Artigo de Milton Medran Moreira - Maio de 2001
Conceitos que
Cristalizam
Alguns conceitos formulados apressadamente entre nós
cristalizam-se de tal modo que, depois, sua remoção passa a ser
tarefa das mais difíceis, vista, não raro, até como perigosas
tentativas de dissensão. O exemplo mais emblemático dessa
inversão conceptual, contrariando a letra e o espírito da obra
de Kardec, é a velha questão de se considerar o Espiritismo uma
religião e de se fazer disso um conceito fechado.
É certo que com relação a esse tabu, pouco a pouco, se vai
construindo o caminho de sua superação. Mas, há muitos outros.
Um deles é a sempre repetida assertiva de que o Espiritismo é o
cristianismo redivivo e que sua missão é conduzir o homem aos
conceitos e às práticas dos primeiros cristãos.
Os Primeiros
Cristãos
Quem se dispuser a um estudo, por mais singelo, sobre as
primeiras comunidades cristãs, irá se deparar com grupos de
pessoas simples, bondosas, mas, evidentemente, nada versadas no
trato do pensamento racional; esforçadas na prática do ensino
de Jesus no sentido da fraternidade, do amor e do perdão, mas
com escassos recursos intelectuais e quase sem nenhuma
preocupação com as questões filosóficas mais fundamentais
acerca do espírito. Obcecadas pela idéia do fim dos tempos e
incapazes, ainda, de compreender a mensagem renovadora de Jesus
de Nazaré, levavam vida ascética, à espera do iminente soar
das trombetas ao som das quais haveria de se dar o julgamento
final, separando os bons dos maus para conduzi-los à eterna
beatitude ou ao perene sofrimento
Sem nenhuma noção da vocação transformadora, progressista e
perfeccionista do espírito, guardavam uma visão maniqueísta de
homem e de mundo, distanciada dos conceitos hoje vigentes entre
nós de que somos rigorosamente iguais na origem e na
destinação.
O Espiritismo
Ao contrário de propor o retorno a uma visão tão estreita, só
compatível com o tempo e o espaço em que foi desenvolvida, o
Espiritismo é uma corajosa proposta de rompimento com muitos dos
conceitos surgidos precisamente nos tempos primevos do
Cristianismo e que, perenizados nos dogmas, se tornaram
absolutamente inconciliáveis com a modernidade, no seio da qual
surgiu o pensamento renovador de Kardec.
Se considerarmos o Cristianismo como o movimento de idéias que
forjou o perfil do Ocidente ao longo de 2000 anos, o Espiritismo
terá de ser inserido como parte da reação iluminista, surgida
na Modernidade, constituindo-se numa valente proposta de
superação daquele paradigma e jamais de retorno às suas
origens.
Compromisso com o Futuro
Com acerto, classificou J.Herculano Pires o Espiritismo como
um arquétipo carregado de futuro. Querer fazer dele
uma romântica volta a etapas já superadas pela cultura e pela
ética modernas será diminui-lo, desprezando os frutos que a
civilização amadureceu, colocando-o no mesmo terreno de
caricatas seitas milenaristas, sempre saudosas dos tempos que
passaram e predispostas a julgar o homem como um ser em decadência.
Parece mais adequado vermos o Espiritismo como uma proposta
formulada para superar o Cristianismo e não como um convite de
retorno a etapas por ele próprio superadas. E isso em nada
compromete o vínculo que o Espiritismo tem com a moral de Jesus
de Nazaré, autêntica e legítima expressão da lei natural,
eterna e imutável, e da qual o Cristianismo tanto se afastou. O
compromisso do Espiritismo é com a contemporaneidade e com o
futuro, muito embora o conservadorismo e o obscurantismo sejam
permanentes ameaças à compreensão, à vivência e à atualização
de suas propostas.