Artigo de Luiz Damasceno Lemos - Abril de 2001
Para se designarem coisas novas são
precisos termos novos .Assim o exige a clareza da linguagem para
evitar a confusão inerente à variedade de sentidos das mesmas
palavras.
Allan Kardec
Estas foram as primeiras palavras de Allan Kardec em O Livro dos
Espíritos, primeiro livro espírita, publicado em 18 de abril de
1857.
Vale a pena refletirmos nas fortes razões que levaram "o
bom senso encarnado" no dizer do célebre astrônomo francês,
Camille Flammarion (1842-1925) a principiar o primeiro livro espírita
com as palavras acima, chamando a atenção do movimento espírita
quanto à importância da boa comunicação, comunicação de
qualidade, das idéias espíritas, até mesmo fazendo uso de
neologismos, que melhor podem expressar, em bom vernáculo, o
pensamento doutrinário, tais como espiritismo, espírita,
espiritista, perispírito, psicografia, psicofonia, as quais
deverão fazer parte do Vocabulário Espírita.
Léon Denis (1846-1927) respeitável escritor espírita francês,
em O Problema do Ser, do Destino e Da Dor (1936-a,p.33) assim se
referia a Kardec: "Esmerou-se Kardec, primeiro de tudo, em
dar sentido claro e preciso às expressões que habitualmente
emprega no seu discurso filosófico; depois, em definir bem os
termos que podiam ser interpretados em sentidos diferentes. Ele
sabia que a confusão que reina na maioria dos sistemas provém
da falta de clareza das expressões usadas pelos autores.Oura
regra, não menos essencial em toda a exposição metódica, e
que Allan Kardec escrupulosamente observou, é a que consiste em
circunscrever as idéias e apresentá-las em condições que as
tornem bem compreensíveis para qualquer leitor.
O emprego de um Glossário Espírita é de fundamental importância.
Seja recomendável, preliminarmente, ao uso adequado da língua
materna, seja por "espírito científico" do uso
correto da terminologia própria a cada ramo do saber, atendendo
a sua taxionomia, seja ainda, e primordialmente, devido ao senso
de responsabilidade que devemos ter no que diz respeito à
preservação do precioso patrimônio espírita, a nós legado
pelo plano espiritual e codificado por Allan Kardec.
Por oportuno, lembramos que a Doutrina Espírita, para ser bem
compreendida, precisa ser interpretada contextualmente, isto é,
em seu conjunto, como um todo, no tempo e no espaço e não
parcialmente, pontualmente, a fim de que quaisquer expressões
idiomáticas, extensões semânticas sejam entendidas com seu
verdadeiro sentido, nos termos doutrinários.
Cabe-nos zelarmos dedicadamente pela incolumidade deste acervo
doutrinário, a fim de que não haja espaços para distorções,
adulterações, mutilações, adjetivações indébitas,
enxertias deformantes e outras anomalias. Desfigurações estas,
involuntárias ou propositais, culposas ou dolosas, que podem ser
ocasionadas, entre outras, mediante o emprego de expressões de
duplo sentido, anfibológicas, as quais dão margem a inúmeras
interpretações que colidem com os conceitos doutrinários,
inclusive com o uso de nomenclaturas inadequadas, estranhas aos
conceitos espíritas e que infelizmente são engolidas por alguns
incautos tais como, ritos, rituais, cascões, pretos velhos,
cultos, cerimonias, cerimonial do evangelho no lar( ou similar),
catequização infantil (ou similar), Virgem Maria! Etecetera,
etecetera, etecetera...
Note-se que esse vocabulário excêntrico já está carregado de
significado, alguns em completa oposição aos ensinamentos espíritas,
e que carreiam para dentro do movimento espírita idéias
imprecisas, equivocadas, concepções espúrias, mas que acabam
sendo assimilados por aqueles que ainda têm saudades do altar e
do alguidar também...
Importa atentarmos sobre a importância dos conceitos espíritas,
que procuram expressar, com fidelidade as idéias espíritas, as
quais vêm libertar o homem de uma série de amarras, vêm jogar
por terra um conjunto de superstições, de atavismos, de
crendices e hábitos estereotipados, vindo, enfim, marcar uma
nova era na história da humanidade, diz a pedra angular da
Doutrina Espírita, Allan Kardec (O Livro dos Espíritos, questão
798)
Convém sublinhar que o nosso compromisso é com a Doutrina Espírita
e, portanto, embora respeitamos, não nos cabe ,porém, manter vínculos
de ameaçadoras dependências, provavelmente inconscientes, que
nos arrisquem a lastimáveis perdas de graus de autonomia, a
favor de quaisquer outras doutrinas, ideologias, sistemas
multiformes, idéias individuais enxertadoras de tendências
desagregadoras, correntes de pensamento idiossincráticos,
personalíssimos, tais como os ubaldismos, rohdenismos,
roustainguismos, ramatizismos, armondismos, etc, idéias que seus
enrustidos seguidores vão, furtivamente, fazendo penetrar em
alguns distraídos e permissivos segmentos do movimento espírita.
Vínculos estes que podem descaracterizar tal segmento, com
negativas repercussões não só dentro do movimento espírita,
fragilizando-o, bem como também fora do movimento, dando uma idéia
falsa do que seja o Espiritismo correndo o risco de vir a dar
origem ao chamado espiritantes (mistura de espírita +
protestante ), espiritólicos (mistura de espírita + católico)
e vai por aí afora.
Urge uma leitura acurada da obra kardeciana, que seja capaz de
propiciar àqueles que formam o movimento espírita, uma melhor
apropriação da doutrina espírita, dentro do atual contexto em
que vivemos, e assim - e isto é um direito de cidadania espírita
- preservar a codificação, inclusive uma série de conceitos
marginais e de um elenco de práticas estranhas. E isso já seria
suficiente para pleitear-se, por parte do movimento espírita, de
um Projeto de Comunicação de Espiritismo, que realmente
assegure, fazendo uso também, do vocabulário espírita, uma
Comunicação de Excelência da Doutrina Espírita a todos
aqueles (crianças, jovens e adultos) que dela se abeirassem,
favorecendo-os, de forma dinâmica e progressista, o
enfrentamento e solucionamento, sob a luz do Espiritismo, dos
problemas da contemporaneidade que estão, diariamente, a nos
desafiar uma resposta satisfatória que nos possibilite, desde a
infância, sermos cidadãos felizes, nas relativas condições
que o nosso planeta permite,e de dentro do país em que
habitamos, desde o presente para o futuro.
Finalizando, recordemos o ditado popular, que bem evidencia os
nossos atuais preconceitos, os quais nos cumpre superar "o
maior cego é aquele que não quer ver".
Luiz Damasceno Lemos é engenheiro e dirige o movimento Pelo
Menos Kardec, no Rio de Janeiro-RJ