Artigo de Milton Medran Moreira - Junho de 2001

Opinião em Tópicos

Religião e Intolerância

O Correio Brasiliense publicou recentemente (11.03.01) resultados de interessante pesquisa apontando para uma ligação muito íntima entre o que chama de “religiosidade mágica” e intolerância. O que a reportagem denomina “religiosidade mágica” é aquela que conduz à crença nos milagres, em curas sobrenaturais e na conquista imediata de bens materiais. Quanto mais crente o sujeito, mais intolerante ele é com as pessoas de outros credos ou que não pratiquem religião alguma. Assim, entre os entrevistados que confirmaram ir à igreja diariamente, 93,75% afirmaram ser errado a uma pessoa freqüentar mais do que um tipo de religião. Em contrapartida, o índice de maior tolerância está precisamente entre aqueles que não praticam nenhuma religião. Deles, 64% acham que não há nada de errado em buscar, simultaneamente, em vários sistemas de fé, respostas para os problemas existenciais de cada um.

Os Carismáticos

A reportagem ouviu também a socióloga Júlia Miranda, que faz pós-doutorado na França, no Centro de Estudos Interdisciplinares dos Fatos Religiosos, e que, há 20 anos, pesquisa a articulação entre religião e política na sociedade. Estudando detidamente a ala carismática da Igreja Católica, o segmento mais mágico do catolicismo, Júlia detectou nesse grupo o índice mais elevado de intolerância. Lembra, por exemplo, o caso de um jovem em dúvida sobre seu futuro acadêmico e que foi aconselhado, dentro desse segmento religioso, a evitar cursos como Ciências Sociais e Filosofia, porque “incitavam a dúvida e eram incompatíveis com a fé”. Notou, também, a tendência dos jovens carismáticos de só andar em companhia de outros carismáticos
Os pesquisadores da UNB chamam de “religião transcendente” a posição contrária à religião mágica: aquela que tenta colocar o homem em contato com o significado da vida. “Os religiosos que têm essa visão - garantem os autores da pesquisa - não se sentem ameaçados por outras crenças e estariam mais abertos a diferenças”.

Religião e Política

Os pesquisadores afirmam que quanto mais as pessoas são envolvidas em sua vida por cultos religiosos, menos enxergam a política como processo de busca do bem social. Passam a entender o fenômeno político simplesmente como um palco para disputas. Assim, dos grupos pesquisados, 53,8% dentre aqueles que freqüentam diariamente seus cultos não conseguem ver na política mais do que um grande campo de luta envolvendo interesses antagônicos. O sociólogo Eurico Gonzales assinala que “as crenças religiosas atribuem grande poder sobre a vida das pessoas a alguns iluminados que, em tese, são capazes de resolver os problemas delas”. Daí a alienação. Enquanto isso, entre os pesquisados, 63,8% daquele grupo que não costuma freqüentar rituais religiosos vêm a política como um autêntico processo de bem social e são muito mais capazes de engajar politicamente.

A Boa Notícia

A boa notícia é de que os espíritas se saíram muito bem nessa pesquisa. Classificado aí o Espiritismo não como “religião mágica”, mas justamente como “religião transcendente”, a pesquisa coloca os espíritas como o grupo mais consciente com relação à própria cidadania. Juntamente com os entrevistados que declararam não ter nenhuma religião, os espíritas do Distrito Federal foram classificados como o grupo que tem uma visão mais ampla de política.
E um cruzamento de dados feito pelos pesquisadores terminou confirmando essa tendência. Os espíritas e as pessoas sem religião são os que mais se envolvem em grupos para buscar soluções para problemas, como associações, sindicatos e movimentos políticos. Eis os números: 21,2% dos católicos e 29,2% dos evangélicos se envolvem nesse processo, contra 33,3% dos espíritas e 46,3% dos sem-religião.
Uma conclusão que me parece óbvia: o Espiritismo tem muito mais afinidade intrínseca com os movimentos civis, laicos, do que com os grupos religiosos. Ou estou errado?