ciência e do pensamento.

Início de Intercâmbio

Após uma estimulante visita à Associação Espírita Maria de Nazaré, em Águeda, num contato fraterno com José Santos, seu presidente, e um caloroso público a quem falei sobre "O Verdadeiro Espírita", rumei para o norte de Portugal, onde, decididamente, situa-se o epicentro desse fenômeno de renovação do pensamento espírita, num país onde, ainda em passado mui recente, o movimento foi sufocado pela ditadura salazarista, mas que ressurgiu com força total. O CECA, de Porto, onde fiz um work-shop com dirigentes espíritas da região, tem apenas 24 anos. O ato foi comemorativo de seu aniversário. Mas é um grupo maduro, que irradia para o restante do país atitudes de renovação e de progresso. Disse-lhes que não posso entender – e eles me afirmaram que também não – por quê até agora os segmentos mais progressistas do Espiritismo português ainda não haviam estabelecido um intercâmbio mais efetivo com idênticos setores da América. Acho que esse intercâmbio está começando.

Coincidências

Em Braga, onde discorri sobre "Espiritismo e Humanismo", Noémia Margarido, pensadora lúcida e dinâmica, ao me apresentar não pôde deixar de fazer uma pausa e sorrir, quando referiu que eu pertencia a uma entidade que se chamara Sociedade Espírita Luz e Caridade e que hoje denomina-se Centro Cultural Espírita de Porto Alegre. Explicou: a instituição que me recebia e à qual pertence Noémia chamava-se Associação Espírita Luz e Caridade e, uma semana antes de minha visita, mudou para Associação Sócio-Cultural Espírita de Braga. É mais do que coincidência. São caminhos paralelos que trilhamos.Finalmente, em São João de Ver, falei sobre "Espiritismo e Direito Natural", na sede da Escola de Beneficência Caridade Espírita, um auditório com capacidade para 500 pessoas. Isaías Sousa, seu dirigente (que prometeu vir à Conferência da CEPA), ao mostrar-me sua moderníssima sede, esclareceu: "Tudo aqui está a serviço do estudo e divulgação da doutrina espírita. Não realizamos nenhuma atividade de assistência material exatamente para não desperdiçarmos energias em ações que não sejam genuinamente culturais e doutrinárias". Um exemplo.

Milton R. Medran Moreira, é advogado, jornalista, e Presidente da CEPA. e-mail: medran@pro.via-rs.com.br

A Canção no Espiritismo

Entrevista com Saulo Albach

Saulo Albach, é advogado. De família espírita, desde criança permanece no movimento espírita, em Curitiba, PR, onde nasceu e vive. Durante muitos anos participou do Centro Espírita Luz Eterna e , depois fundou, com vários amigos, o Centro de Cultura Espírita "Palavra Livre". Atualmente é presidente do CpDOC, - Centro de Pesquisa e Documentação - grupo de estudos que reúne espíritas de São Paulo, Paraná e Santa Catarina.

Nesta entrevista Saulo revela por inteiro seu lado artístico. Como músico e compositor, faz parte da banda Alma Sonora, conjunto de jovens espíritas da Capital paranaense. A banda gravou um CD de excelente qualidade, com 14 faixas de música agradável e bem conduzida, que está à venda. A banda faz show e Saulo e seus companheiros pretendem profissionalizarem-se.

Compositor inspirado Saulo é autor de 6 músicas das 14 músicas do CD, sendo uma em parceria.

Sua canção, Pensamento Sideral, foi vencedora, pelo júri popular, do Festival da Canção Espírita de Franca(SP)de 2000.

Reproduzimos a letra de sua canção Em Outra Dimensão, a faixa nº 14 do CD

No espaço, planetas, estrelas, constelações

Um olhar perdido na imensidão do céu

A mensagem, o aviso, retiram da morte o véu

Além do sonho, além da imaginação

A vida existe em outra dimensão

Liberdade acima dos cinco sentidos

Limites mais tênues pro homem que se quer imortal

Os mundo refletem sentido na criação

A morte, a viagem, caminho, continuação.

