Artigo de Eugênio Lara - Setembro de 2001

A Quantidade e a Qualidade

No Espiritismo, quando se escolhe o caminho da qualidade, um dos maiores obstáculos é lidar com a quantidade. Quando uma idéia penetra em nosso âmago mais profundo é natural que tenhamos a ânsia de divulgá-la, de compartilhar as emoções e benefícios que ela nos traz, com aquele que a desconhece ou dela está mal informado.
Primar pela qualidade significa rejeitar quase 150 anos de história do Espiritismo no Brasil. Em função de um processo complexo de natureza sociológica e antropológica, o Espiritismo transformou-se, em nosso País, num movimento social de massa, religioso, atendendo à demanda de uma sociedade ávida de consolo mediúnico, material e assistencial. A célula básica desse movimento, o centro espírita, correspondeu aos anseios de uma sociedade que saiu, abruptamente, da condição agrária para uma situação urbano-industrial, onde os conflitos inerentes ao caos urbano nem sempre são assimiláveis pelos novos cidadãos, notadamente aqueles que são oriundos de outras regiões.
O centro espírita preencheu então a função de medicar o corpo e a alma. O passe, oriundo da homeopatia, tornou-se inseparável dessa instituição, que se transformou em hospital, em tenda de milagres, em porto seguro para pessoas frágeis e egressas do cristianismo, carentes de uma fé que atendesse, ainda que timidamente, ao novo contexto da modernidade, distante do obscurantismo religioso e do fanatismo. O pensamento mágico, místico e supersticioso encontrou aí a guarida necessária.
Os pioneiros do Espiritismo no Brasil eram quase todos católicos, daí a adesão a pensamentos permeados pela culpa, pelo pecado, pela ânsia da salvação, presentes na obra de Roustaing, Emmanuel, Edgard Armond, Ramatiz e demais pensadores que ajudaram a construir a identidade do Espiritismo brasileiro.
Reverter esse quadro é tarefa das mais hercúleas. É mais fácil desentortar a Torre de Piza ou varrer a areia da praia do que partir para um processo de transformação radical do perfil do centro espírita. Todavia, por que mudar essa realidade? Vale a pena? Penso que não.
Vale a pensa sim construir uma nova realidade, uma nova instituição, com outro formato, outro nome, outra dinâmica. Trata-se de uma tarefa que gera agonia, angústia, insegurança mesmo, pois construir o novo é muito mais complicado do que manter o velho formato.
O que dá mais resultado, grupos de 10 a 20 pessoas que estudam, pesquisam e praticam o Espiritismo ou um grupo de 200 pessoas que distribui milhares de passes e pratos de sopa? Não é mais interessante encarar a filosofia espírita como preventivo do que como remédio para todos os males, inclusive materiais?
É preciso, como nos ensinaram Carlos Imbassahy, Herculano Pires e Deolindo Amorim, investir na cultura, no desenvolvimento do intelecto, do caráter e na ação social, comunitária, onde o Espiritismo se fará presente, como uma bússola a nos guiar a lugares nunca antes imaginados.
E quem está disposto a isso? Diria que são poucos, não somente os que dirigem mas também aqueles que freqüentam. Poucos estão interessados em estudar o Espiritismo, em aplicá-lo efetivamente em sua vida, pois é imperativo o comprometimento moral e filosófico; e não é para qualquer um.
Seguir esse caminho, o da cultura espírita, resultará numa perda substancial de freqüentadores. Muitos se sentirão melhor em outro espaço, onde possam ficar de boquinha aberta, qual passarinho despenado, a espera do óbolo, da graça, do milagre, do passe, da caridade, enfim, daquilo que qualquer espírito religioso busca no templo, um bálsamo para seus males, para sua dor, a fim de preencher seu vazio existencial.
Mas aqueles que permanecem, seguros, unidos por um elo de alegria, idealismo, de amor e companheirismo, de comprometimento moral, de compreensão e aplicação do Espiritismo na sua própria vida, em toda parte, no pensamento, no coração, saberão que estão diante de um trabalho que só tende a se multiplicar, como o sal da terra, como sementes que germinam em solo fértil, como o orvalho que vivifica e umedece as manhãs de cada um de nossos dias.