Artigo de Milton Medran Moreira - Outubro de 2001

Opinião em Tópicos

O "11 de Setembro"

Como não poderia deixar de ser, os atentados de Nova Iorque e Washington, no dia 11 de setembro, suscitaram de pronto, no mundo todo, comentários acerca de um tema que preocupou Kardec e que serviu de base para a questão que ele formulou aos espíritos, no item 784 de O Livro dos Espíritos: afinal, diante de atos de tamanha perversidade, dá mesmo para afirmar que o homem vem progredindo moralmente? Ou terão razão aqueles que, neste mesmo momento, afirmam, mostrando os destroços do World Trade Center e invocando suas milhares de vítimas, que o homem é um ser moralmente decadente que ruma para a autodestruição? À indagação formulada por Kardec, os espíritos responderam que convém olhar o conjunto e não os detalhes e que a barbárie diminui na medida em que a civilização vai permitindo ao homem melhor distinguir o bem do mal.

Ao Vivo

Milhões de pessoas viram ao vivo e em tempo real, detalhe por detalhe, os atentados daquela manhã. Fotógrafos e cinegrafistas amadores captaram o preciso momento em que o primeiro avião se espatifou numa das torres. E quando a segunda torre foi atravessada por outra aeronave, as principais redes de televisão já estavam transmitindo do local para todo o mundo. Essa instantaneidade da imagem da tragédia permite-nos vivenciá-la como se atingisse diretamente a cada um de nós. É como se nosso filho ou nossa mulher estivessem ali, naquele momento, tomando o elevador para iniciar sua manhã de trabalho num dos escritórios do centro financeiro de Manhattan. Sem querer desmerecer a tragédia, ela só assume dimensões maiores, no cotejo com as grandes catástrofes da História, porque o mundo todo é sua testemunha ocular e porque o homem pôde, instantaneamente, refletir sobre a estupidez de um ato dessa natureza.

Avanço Ético

Uma forma de se mensurar o avanço ético do homem é avaliarmos sua capacidade de se indignar contra a injustiça. Não precisamos retroceder à Pré-História ou à Antiguidade para formarmos uma idéia do quanto progredimos eticamente em alguns séculos apenas. A conturbada história do Cristianismo, que é o próprio roteiro da civilização ocidental, foi capaz de produzir a barbárie das Cruzadas, com suas execuções em massa. Em pleno desabrochar da Idade Moderna, quando o laicismo renascentista já gestava o Humanismo, a civilização cristã sustentou a Inquisição, com seu séquito de coações morais e físicas, suas excomunhões, confiscos de bens, torturas e execuções públicas, que se estenderam até o século 19. O século que recém deixamos para trás presenciou os horrores do nazismo e o envolvimento do mundo inteiro em duas sangrentas guerras mundiais, com milhares de vítimas. Definitivamente, as razões que inspiraram todos esses genocídios, hediondos crimes contra a Humanidade, não se sustentariam hoje no mundo. A indignação que sacode o Planeta diante de uma tragédia como a de 11 de setembro, incomparavelmente menor do que os crimes da Igreja e do Estado, e que foram sacralizados e institucionalizados em seu tempo, é o atestado claro de que, em sua média, o homem é hoje melhor do que ontem e será, amanhã, melhor do que hoje.

A Armadilha

Não podemos cair na armadilha astuciosamente engendrada pelas religiões de que o homem é um ser moralmente decaído e decadente. Essa visão favorece o marketing das religiões salvacionistas, que preservam o monopólio da salvação, como instrumento de dominação dos espíritos. A filosofia espírita apresenta o homem como ser permanentemente em evolução.
Aquela meia dúzia de loucos que planejou e executou o arremesso de aeronaves contra as torres gêmeas de Nova York não representa a média do pensar e do agir humano, como, ao seu tempo, os papas e os reis representavam. Há, incomensuravelmente, hoje, no mundo, muito mais gente boa do que má, até mesmo entre as turbas que, nos países do Oriente Médio, desinformadas e desconhecedoras das conquistas modernas do pensamento humanista, vivem treinando para se lançar em ataques suicidas depois dos quais pensam conquistar as delícias do paraíso eterno.
Incompatíveis com nosso tempo e totalmente desencontradas dos valores e dos sentimentos que já fomos capazes de teorizar, tragédias como aquela, tanto como as que, longe das lentes da TV, são diariamente provocadas pela fome, pela miséria, pela desigualdade, são metáforas de um mundo apontando para a necessidade da transformação prática e efetiva. São o mal de que ainda necessitamos na paciente pedagogia da vida que faz do homem, em qualquer circunstância, um ser viável.