Artigo de Eugênio Lara - Setembro de 2001

Terrorismo Religioso

Perplexidade. Medo. Terror. Insegurança. Revolta. Faltam palavras para definir em toda a sua totalidade o ataque terrorista às duas torres do World Trade Center e ao Pentágono, no último dia 11 de setembro.
O mundo assistiu atônito, ao vivo, a maior tragédia terrorista da história. Nunca antes os Estados Unidos havia sido atacado em seu próprio território. Nem mesmo o ataque japonês a Pearl Harbour causou tanta comoção. Acostumados a invadirem territórios alheios como o Vietnã e Camboja, os norte-americanos se viram vítimas de uma nova forma de guerrilha terrorista, religiosa, agora globalizada.
Muito tem se falado, desde então, sobre o tema. As imagens se repetem em todos os canais de TV e permanecem indelevelmente marcadas em nossa mente. Há quem diga que foi a realização de profecias, como a de Nostradamus, de Padre Cícero. Mas a verdade é que nenhum astrólogo, vidente, guru ou profeta previu essa tragédia. E esses mesmos senhores também não sabem dizer exatamente qual foi o grupo terrorista responsável pelos ataques. Isso prova que as profecias são tão inúteis quanto os que a proferem.
Todavia, de todas as análises, a mais lúcida, sensata e sem nenhum tipo de perplexidade foi a do arquiteto e filósofo francês Paul Virilio, que há vários anos vem analisando as transformações do mundo contemporâneo. Quando ocorreu o atentado parcialmente fracassado contra o World Trade Center, em 1993, causado por um caminhão-bomba, com um saldo de cinco mortos e alguns feridos, o filósofo já alertava que estávamos diante de um novo fato, símbolo de uma nova relação de forças. Segundo ele, era a premonição de uma Hiroshima de um novo tipo. Virilio foi acusado pela imprensa e por intelectuais de catastrofismo, que suas reflexões eram apocalípticas e extremamente exageradas.
“Agora leio no Le Monde que o atentado de 11 de setembro era inimaginável. É um escândalo! Eu, oito anos antes, sentado em minha mesa de arquiteto, falei da fragilidade desses edifícios arranha-céus, símbolos que não levam em conta a insensatez de um urbanismo que multiplica também sua fragilidade. Para mim, em 1993, já estávamos diante de uma grande ação de terrorismo”. (...) Derrubar o World Trade Center é um ato de guerra histórico, equivalente ao assassinato de 28 de junho de 1914 em Sarajevo. Ali começou a Primeira Guerra Mundial, e em Nova Yorque explode a primeira guerra da globalização.” (Entrevista concedida ao El País, publicada pela Folha de S. Paulo em 25/09, no caderno Mundo).
A Nova Era Começou
O distanciamento dos fatos históricos permite ao analista realizar diagnósticos mais isentos e menos apaixonados. Os futuros historiadores e pensadores talvez considerem o advento da Internet, a clonagem da ovelha Dolly ou as experiências com teletransporte de partículas como o início do Terceiro Milênio.
Contudo, fica difícil não considerar os ataques às duas torres gêmeas como um sinal de que radicais mutações estão ocorrendo. Quase todos os jornalistas repetiram à exaustão que após esses atentados “o mundo não será mais o mesmo”.
Ora, já faz tempo que o mundo não é mais o mesmo. O mundo não acabou e os Estados Unidos continua sua caminhada. A vida continua. Por outro lado, os Estados Unidos não será mais a mesma nação de antes. Terá de rever sua política internacional, o papel que desempenha no mundo como única superpotência, terá que reavaliar seu posicionamento quanto ao desarmamento, notadamente de armas químicas, sua postura em relação à questão da emissão de gases na atmosfera, ao racismo, e à política de direitos humanos.
A postura retrógada e reacionária que vem adotando, já que se encontra sem concorrentes no contexto geopolítico, tende a piorar a situação mundial. Sua reação a esse novo tipo de terrorismo globalizado pode custar a vida não de milhares, mas de milhões de pessoas. A retaliação ao Afeganistão e aos países que se recusarem a se alinhar aos norte-americanos pode deflagrar um conflito mundial de conseqüências não muito imagináveis. Talvez a Terceira Guerra Mundial já esteja começando, sob um outro formato, sem as prospecções de filmes como Day After ou Blade Runner.
Cobra Criada
“Se crias corvos, quando crescerem, te devoram os olhos”. Esse provérbio, semelhante àquele da cobra criada, pode se aplicar muito bem aos Estados Unidos. Esse novo conflito entre o mundo ocidental e o mundo islâmico já vem de longe. Há um fosso aparentemente intransponível entre esses dois universos. Ele se intensificou com as Cruzadas na Idade Média. De lá para cá pouco se fez para que os dois mundos se aproximassem. E muito aconteceu para que o abismo se ampliasse.
O Taleban, milícia fanática que assumiu o poder no Afeganistão, em 1995, obteve todo o apoio dos norte-americanos a fim de expulsar os invasores soviéticos. Membros do Taleban, entre eles Osama bin Laden, agora inimigo número 1 dos EUA, foram treinados naquele país.
Quem não se lembra do apoio norte-americano a Sadam Hussein, senhor todo-poderoso do Iraque? Este senhor é cria dos americanos. E o que aconteceu? A cria voltou-se contra a criatura, se utilizou dos brinquedinhos bélicos fornecidos pela poderosa indústria de armamentos, invadiu o Kwait e transformou o Golfo Pérsico num imenso barril de pólvora.
E o presidente dos Estados Unidos, com sua pompa de estadista de gafieira, vem a público dizer que é “a Cruzada do Bem contra o Mal”. E a resposta não tardou a vir. Os afegãos se preparam para a jihad, a guerra santa, contra a “cruzada norte-americana”. Parece até que estamos voltando à Idade Média ou que realmente existe involução.
Muitos dos males que nos afligem são causados por nós mesmos nessa existência. Não é preciso ir muito para trás a fim de perceber que os efeitos devastadores desse terrorismo religioso não tem a ver com algum suposto “débito reencarnatório”, como se a reencarnação fosse um processo contábil e punitivo. As raízes desse mal que aflige o mundo são longínquas, historicamente falando, mas não tão longe ao ponto de ficarmos isentos. Afinal, trata-se de Alá contra Jeová. O Deus cristão contra o Deus muçulmano.

