Artigo de Milton Medran Moreira - Setembro de 2001

Opinião em Tópicos

Clonagem Humana

Por favor, não me perguntem se sou contra ou a favor da engenharia genética, clonagem de seres humanos, etc.. Simplesmente, não sei responder. Por que razão, a gente sempre tem que ter opinião sobre tudo a qualquer momento? O conhecimento humano, em certas áreas, está avançando com uma velocidade tal, que é impossível a uma pessoa comum organizar-se de tal forma a adotar conclusões definitivas sobre tudo, principalmente em áreas que exigiram longos e aprofundados estudos e pesquisas altamente especializadas, como o é o caso da genética
O Espiritismo nos oferece alguns pressupostos básicos em cima dos quais podemos construir uma tábua de valores que nos leva a uma postura ética diante do fato, seja ele social, político, econômico ou estritamente científico. Mas a construção do conhecimento às vezes precisa transitar por áreas até então delimitadas e protegidas pelo sagrado. Sem violar essas interdições não se avançará na busca de novos paradigmas do conhecimento.

Posição Dogmática

As igrejas cristãs pregam que corpo e alma são criações divinas. Que Deus cria uma alma novinha em folha para cada embrião gestado na intimidade de um óvulo fecundado por um espermatozóide. A partir desse pressuposto teológico, as igrejas são obrigadas a se posicionar contrariamente a todo o processo de reprodução humana que fuja a esses parâmetros. E, invocando o domínio do sagrado, que para elas é mais importante que o ético, hão de se posicionar também contra toda e qualquer experiência que se fizer nessa área. Mas, não há avanço sem experiências e não há conquistas sem sacrifícios de alguns valores culturais. Diz-se, popularmente, que não se pode fazer maionese sem se quebrar ovos. Quantos pacientes de transplantes morreram vítimas da rejeição de órgãos, antes que a farmacologia desenvolvesse drogas capazes de prevenir as rejeições? No campo das conquistas sociais, quantos líderes revolucionários precisaram morrer para que as idéias que defendiam terminassem institucionalizadas?

O Espiritismo

O Espiritismo defende o princípio de que a verdadeira vida é a vida do espírito. A encarnação é episódica na existência do indivíduo. São, é verdade, episódios absolutamente necessários ao processo de crescimento do espírito. Mas, nascimento, vida e morte, porque disponibilizados sucessivamente na existência do espírito, perdem o caráter de singularidade que os guindaria ao domínio do sagrado. Nascimento, vida e morte, assim, podem, eventual e momentaneamente, ter mero objetivo de aprimoramento do gênero humano, colocando o espírito em condições de “suportar a parte que lhe cabe na obra da criação”, como refere a questão 132 de O Livro dos Espíritos. Se visualizarmos sob essa perspectiva algumas experiências malogradas que sacrificam vidas para a consecução de objetivos sociais ou científicos, talvez nos tornemos um pouco mais tolerantes para algumas iniciativas científicas rejeitadas por aqueles que estabelecem um rígido limite entre o sagrado e o profano, entre a “cidade de Deus” e a “cidade do homem”, de que tratava Santo Agostinho. É preciso romper com esse maniqueísmo.

Desafios

Quem disse que, necessariamente, há de estar presente um espírito em todo embrião obtido num processo de clonagem? Por que a união espírito-matéria não poderá se dar somente na fase final, se exitosa, do processo? Analogicamente, O Livro dos Espíritos teoriza acerca da possibilidade de gestações, sem que ao feto esteja acoplado um espírito, o que redundaria na superveniência de natimortos.
Nós, espíritas, temos que nos valer do pressuposto de que, em escalões mais elevados da vida, há inteligências sintonizadas com a ação que aqui se desenvolve, e aptas a interferir para retificar rumos tomados pela eventual ignorância humana. Sob todos os seus aspectos, científicos, éticos e espirituais, as novas técnicas de reprodução oferecem desafios e questionamentos a respeito dos quais não nos é dado ainda fazer juízos definitivos, como apressadamente o fazem as religiões. É claro que a sociedade tem de se precaver através de regramentos éticos que evitem a banalização da vida e a submissão das descobertas científicas a interesses moralmente subalternos. Mas, nisso tudo, consideremos também que nunca como hoje a ética foi tão debatida pela ciência. Isso, de certa forma, e para desespero dos que se autoproclamam guardiões do sagrado, talvez, sim, nos esteja permitindo começar a “brincar de Deus”.