Para contatos: almasonora@yahoo.com.br - Telefone (41) 329 6566 - 99745060

Abertura - Como você "descobriu" sua tendência para a música e para a composição? Desde de quando?

Saulo - Desde criança a música sempre foi forte em minha casa. Minha mãe estudou música por muito tempo (hoje é professora do curso de Musicoterapia da Faculdade de Artes do Paraná) e meu pai toca "de ouvido". Meu avô materno era clarinetista, instrumento em que meu irmão, Sérgio, vem se notabilizando no meio musical paranaense. Sempre ouvi muita música. Estudei piano com a minha mãe em casa. Comecei a compor lá pelos 16, 17, anos de idade, depois de ter estudado um pouco de violão (na verdade, um curso de férias).

Abertura - A banda Alma Sonora é formada apenas por jovens espíritas?

Saulo - Dos integrantes apenas o Daniel (tecladista que está nos Estados Unidos e por isso não participou das fotos do CD) não é espírita. Na verdade o grupo se juntou a partir do Festival da Canção Espírita de Franca, onde participávamos com trabalhos individuais. Os curitibanos se encontravam apenas em Franca. Decidimos, depois de muitos encontros reunir nossos trabalhos. Nos shows, músicos não espíritas tem tocado conosco. A verdade é que essa é uma banda liberal: um engenheiro, um fisioterapeuta, um dentista, um advogado e um publicitário reunidos em torno da música. Só falta arranjar um músico de verdade...

Abertura - O objetivo desse trabalho artístico é levar uma mensagem espiritualista ou espírita?

Saulo - Como o grupo entende que não existe uma "música espírita", a mensagem que passamos é aquela que está na nossa filosofia de vida. Se somos espíritas, alguma coisa da mensagem espírita deve estar embutida na "mercadoria". Contudo, preferimos que os críticos (espíritas ou não) definam o que ouvem e entendam do nosso trabalho. Na verdade, não queremos assumir nenhum rótulo. Fazemos música do jeito que gostamos, com prazer e alegria. E somos espíritas.

Abertura - Como foi decidido lançar o CD? E sua repercussão, como está?

Saulo - Depois de alguns anos juntos percebemos que o nosso trabalho estava tendo uma boa aceitação. Depois do VII FECEF, em 2000, quando ganhamos dois prêmios (melhor música pelo júri oficial - "Crianças de Kosovo" e pelo júri popular - "Pensamento Sideral") decidimos que era hora de investir um pouco mais. Até o momento a repercussão tem sido muito boa entre espíritas e não espíritas. Participamos de alguns programas de rádio e televisão aqui em Curitiba e os jornalistas teceram comentários que nos deixaram bastante felizes.

Abertura - Você tem participado de festivais de música no meio espírita. Acredita que existe uma "música espírita?".

Saulo - Desde 1982 participo do FECEF, em Franca (SP). um festival muito bem organizado, com oficinas de música, teatro e dança. Hoje o FECEF é organizado pelo Instituto Arte & Vida que faz um trabalho muito bonito com crianças, além de manter um grupo de teatro adulto de boa qualidade. O Alma Sonora deve muito a essa turma. Quanto a segunda parte da questão, acredito que existe uma "música com mensagem espírita", mas não uma "música espírita" enquanto escola musical. Esta só existirá a partir do momento em que exista uma produção significativa dos espíritas que possa ser analisada, estudada e classificada pelos críticos musicais.

Abertura - Por que, quase sempre, as músicas que são originadas nos meios espíritas se fixam em determinados temas e na figura de Jesus?

Saulo - A música é uma forma de expressão. O Espiritismo no Brasil adquiriu uma feição evangélica a partir da segunda gestão de Bezerra de Menezes como presidente da FEB, processo que se consolidou com Chico Xavier e Emmanuel e com o chamado "Pacto Áureo", no final da década de 40. Esta é a linha predominante. Os artistas espíritas bebem nessa fonte. Interessante notar, porém, que alguns artistas que conheço, mesmo sendo espíritas religiosos já perceberam que essa linguagem é prejudicial à divulgação da sua música fora do meio espírita e estão buscando uma linguagem mais universal, menos sectária.