Segundo o Espiritismo, do confronto dialético entre a conservação e a destruição, nasce o progresso, engendrando novas formas de relações sociais e econômicas. Na condição de lei natural que rege os processos evolutivos, o instinto de destruição, quando manifesto de forma desequilibrada, ocasiona tragédias, flagelos quase sempre independentes de fatores naturais. Há flagelos destruidores que são obra da imprevidência humana e nada tem a ver com o metabolismo da natureza. Esta sim, em desequilíbrio, causado pela ação humana, reage de forma não raro inóspita e implacável, provocando a fome, epidemias e destruição do meio ambiente.
Conservação e destruição são binômios indissociáveis. É o que se deduz das afirmações dos Espíritos, pois trata-se do “remédio ao lado do mal”, a fim de se manter o equilíbrio de forças, como contrapeso no processo evolutivo.
A destruição é uma necessidade, natural, diretamente ligada, sob o ponto de vista dos valores, ao nível intelecto-moral do ser humano. Isso significa que, na medida em que ele vai deixando, ao longo de seu processo de auconstrução evolutiva, os vícios e paixões perniciosos ao bem-estar social, essa necessidade tende a desaparecer. Como afirmaram os Espíritos a Kardec, “o horror à destruição cresce com o desenvolvimento intelectual e moral” (O Livro dos Espíritos, q. 733).
Por conseguinte, a guerra, seja ela numa vizinhança ou em todo o planeta, é um fato necessário à evolução intelecto-moral. Parece absurdo, num primeiro olhar, pensar a guerra como algo necessário. No entanto, quando os fatores passionais, a perversidade, o instinto de destruição elevado ao mais baixo nível da crueldade tomam conta de um povo, de uma nação, de toda uma civilização, o que temos é o conflito bélico implacável, pois conforme o nível evolutivo, não somente das massas mas principalmente das lideranças, não se concebe outra alternativa que não seja a destruição do inimigo, do algoz.
Todavia, os povos e nações, pelas leis de afinidade, reencarnam em grupo, devido a fatores culturais e existenciais, por afinidade afetiva, intelecto-moral, num processo que ainda desconhecemos. “Os franceses de ontem são os de hoje, reencarnados”. Ao longo da história grupos reencarnam, formando as nações, não que a cultura seja uma consequência de fatores eminentemente espirituais. Seria ingenuidade pensar assim. Trata-se de um contexto construído ao longo da história pelos Espíritos que no processo reencarnatório, voltam ao cenário que eles próprios construíram. Quem se afina com um grupo muçulmano, guardadas as devidas diferenças existentes, irá preferir nele reencarnar. É a lei de afinidade, cujo funcionamento também desconhecemos, mas que determina, em primeira instância, as relações existenciais entre os Espíritos reencarnantes.
Em meio aos flagelos, em toda a tormenta causada pela guerra, há de se lamentar sempre as vítimas inocentes, de pessoas que, a primeira vista, nada têm a ver com o confronto de interesses, quase sempre econômicos, causados pelos que se degladiam. Esse lamento, próprio do estar humano, tem a ver diretamente com a valorização da matéria além daquilo que ela nos proporciona. A supervalorização do corpo, das condições materiais, são componentes que nos levam a privilegiar a autopreservação. É o instinto de conservação presente, ativo, em nossa estrutura psíquica, como esclarecem os Espíritos na seguinte questão:
738-a) - Mas, nesses flagelos, tanto sucumbe o homem de bem como o perverso. Será justo isso?
“Durante a vida, o homem tudo refere ao seu corpo; entretanto, de maneira diversa pensa depois da morte. Ora, conforme temos dito, a vida do corpo bem pouca coisa é. Um século no vosso mundo não passa de um relâmpago na eternidade. Logo, nada são os sofrimentos de alguns dias ou de alguns meses, de que tanto vos queixais. Representam um ensino que se vos dá e que vos servirá no futuro. Os Espíritos, que preexistem e sobrevivem a tudo, formam o mundo real.(...) Os corpos são meros disfarces com que eles aparecem no mundo. Por ocasião das grandes calamidades que dizimam os homens, o espetáculo é semelhante ao de um exército cujos soldados, durante a guerra, ficassem com seus uniformes estragados, rotos, ou perdidos. O general se preocupa mais com seus soldados do que com os uniformes deles.” (EL)

