Artigo de Saulo de Meira Albach - Janeiro / Fevereiro de 2001
Reflexões ao raiar do novo milênio
A
chegada de um ano novo que é novo século e novo milênio
instiga a reflexão sobre as nossas convenções tempo-espaciais.
Passado, presente e futuro podem ser pensados, sentidos, vividos
nas nossas ações. Um nexo causal une os eventos numa cadeia
lógica em a qual cada um é senhor da própria história. Como
não estamos sós os enredos apresentam outros personagens que
compõem uma trama complexa, plena de intersubjetividade, de
trocas, de influências, de dependências, de sentimentos bons e
maus... É da essência do homem. Na verdade nada muda na virada
de um ano. Mais um dia seguindo outro dia. Mudamos na hora em que
a nossa vontade torna-se mais forte que o imobilismo paralisante.
Mudamos nos momentos de crise quando a experiência nos ensina
que nossas atitudes não estão frutificando. Mudamos quando a
força das coisas nos impele a buscar o novo e recriar caminhos.
O século que finda, repleto de guerras e violência, de
progresso tecnológico espantoso, de lutas memoráveis entre os
que querem liberdade, justiça e paz e os que só se preocupam
com o poder econômico, deixa-nos mais experientes, menos
inocentes, mais humildes para reconhecer que as forças da
matéria, em si mesmas, não são suficientes para transformar o
mundo num oásis de paz e fraternidade para todos os homens... O
século que dizimou populações, que destruiu boa parte dos
recursos naturais do planeta, indica o rumo do equilíbrio no uso
da natureza sob pena de vermos nossa casa destruída. O século
que se vai permite entender que o capitalismo selvagem e seu
fundamentalismo econômico não conseguem erguer uma sociedade
capaz de atender o homem enquanto ser carente de afeto, de paz,
de cultura e, acima de tudo, de comida e abrigo.
Ensina que o sonho da igualdade só pode ser pensado à luz dos
valores democráticos, sempre embalado pelo canto envolvente da
liberdade. O século que finda mostra que a mulher tem o mesmo
valor que o homem, espíritos em experiências corporais
distintas, mas com os mesmos direitos e deveres nesta caminhada.
O século 20 possibilitou consolidar a dúvida como mola mestra
do conhecimento e relativizou nossas certezas. O século que nos
deixa (ou melhor, o século que deixamos...) não conseguiu ver a
fome e a miséria extirpadas da face da Terra, muito embora tenha
visto o homem chegar à Lua... Paradoxos de um planeta humano,
muito humano...O século que vai conheceu homens importantes como
Gandhi, Einstein, Albert Schweitzer, Marie e Pierre Curie,
Alexander Fleming, Santos Dumont, Jesse Owens, o corredor negro
que desbancou Hitler nas Olimpíadas de Berlim, Pelé, Jean-Paul
Sartre e Simone de Beauvoir, Marcel Proust, James Joyce, Fernando
Pessoa, Pablo Neruda, José Saramago, Pablo Picasso, Martin
Luther King Jr., Nelson Mandela, Desmond Tutu, Stephen Biko, Che
Guevara, Luis Carlos Prestes, todas as avós da Plaza de Mayo,
Lech Walesa, Michail Gorbatchev, Adolfo Peres Esquivel, Charles
Chaplin, Akira Kurosawa, Frederico Fellini, Maurice Ravel, Heitor
Villa-Lobos, Tom Jobim, Dalai Lama, Madre Tereza de Calcutá, Dom
Helder Câmara, Francisco Cândido Xavier, Médicos Sem
Fronteiras e muitos outros que contribuíram para a
melhoria do planeta e mostraram que um pode influenciar muitos.
O século que chega, embora não apague nenhum defeito da nossa
atuação como indivíduos e como sociedade, realimenta a
esperança que arde como fogo eterno em nossos corações, pois a
meta da perfeição inscreveu em nossas consciências a lição
recorrente da busca por um mundo melhor. Feliz Século 21 a todos
os que crêem e lutam para construí-lo!!!
Saulo de Meira Albach é advogado, membro do CPDoc, delegado da
Confederação Espírita Pan-Americana e colaborador do Abertura.