Artigo de Roberto Rufo - Setembro de 2001

A Questão da Vontade em Léon Denis

“A fé no progresso não caminha sem a fé no futuro, no futuro de cada um e de todos. Os homens não progridem e não se adiantam, senão crendo no futuro e marchando com confiança, com certeza para o ideal entrevisto”.
Léon Denis

“Vós viveis no meio de armazéns cheios de riqueza e morreis de fome à porta”.
Sabedoria persa

Em seu livro O Problema do Ser, do Destino e da Dor, escrito em 1908, Léon Denis pode ser considerado um precursor dos pensamentos e doutrinas de auto-ajuda, tão em moda nos dias atuais. Na terceira parte do livro, intitulada As potências da alma, Denis faz um breve estudo dos atributos da vontade. Apoiado no cristianismo, mas fazendo menção à cultura dos vedas e dos persas, ele afirma categoricamente que as causas da felicidade não se acham em lugares determinados do espaço; estão em nós, nas profundezas misteriosas (sic) da alma.
Todavia, até os dias atuais os homens não souberam ler em si, explorar essa jazida que contém tesouros inestimáveis
Desde a introdução do citado livro, o autor emite críticas a aqueles a quem incumbe a alta missão de esclarecer e guiar a alma humana que, contudo, parecem ignorar a sua natureza e os seus verdadeiros destinos. No rol das críticas não escapam o positivismo de Comte, o naturalismo de Hegel, o materialismo de Stuart Mill, o socialismo em ascenção na época, que “sacudiram a alma de nossos filhos, que agora flutua incerta, sem ideal, sem fim preciso”.
No início do século 20, Léon Denis vê uma crise moral e a decadência da sociedade pois o espírito humano estaria imobilizado pelos fatores acima citados.
Sendo assim porque meios poremos em marcha as potências internas e as orientaremos para um ideal elevado? questiona Léon Denis. Pela vontade! De uma forma um tanto metafísica quanto mística, é afirmado que pela vontade dirigimos nossos pensamentos para um alvo determinado. A vontade atrairia recursos vitais e esse é o segredo da lei de evolução.
Começa aqui um interessante distanciamento das leis da matéria bem como uma afirmação da inutilidade em se envolver com quaisquer participações materiais de cunho social, pois o princípio de evolução não está na matéria, está na vontade, cuja ação “tanto se estende à ordem invisível das coisas como à ordem visível e material”.
Léon Denis tece elogios às sociedades japonesa, inglesa e alemã, que “com seu espírito de método e continuidade, souberam criar e manter uma poderosa coesão, em detrimento da França, uma nação de vontade fraca e volúvel”. Era típico da época essa exaltação por muitos franceses da disciplina e da vontade que a Alemanha possuiria em grau elevado
Na época do nazismo (1933 a 1945) não foram poucos os franceses que enxergavam naquele vigor a consequência da vontade sinal de superioridade. Infelizmente, essa vontade não foi construída, como sonhava Léon Denis, na inspiração das verdadeiras leis da alma e de seu futuro. Mas, mesmo o autor tinha uma queda nada secreta pela “vontade de potência” de Nietzsche, só que de natureza mais elevada, sabe-se lá o que pode se entender por isso.
Como escrevi no início do artigo, Léon Denis pode ser considerado um precursor dos movimentos de exaltação esotérica. “Querer é poder. O poder da vontade é ilimitado. Se estiver em sintonia com a vontade divina, que é o supremo motor da Vida Universal atrairei todas as riquezas morais e participarei de todas as maravilhas do Cosmos”, assegura o autor.
Concordo que pela lei de evolução um dia chegaremos a esse patamar, só não estou nem um pouco convencido, ou convicto, de que para isso devo prescindir da participação, adesão ou simpatia a filosofias de caráter mais existencialista, onde as leis da história ou da matéria têm papel fundamental.
Atualmente, enquanto povos da Europa. bem sucedidos materialmente, manifestam-se (algumas vezes de forma equivocada) contra uma ordem mundial que consideram injusta e cruelmente destruidora dos bens da terra, os bem sucedidos do Terceiro Mundo, os neo-colonizados, influenciados por teorias do desprezo ou da indiferença aos excluídos, comportam-se como se o destino lhes tivesse aquinhoado mais devido ao merecimento advindo do fato de possuírem uma vontade superior. Daí se engajarem em alguma teoria espiritualista ou esotérica que lhes dê “razão “ e alívio de consciência.
A meu ver, cabe ao espírita fugir dessa tentação , enganosa aliás, de que o pensamento espírita abarcaria todo o conhecimento da vida e da morte.
Denis tem razão no seu entusiasmo de início do século 20, de que precisamos conquistar, respaldados pelo conhecimento da filosofia espírita, nosso destino; porém a construção desse destino não é tão linear e solitária quanto a vontade faz crer.

Roberto Rufo é bacharel em Filosofia, vice-presidente do Instituto Cultural Kardecista de Santos (ICKS) e colaborador do Abertura.