Longe de ser uma seita de fanáticos, o islamismo é, ao contrário do que se imagina, uma religião que prega a paz e o amor entre os homens. Fundada por Maomé (Muhammad) no século VII, é a segunda maior religião monoteísta do mundo (a primeira é o cristianismo). São mais de 1,3 bilhões de adeptos. Toda sua liturgia e concepção teológica fundamentam-se no livro sagrado Alcorão que contêm os atos, ditos e ensinamentos de Maomé. e possui cinco princípios básicos:
1. Alá é o único Deus e Maomé, o único profeta.
2. Orar cinco vezes ao dia em direção à Meca e, se possível, na mesquita.
3. Pagar o tributo (zakat) para caridade, cerca de 2,5% da renda anual de um muçulmano.
4. Jejuar no mês de Ramadã (mês sagrado em que Maomé recebeu a revelação de Alá).
5. Ir a Meca ao menos uma vez na vida, para quem não tenha nenhum tipo de impedimento. (EL)

O fundamentalismo é uma distorção do Alcorão. O preceito absurdo de que quem morre em campo de batalha lutando pela religião islâmica é purificado, é utilizado de uma forma perniciosa para justificar ideologicamente ataques terroristas.
O fortalecimento desse tipo de interpretação sectária do Alcorão se intensificou no Irã, em 1979, com a ascenção ao poder do aiatolá Khomeini (1900-1989). Ele, que estava exilado em Paris desde 1963, liderou uma revolução islâmica que destituiu o xá Reza Pahlevi, eliminando toda e qualquer influência da cultura ocidental, notadamente dos Estados Unidos.
Estudioso do Islamismo, Khomeini foi o principal protagonista do que se convencionou chamar de “revolução xiita”. De lá para cá, o Alcorão tornou-se a própria constituição. É como se andássemos para trás na roda da história, com países regidos por um verdadeiro regime teocrático, como é o caso do Irã e do Afeganistão. (EL)