Artigo de Matias Quintana - Janeiro / Fevereiro de 2001
É uma contradição o
fato de esta pergunta ter cabimento. Contradição que mostra
qual personalidade se destacará de todas as outras a partir da
condecoração que lhe outorguemos. Ela não se destacou
suficientemente por ela mesma, para impor-se por peso próprio.
Somente a posteridade, através do voto popular, foi-lhe
emprestada o brilho que antes não refletia.
O prestígio pessoal seria um prestígio imaginário porque como
humanos é dificil discriminar o ator principal de um drama cujo
libreto desconhecemos e que se reflete com a oracular tendência
à tragédia.
De qualquer forma, entre os métodos para tentar dar uma resposta
objetiva à pergunta que inspira este artigo encontramos a
pesquisa, (que é um tipo de voto popular) e a estatística como
dois caminhos possíveis.
Neste ponto, política e matemática se uniriam para construir o
resultado, dentro de uma maioria, que por ser tal, presume-se
certeira em suas opiniões.
No fundo dessas idéias é colocada em questão a democracia nas
decisões e o poder, tal como a conhecemos; questionamento
enraizado em várias razões, algumas de ordem lógica; mas
racionamentos inibidos pelo temor geral de criticar o sistema
que, por hora, se apresenta como a alternativa mais conveniente.
Ainda que seja provável que, apesar disso, também a democracia
não tenha deixado de ser também um efeito da imaginação e que
os verdadeiros canais de decisão ainda permanecem defasados.
A necessidade da democracia denuncia, sem reparos, uma carência
existente na atualidade. Uma carência de poder individual. Em
tempos passados esse vazio esteve preenchido por imposições e
autoritarismo pessoais, que não desapareceram propriamente, pois
estão deslocados para outros pólos escondidos.
Triste Prestígio
O fato, para o tema que nos toca, é que se torna surpreendente
observar que muitos personagens determinantes da história foram
tiranos, sendo eles que impulsionaram transformações
históricas.
A partir disso criamos um critério que equipara as grandes
personalidades com os poderosos e as transformações,
abstendo-nos de formular juízos de valor sobre eles mesmos.
Neste sentido, o século 20 deixa como legado à posteridade,
não um destes homens que deixaram cicatrizes indeléveis, senão
um conjunto deles. Não obstante esse grupo, não seria dificil
condecorar com o trágico mérito (para o caso) a um só deles e
a uma grande parte da nação que o propiciou.
Triste prestígio o de ser uma importante e sombria personalidade
deste século, por peso próprio (entre outras razões, porque
ninguém o elegeria) e junto dele, um segundo conjunto formado
por outros grandes homens, que foram nobremente grandes.
No primeiro conjunto se destaca o perverso e inumano, no segundo
o heroísmo., a sabedoria e a resistência. Não tenho dúvidas
que se existem grandes homens, estes estão no segundo grupo, mas
esta é uma definição subjetiva de grandeza., baseada num
sentido do bem, a partir de quem contempla parcialmente e por
isso não tem validade.
O Fio da História
É evidente que carecemos da virtude de apreender o fio da
história, que muitos vêem como fragmentada. Mas não é por
ausência de lógica histórica, senão pela ilogicidade da
lógica mestra, que ainda carece ou rechaça princípios
fundamentais, carência e rechaço que converte nossas
deduções, umas vezes em falácias (raciocínio correto sobre
princípios deficientes) e outras em sofismas (falso raciocínio
para induzir ao erro).
Assim como um poeta escreve uma metáfora, cuja chave de
interpretação amiúde nem sequer possui, a grande maioria
carece de uma chave que permita compreender a história e seus
homens.
Portanto, estamos despojados da capacidade de julgar com
coerência o complexo emaranhado humano.
Ausência da chave hermenêutica de um mapa histórico
incompreensível. Isso faz com que todos os condutores e
transformadores que projetam suas ações através de sua arte,
sua ciência, sua ignorância, sua violência, sua solidariedade,
seu talento, seu carisma, sua maldade, seu pensamento, seus
objetivos, seu amor, sua palavra ou sua rebeldia fiquem reduzidos
a meros colaboradores de um plano alienado, em um trajeto cuja
meta apenas sonham, e que talvez somente a arte dos delirantes
compreendam.
Se alguém se destaca dos demais é por um mero fato de
posição: o bem é um lugar, ou é uma escala evolutiva. Assim
como o mestre se engrandece com as perguntas e a emoção pelo
aplauso de seus discípulos, as personalidades que transcendem as
culturas e o tempo estão no alto porque seus pés se apoiam
sobre os ombros de seres anônimos que lhe auxiliam e sobre
árduos ciclos evolutivos de esforço individual.
Domínio do Tempo
Particularmente admiro muitas personalidades do século 20, em
geral ideólogos cuja efetividade de pensamento só se constata
em perspectiva. Admiração dispersa nos fragmentos dos rasgos e
dos detalhes. Não tenho os meios para eleger a nenhuma, nem dar
coesão a tão vasto mapa. Esta função fica mas mãos daqueles
que possuem a chave da leitura que lhes dá o domínio, ao mesmo
tempo que conservam o contato com a realidade fragmentada e
secularizada, que se nos apresenta no cotidiano.
Dominar o tempo é compreender o sentido de suas três posições
imaginárias (passado, presente e futuro). Compreensão dentro da
qual descansam os três talentos, que no meu entender, são
indissociáveis de todo grande homem: os talentos da compreensão
da história, de ação sobre o aqui e o agora e de previsão do
futuro.
O homem é uma entidade passageira que abriga a vã tendência de
aspirar ao sublime, em si ou em outros. Mas a grandeza humana
não está no humano, mas se localiza no limite onde se cruzam o
espírito imperecível e uma programação incompreensível,
desenhada por um pensamento impensável e guiada por um amor
desconhecido, que talvez só os grandes espíritos sentem, que
muitos outros negam ou não compreendem e que outros chamam de
Deus.
Mas seja o que for é, sem dúvida, por natureza, sem nome e sem
definição o fundamento de toda grande obra. Ainda aqui
abandonamos, de súbito, o pensar ocidental, ainda carregado com
seus símbolos e nos abismamos na ignorância através de um
pensamento que ainda resulta demasiado romântico e idealista,
que Kant chamaria de metafísica.
Matias Quintana, estudante de psicologia, reside na cidade de
Santa Fé, Argentina e é diretor da revista El Barco, editada
pela Institución Espírita Síntese