Abertura - Você crê que a música tem uma função específica na divulgação do Espiritismo ou é apenas uma forma de exprimir sentimentos de espíritas?

Saulo - As duas coisas. A música pode ser usada para divulgar uma idéia e para exprimir sentimentos. Depende do momento e de quem a usa. É claro que para se fazer "arte engajada", ou seja, com o propósito de divulgar uma idéia, uma filosofia, uma ideologia, ou seja, lá o que for há que se ter muita qualidade. Bertold Brecht fazia arte engajada; Pablo Neruda, também. Há grupos de música evangélica muito bons.

O "Take 6", por exemplo, grupo vocal americano, se apresenta em festivais de jazz, com letras evangélicas (gospel). Para o público, entretanto, o que vale é a qualidade do trabalho. A arte espírita engajada que conheço, infelizmente é de pouca qualidade.

Abertura - Quando você compõe, o que acontece, sente-se inspirado, vai criando as letras e as músicas num processo de oficina, de construção artesanal?

Saulo - Depende: às vezes faço uma letra e coloco a música depois. Para mim este processo é mais fácil. Outras vezes componho a melodia e a letra vem depois. Embora haja um trabalho de oficina, o meu modo de compor é mais intuitivo, até mesmo porque não tenho formação em teoria musical.

Abertura - De um modo geral, como está colocada, hoje, nos meios espíritas a arte e a música especificamente?

Saulo - Esta é uma questão complexa. Há alguns músicos que estão tentando produzir música de qualidade no meio espírita, mas a tarefa é ingrata, pois não há apoio a esse tipo de iniciativa. Depois vem aquela idéia de que tudo no meio espírita deve ser gratuito. Então, como pretender uma arte de qualidade se o artista espírita não pode cobrar por ela? Como produzir um evento artístico de alto nível sem dinheiro? Embora o panorama esteja mudando em alguns locais, a música no meio espírita ainda é vista como atividade secundária, para abrir ou encerrar eventos. Não se valoriza o artista espírita. Exemplo disso aconteceu com um músico espírita de destaque que sempre se apresenta de graça nos eventos espíritas. Quando foi se apresentar em uma cidade em que seu trabalho já havia sido bem divulgado (pois ele participara de vários eventos naquela cidade tocando "na faixa", como se diz) o público espírita não prestigiou o evento. Será que foi porque teriam que pagar ingresso?

Abertura - Que projetos você tem nesse campo? Profissionalizar-se, ampliar seus horizontes artísticos ou ficara num nível amador, idealístico?

Saulo - A idéia do grupo é a profissionalização. Estamos procurando os meios de divulgação, rádios, tvs, imprensa escrita para apresentar o trabalho. É claro que é um caminho difícil, mas não impossível. Temos visto coisas de tão pouca qualidade com destaque na mídia que, mesmo não sendo o nosso som algo novo ou revolucionário, acreditamos nele e nas possibilidades de uma profissionalização.

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Praça faz 30 e Monumento faz 25 Anos

No dia 1º de outubro de 1972, foi inaugurada a praça Allan Kardec, localizada na confluência das avenidas Epitácio Pessoa e Bancários, no bairro da Ponta da Praia, em Santos.

A cerimônia, presidida pelo então presidente da UMES, Prof. Altivo Ferreira foi prestigiada presença do Interventor Federal em Santos, general Bandeira Brasil, pelo então presidente da USE, dr. Luiz Monteiro de Barros e Carlos Jordão da Silva, presidente da Federação Espírita do Estado de São Paulo, cujo coral, sob a regência da profª. Maria Enriqueta Moreira, cantou o hino a Allan Kardec, o hino do 1º centenário do Espiritismo e a canção Primavera.

Cerca de 400 pessoas estiveram na inauguração.

Foi colocado no centro da praça um marco comemorativo, descerrado pelos presidentes da USE e da UMES e pelo Interventor Federal. Altivo Ferreira falou em nome dos espíritas.

