Artigo de Jaci Régis - Julho de 2001
O título desta crônica é o de uma palestra
desenvolvida no CE Allan Kardec, em Santos.
A princípio questionei a partícula único. Por que
único? O que denota exclusividade? Certamente não podia ser
aplicado ao ser individual, que é multiplicado na população
terrena.
Mas é possível analisar o ser humano enquanto único
num mundo diversificado, considerando sua individualidade e também
enquanto gênero.
O ser humano, pela teoria espírita, é o resultado de um longo
processo de maturação de um princípio espiritual que evoluiu
da simplicidade e da ignorância para o estágio da razão e do
sentimento. Essa tese, no aspecto físico e ambiental, está mais
ou menos conforme a teoria darwiniana da seleção das espécies,
embora sob um novo ângulo.
Mas difere substancialmente das crenças espiritualistas e
religiosas que atribuem à criação divina o surgimento do homem
e depois da mulher, como seres acabados, mais ou menos na forma
atual.
Já a ciência, descompromissada com a idéia de Deus, atribui a
existência do ser humano a uma combinação aleatória de
fatores genéticos, na cadeia de mamíferos.
Sociológica e politicamente, o ser humano vem caminhando em
alternativas de criação, recriação, reformulação de
sistemas econômicos, políticos e sociais, alcançando etapas
progressivas, com desníveis consideráveis no conjunto da
sociedade humana, matizada por ideologias, crenças religiosas,
superstições e disputa pelo poder.
Examinando esse ser único, podemos dizer que ele é,
simultaneamente, um ser do ser, um ser físico e um ser psicológico,
mantendo-se, todavia, uno.
O ser do ser é a essência do ser em si mesmo e define sua
estrutura íntima, reduzida à sua natureza natural. Ou seja, em
relação ao ser humano, é o Espírito em si mesmo, sem nenhuma
designação, nome ou forma. Isso pode, sob certas condições,
aplicar-se também ao animal que, sendo um princípio espiritual
em transição para tornar-se um Espírito é, também, um ser do
ser.
O ser físico é a condição da relação do ser do ser, ou Espírito
ou princípio espiritual, com formas orgânicas e corporais, no
desencadeamento de seu desenvolvimento.
Já o ser psicológico é uma condição exclusiva do ser humano.
Entendemos como psicológico o conjunto de qualificações
humanas relativamente à razão e ao sentimento. Aí temos a
formação de uma tríade ou triângulo, em que os lados se
completam, formando uma unidade.
Examinando as exclusividades humanas, temos que destacar duas
posições importantes.
O ser humano é único na sua solidão.
O ser do ser, embora trabalhado pelo processo que o transforma de
um princípio num Espírito é, por sua natureza, solitário. Ou
seja, as emoções, pensamentos, idéias que lhe habitam a mente
são exclusivas, intrínsecas e imperscrutáveis.
As relações eu/tu, que definem a natureza social, estabelecem
um elo, um liame de comunicação, mas não eliminam a natureza
solitária da pessoa. Esta solidão é atenuada quando as ligações
são afetivamente compensatórias, seguem para uma completude,
uma parceria e uma cumplicidade, descobrindo caminhos
semelhantes, idênticos, ao nível das vibrações específicas
no campo da integração mente a mente.
Mas isso é um processo que, na etapa evolutiva atual, nem todos
conseguem. Ainda assim, permanece a intimidade indevassável da
pessoa, na sua estrutura que, segundo a Psicanálise, ela mesma
desconhece.
Mas existe outra condição em que o ser humano é único.
Trata-se da sua exclusiva competência e necessidade de
estabelecer e desenhar o próprio destino.
Nos reinos anteriores o princípio espiritual segue na sua condição
de ser físico, uma linha determinística inexorável, tipificada
pela repetição de comportamentos e formas de atuação no
ambiente.
Mas quando o ser do ser atinge o nível humano, conquista o
livre-arbítrio, que o torna capaz de utilizar de forma racional
e consciente os recursos que já possui no campo dos automatismos
comportamentais e de apreender, ordenar, utilizar e concluir
sobre novas experiências vivenciais.
Na verdade, o livre-arbítrio é a condição básica sem a qual
seria impossível haver o ser psicológico.
Nesse sentido, não é possível desconhecer o gênio de Freud ao
propor uma estrutura para o ser psicológico. De um lado, com o
conjunto do id, representando o acervo pulsional, instintual do
ser, o ego, sua atuação no mundo real, na busca da relação
com o outro e o superego, que é a sua imersão no mundo moral,
dos valores e que o torna um ser psicológico. De outro lado, o
inconsciente, depósito de emoções recalcadas, porém vivas, o
pré-consciente, sede da memória e o consciente, a face atual da
pessoa na sua relação com o ambiente.
Essa complexidade de situações é que tornam o ser humano único,
porque tem condições de lidar com uma multiplicidade de pressões,
realizar operações mentais simultâneas e atuar no ambiente de
forma positiva, transformando-o.
Os fatores que se combinam, na medida de avanço de sua ascensão,
usando seu livre-arbítrio, detém-se nos valores morais que, a
partir de um dado momento, decidem sua felicidade ou
infelicidade, dentro de um quadro diverso e, não raro,
conflitante.
Mas esses fatores, que parecem muitas vezes adversos e imprevisíveis,
são justamente os que lhe garantirão, no desenrolar de sua vida
imortal, o equilíbrio básico que chamamos de perfeição,
palavra que, entretanto, não qualifica exatamente o que será
alcançado, pois são condições que escapam ao nosso
conhecimento e sentimentos atuais.
Continua obscuro o objetivo da criação humana, sob o ponto de
vista de sua destinação. Claro que a existência das criaturas
humanas é justificada pela sua atuação no ambiente,
modificando-o e também, pelo relativo progresso constantemente
alcançado pelo uso da inteligência, criatividade e
engenhosidade.
Mas qual o objetivo da Divindade ao criar o universo, dotá-lo de
condições de agasalhar seres vivos cada vez mais avançados até
a criatura humana, prossegue incógnito.
Por fim, parece justo também afirmar que o ser humano é único
na possibilidade de sobreviver ao corpo físico, mantendo sua
identidade e voltar a encarnar-se sem perder seu acervo
evolutivo, embora se submetendo a um novo processo vivencial,
diferenciado do anterior e assim sucessivamente.