Artigo de Jaci Régis - Abril de 2001

A Rosa

Naquele domingo, já ao cair da tarde, o pequeno grupo familiar se reuniu informalmente. A grande varanda que circunda o casarão antigo e confortável, era um lugar muito agradável. O olhar se perdia no verde da mata além, coroando o morro, enquanto o lago tranqüilo que ficava a alguns meros refletia os últimos raios do sol.
O grupo era bem familiar. Marta, mocinha de 15 anos, neta de Antero , dono da casa, bonachão, cabelos brancos, barriga um pouco volumosa, de Andrea, mulher dos seus 50 anos e Floriano, jovem de 25 anos, cursando a faculdade, filho de Antero e Andrea.
Além de Floriano, o casal tivera uma filha, Mariana, que morrera ainda jovem, com 36 anos, vítima de um câncer. Era uma mulher bonita, meiga e tinha uma relação muito boa com os pais, além de esposa e mãe que todos recordavam com carinho.
Casada muito cedo, logo teve Marta que agora vivia com o pai, na cidade.
Embora sereno o ambiente era triste.
- Faz hoje, um ano que minha mãe morreu, lembrou Marta.
Fez-se silêncio.
- Sonhei com mamãe alguns meses depois de sua morte, contou a jovem.. Ela me abraçou muito forte e despediu-se dizendo que tinha que partir. Quando acordei, chorei muito.... Outra vez, não lembro quanto tempo depois, voltei a sonhar com ela. E ela me disse: “lembra das rosas de que tanto gosto? “E lembrei-me que ela amava as rosas. “Pois bem, continuou, leve daqui uma rosa e plante no jardim de seu prédio. Toda vez que a rosa abrir-se eu estarei contigo...”
De fato, contou a jovem. Levei uma muda e com ajuda de minha tia Adalgisa, irmã de papai, plantei uma muda de roseira. Passado algum tempo, lembrei-me das rosas e não as vi. Perguntei ao zelador se alguém as tinham arrancado, tinham arrancado as “rosas de minha mãe”. Mas, para minha surpresa, ele levou-me ao jardim e mostrou atrás de uma ramagem, uma rosa aberta, linda cor de rosa.... Chorei....
O relato de Marta comoveu a todos.
De formação espírita, grupo começou a conversar sobre a delicada questão da morte.
Antero contou que viu sua mãe morrer. “Ela estava muito fraca, doente, hospitalizada. Não tinha 70 anos. Respirava com dificuldade. Eu e meus irmãos estávamos ali, olhando-a De repente ela parou de respirar. Simplesmente. Uma comoção muito grande invadiu-me o coração”. Ele não conseguiu evitar discretas lágrimas, a saudade marcando seu rosto ,.
Houve um silêncio de meditação. Cada um reportava-se a si mesmo.
- Por que temos tanto medo da morte? perguntou Andrea...todos partiremos, sem qualquer dúvida. Entretanto, pensar na morte é sempre muito doloroso. Uns dizem que é a perspectiva de não mais existir, de tudo acabar... Outros simplesmente têm medo.
- Um amigo meu, falou Floriano, contou-me que seu tio teve a confirmação precisa do dia de sua morte. Reuniu a família e afirmou que no dia tal, eu morrerei. Ele não estava doente. Disse que sonhara e que um homem maduro aproximou-se dele num grande jardim. Olhou-o nos olhos e ele sabia que o conhecia, mas não lembrava de onde,. Nem quem era. O homem colocou sua mão suavemente em seu ombro e disse-lhe. —Teus dias na Terra esttão no fim. No dia tal, você partirá e eu estarei te esperando...
E foi o que aconteceu, no dia aprazado, o homem amanheceu morto.
- Procuremos evitar tanta tristeza, advertiu Andrea. Somos imortalistas, cremos na continuidade da vida...
É verdade... comentou o marido. Mas como evitar a solenidade da morte? Quando alguém amado parte para o “outro lado”, resta-nos a esperança da continuidade. Mas a realidade que vivemos é bem amarga. Fica a saudade e o silêncio....
- Vovó, perguntou Marta, será que nossos mortos estão junto de nós? Realmente minha mãe estará ali, no jardim, sempre que uma rosa desabrochar Minha amiga Terezinha, continuou Marta, disse-me que aconteceu-lhe algo estranho. Ia caminhando quando ouviu uma estação de rádio com noticiário. Sem saber porque, imediatamente lembrou-se vivamente da figura do avô falecido, ouvindo seu rádio e atento ao noticiário, como era seu costume....
- Bem minha filha, parece-me mais lógico supor que a rosa é uma referência de memória. Ela te lembra tua mãe e essa lembrança produz uma sensação gostosa. Posso até crer que em algumas circunstâncias ela esteja ali, não por causa da rosa mas por tua causa. Como no caso de sua amiga. Um fato corriqueiro desencadeou a sua memória e ela reviu o avô na tela de sua mente, na lembrança, mas é improvavel que o Espírito ali estivesse.
- Nós não sabemos como nossos amados estão no “ outro lado” falou Antero. Quando partimos para o além, levamos nossas preocupações, nossas ligações afetivas, de amor, de simpatia. E esses são laços muito apertados que atraem uns para com os outros. A memória não morre com o corpo, pois é espiritual. Mas nunca teremos absoluta certeza de que eles estejam conosco em determinados momentos.
- Mas existem relatos e mais relatos de fenômenos como esse, asseverou Floriano.. Quantos não têm visões? Quanto não ouvem e sente até o cheiro, o perfume dos entes falecidos?
- Claro, respondeu Andrea. Não duvidamos da imortalidade. Sem ela a vida terrena se torna uma viagem dolorosa, frustradora. Todavia, por mais que tenhamos contato com os mortos, fica difícil para nós entender como é a vida, como é o sentimento da alma, na outra dimensão
- O que eu sei é que quando alguém parte fica um vazio e uma icógnita e, muitas vezes, uma grande saudade, disse Antero e arrematou bem que seria bom, creio eu, que pudéssemos falar, conversar, ver os que partiram. Seria menos doloroso.
- Teoricamente é verdade. Mas será que, para a maioria é prático? perguntou Andrea
- Não sei, quem respondeu foi Floriano, estamos falando de parentes mortos de maneira mais ou menos natural, sem grandes traumas. Entretanto, milhões partem com graves problemas pessoais, envoltos em conflitos e deixam para trás um rastro de trevas, de mágoas. Talvez o véu da invisibilidade seja até útil nesses casos Ficaram conversando por um longo tempo. Mudaram o rumo da conversa para a esperança da continuidade da vida.
- Ah! exclamou Andrea, às vezes desejo tanto um sinal... uma prova. Entretanto, até hoje nada aconteceu.
Depois, quando a noite caiu, fizeram uma prece silenciosa, cada um no seu interior, mas todos pensando em Mariana, mãe, filha e irmã.
Após a prece, na penumbra que se fizera, um foco de luz muito pequeno desenhou-se na frente de todos. A tensão foi grande. Os corpos se esticaram, os olhos se arregalaram...
O foco aumentou mais um pouco e mais um pouco e formando um quadro luminoso, fulgurante, levemente azul....E dentro desse quadro, foi se formando, delicada e lentamente, uma linda rosa, de cor rosa...