Atualmente a praça foi adotada pela Universidade Santa Cecília que mantém o paisagismo.

Cinco anos depois, no dia 30 de julho de 1977, era inaugurado o monumento em homenagem à de Allan Kardec. Henrique Diegues, então presidente da UMES, empenhou-se decididamente para sua concretização.

O monumento consta de três lâminas de concreto, em sentido ascendente.

Voltada para a parte mais larga da praça, que forma um triângulo, está o busto de Allan Kardec e os dizeres "Allan Kardec -Hippolyte Leon Denizard Rivail – Codificador do Espiritismo e, mais embaixo Homenagem da União Municipal Espírita de Santos.

Na lâmina voltada para avenida dos Bancários, estão relacionados os cinco principais livros de Kardec e as datas de suas primeiras edições. Finalmente, na lâmina voltada para avenida Epitácio Pessoa, aparece a frase "Nascer, viver, morrer e progredir continuadamente, tal é a lei".

A concepção arquitetônica das lâminas é de autoria do arquiteto Carlos Alberto Prates da Costa. A Prodesan, empresa da Prefeitura Municipal, encarregou-se de erigir as lâminas e a UMES da esfinge das letras que compõem o conjunto do monumento.

A inauguração foi solene, com a presença da banda musical da Polícia Militar, do coral do CE Allan Kardec que fizeram a parte artística. O prefeito Antônio Manuel de Carvalho, o presidente da Câmara Municipal, Osvaldo de Rossis estiveram presentes, bem como Nestor Massoti, então presente da USE, além de centenas de espíritas que cercaram a praça.

O descerramento do monumento foi feito pelo presidente da UMES, Henrique Diegues e pelo prefeito, enquanto Altivo Ferreira fez vibrante oração, historiando o trabalho e a personalidade de Allan Kardec

Miséria e Alegria

O sábado havia sido proveitoso. A tarde de clima ameno fora aquecida pelo calor da reunião de amigos, ainda que o tema nos remetesse a constatações nada agradáveis, ensejando, ao contrário, maior reflexão e real participação nas questões da miserabilidade humana. O Seminário "O Espiritismo e os Problemas Sociais", realização do ICKS, trouxe à tona a aflitiva realidade do contingente de excluídos (abaixo da linha de pobreza) de mais de um bilhão de pessoas no mundo, passando da discussão do conceito espírita de propriedade, às leis de evolução e de igualdade, até os mais devastadores índices de fome, violência e desigualdade de oportunidades na sociedade brasileira, em particular. Como tanto já se debateu, falta representação maior e mais séria dos interesses dos mais pobres, dos países periféricos, das áreas menos desenvolvidas nos foros internacionais já existentes.

As elites que mais se beneficiam do atual estado de coisas organizam-se mais rapidamente e, sendo mais fortes que a maioria, impõem seus interesses. Conseqüentemente, predomina uma globalização perversa, aberta às prioridades de grupo reduzido de pessoas, organizações e governo.

Como influir, então, num esquema tão fortemente fechado? Tem o espiritismo força de atuação? Desde que lancemos mão de nossa ação individual baseada nos preceitos de Kardec, que não determinou a doutrina também como um movimento ativista, mas atuante, podemos – e devemos, sim, participar, conscientemente, de ações sociais através de idéias liberais que conclamem ao congraçamento e conseqüente transformação das relações que vão mediar a evolução do homem. A temática da miséria e desigualdade está focada em questões morais, das quais a sociedade não tem como fugir, ainda que o reconhecimento social seja desconsiderado pela macro-economia, em evidente descompasso entre a lógica econômica e os deveres e as necessidades dessa sociedade, como bem lembrou o professor Luiz Gonzaga Belluzzo, da Unicamp, em recente palestra sobre o mesmo tema. Enquanto restar um homem no mundo, essa questão política e moral estará cravada na consciência humana. E aí a doutrina espírita a nos apontar responsabilidades, a nos convocar para ação, como a desafiar: haja o que houver, aja. E essa coordenação, partindo não só de órgãos governamentais, mas de todas as áreas da sociedade civil, como já se observa hoje na figura fundamental do gestor social. E havemos de refletir sobre múltiplos mecanismos, para não cairmos em dramatização improdutiva ou triunfalismo barato, ficando sempre o questionamento se, em termos de Brasil, conseguir-se-á uma posição de esperança para avançar nessa questão da dignidade de vida humana.

