Artigo de Eugênio Lara - Março de 2001
Muitas foram as manifestações por ocasião do
desencarne do Governador Mário Covas. Dos mais poderosos aos
mais humildes, dos amigos e inimigos. Todos foram unânimes em
ressaltar sua envergadura moral, a postura ética em um meio
propenso ao desequilíbrio moral, à corrupção.
Não entrarei por esse caminho, pois não há dúvidas de que
Covas se insere na galeria dos grandes homens públicos, que se
tornaram notáveis pelo comportamento inatacável, como Freitas
Nobre, Ulysses Guimarães, Teotônio Vilela, Campos Vergal, Rui
Barbosa, Tancredo Neves, Bezerra de Meneses, Eurípedes de
Castro, dentre tantos outros que iluminaram a densa escuridão da
política brasileira.
Gostaria apenas de ressaltar um dado biográfico que pouco foi
abordado: sua filosofia de vida. Mário Covas tornou-se
kardecista convicto logo após o desencarne de sua filha mais
velha em um acidente de moto, durante o réveillon de 1976. Desde
então ele nunca mais comemorou o Ano Novo. Algo mudou dentro
dele.
Só quem passou por essa terrível experiência sabe que não
existe dor maior nesse mundo do que enterrar um filho. Ver a
morte dos pais faz parte do ciclo natural das coisas, mas
enterrar um filho, carne da tua carne, alma da tua alma, é algo
muito difícil de assimilar.
Covas nunca mais foi o mesmo. Quase impossível avaliar os
efeitos do Espiritismo em seu comportamento. Acredito que sua
postura ética ganhou maior fundamentação, um inconteste apoio
que a ética espírita fornece.
Essa claridade que o Espiritismo propicia em nossas atitudes
ficou evidente na maneira com que Covas enfrentou o câncer que o
matou. Desde o primeiro diagnóstico até as sucessivas operações
e tratamentos, ele assumiu uma postura inédita para um homem público.
Se expôs, fez questão de deixar a população informada. fui
eleito pelo povo e, por isso, devo explicações ao povo,
declarou aos seus médicos.
Até hoje muitos suspeitam que Tancredo Neves tenha sido
assassinado em função de todo o sigilo a respeito de suas condições
de saúde. Não foi caso de Covas que, mesmo ciente do pouco
tempo que lhe restava de vida, nunca desistiu de lutar contra a
doença através do trabalho. Pois, continuou trabalhando,
trabalhando, trabalhando, desobedecendo as ordens médicas. Aliás,
sua fama de briguento e turrão ganhou um outro colorido. Teimou
em permanecer encarnado até o último instante.
Chorou diante das câmeras de TV, fez declarações a respeito da
vida e da morte que demonstraram a firmeza de suas convicções.
Talvez nem ele imaginava o quanto era amado. Cerca de 15 mil
pessoas acompanharam o seu funeral. Alguns canais da TV aberta
transmitiram ao vivo, em cadeia nacional, a sua despedida.
Sua morte transformou-se num evento de dimensões nacionais. Só
mesmo quem tem o coração muito duro não se emocionou, não
derramou lágrimas pela sua via crucis, com as manifestações de
apoio e carinho, inclusive de seus adversários políticos.
Infelizmente, o destino que ele próprio construiu não o levou
à presidência da República. Com certeza, se ele fosse
presidente nos últimos anos, o País não estaria nessa situação,
repleto de escândalos, de CPIs, de denúncias de corrupção.
Pois é de homens como ele que precisamos, para conduzir a política
com firmeza e lealdade a princípios que ele nunca traiu, desde
os tempos da mocidade.
Mário Covas demonstrou que é possível ser político sem se
corromper, sem virar as costas para a família, os amigos e o
povo que tanto amou. Ele deixou sua marca na história do Brasil
e foi, sem sombra de duvida, um verdadeiro espírita.
eugeniolara@uol.com.br