E assim dividida entre tantas informações e chamamentos, depois de um sábado de reflexão, pude, como todos, usufruir de um domingo ensolarado e marcante com o"final feliz": Brasil, pentacampeão do mundo. Tudo era comemoração, algumas delas chegando a ser comoventes, como a daqueles quatro guardiões da segurança de uma faculdade, que, silenciosamente, ocuparam todo o espaço da rua, carregando uma imensa Bandeira Nacional, correndo felizes todo o quarteirão, respeitados por um trânsito estranhamente ordenado. E enquanto eu me dirigia à praia, afinal, todos os caminhos levavam ao Gonzaga, onde a praça era do povo, ia absorvendo aquele barulho todo, comandado, naturalmente, por essa juventude do eterno país do futuro. No pequeno corso, valia tudo, do forró ao pagode, enquanto as jovens exibiam seus corpos perfeitos e os rapazes, "sarados", sua compleição muscular de causar inveja. Nem tudo mostrava beleza, mas a importância concentrava-se na rara oportunidade de comemorar, matar a sede com cerveja, sem se dar conta do horário. Uma pausa na miséria. Restaurantes a quilo praticamente vazios, que a fome era de alegria. Mistura de raças, credos, ideologias, a manifestação democrática e igualitária dos que vinham da Vila Rica, da Ponta da Praia, do Marapé, ou desciam os morros, esquecendo-se da segunda-feira, das contas a pagar. A praça das Bandeiras uniformizou-se de verde e amarelo, os ambulantes garantiram um dia de féria especial, e o trio-elétrico comandava o som ensurdecedor, lembrando músicas como a do "Canal 100", o "País do futebol", do Skank, a "Turma do Gueto", que fizeram rolar a maior festa. E o povo sambando, ou melhor, pulando. Dançando, que é o melhor que se pode fazer com o corpo, depois do amor, é claro. Ao meu lado, um rapaz comentou: "tem de comemorar, tia, a gente não sabe quando vai poder fazer isso outra vez"...

No caminho de volta à casa e à realidade, e esta sempre acaba voltando, pensava que, afinal, aqueles jovens futebolistas e experiente treinador, além de possibilitarem o compartilhar de emoções contidas, nos mostraram como certa disciplina, determinação e, principalmente , a crença em nossa capacidade pessoal nos fazem ir longe, perseguir objetivos aparentemente impossíveis, transpor obstáculos, impor credibilidade. Em síntese, ir à luta. Transformar. E não é isso, também, que abstraímos dos conceitos kardecistas? A liberdade de agir, com trabalho e responsabilidade. Não adiantou aquela bizarra oração do bispo anglicano Jeremy Fletcher, publicada em jornal londrino, em que rogava: "Oh Senhor! Que tua mão se levante e aniquile a potência de Ronaldo e Rivaldo (...) e se necessário, Senhor, conceda-nos um gol duvidoso de impedimento no último minuto do jogo, para que o mundo inteiro reconheça que És o nosso Deus".

Será que a resposta veio através do "nosso" Deus? Evidentemente, que não. Esse "nosso" Deus nos quer libertos, coesos e conscientes. Como a consciência que me envolveu, de súbito, ao perceber, à minha frente, um quarteto de vaidosos jovens, todos eles enfeitados com muitas correntes, pulseiras, o inseparável celular, camisetas pretas e em uma delas, nas costas, a inscrição que fazia retornar ao mundo das misérias: SE FOR CARA, VOCÊ VIVE. SE FOR COROA, VOCÊ MORRE.

Que não esqueçamos essa verdade dolorosa, ao depositarmos nossos votos nas urnas eleitorais, no próximo 6 de outubro.

Eneida Barreto Pereira é jornalista e integrante do C.E. Missionários da Luz