Artigo de Milton Medran Moreira - Julho de 2001
Migrações
Religiosas
Um dos argumentos que sempre utilizei em eventuais debates com
padres e pastores, no rádio ou na televisão, para demonstrar o
crescimento do Espiritismo e seu potencial como a proposta
espiritualista mais viável da contemporaneidade, foi de que, em
sua maciça maioria, os espíritas são ex-católicos ou ex-evangélicos
que, a partir de determinado momento, migraram para o
Espiritismo, por verem ali respostas mais positivas a seus
questionamentos de natureza espiritual. Muitas vezes usei o
argumento de que a situação inversa (espíritas que se tornaram
católicos ou protestantes) era raríssima, praticamente
inexistente.
Hoje, honestamente, não sei se ainda posso me valer desse último
argumento. Tenho tomado conhecimento de inúmeros casos,
ultimamente, de espíritas que migraram, de repente,
para as religiões evangélicas, notadamente as pentecostais e
neo-pentecostais, atraídos por esse fabuloso mercado de ofertas
de serviços que tais religiões vêm promovendo entre nós.
Evangélicos
Enrustidos
Não tenho nenhuma preocupação com esse tipo de perda.
Grafei o adjetivo espíritas, ali em cima, entre
aspas, porque, na verdade, penso que alguém que já se declarou
espírita e que resolveu, lá pelas tantas, aderir a uma igreja
evangélica, na verdade nunca conheceu adequadamente o
Espiritismo. Terá sido sempre um evangélico enrustido,
que permaneceu na casa espírita enquanto esta lhe pareceu a
proposta mágico-mística mais eficiente para lhe propiciar as
graças e bênçãos que buscava. No
momento em que toma conhecimento de religiões mais eficientes,
aquelas que, no dizer do sociólogo paulista Antônio Flávio
Pierucci (Folha de S.Paulo, Caderno Mais,31.12.00) se
mostram capazes de oferecer experiências religiosas(o
êxtase, o transe, o júbilo, o choro, o alívio, enfim a emoção)
mais satisfatórias e terapeuticamente mais eficazes (levando à
prosperidade econômica), é natural que para lá se dirijam.
Durkheim escreveu, com muita propriedade, que todas as religiões
respondem de formas diferentes, a condições dadas da
existência humana, ou seja, cada um tem a religião que
merece e de que precisa.
Mercado
Religioso
Preocupa-me, sim, o tipo de espiritismo a que
estiveram vinculadas, nas casas ou grupos dos quais essas pessoas
migraram para os cultos evangélicos. Porque, ao que sei, esse
tipo de conversão tem atingido não apenas eventuais freqüentadores
de casas espíritas, mas também pessoas que foram criadas dentro
delas, algumas com larga tradição familiar no movimento espírita.
O que pode levar a isso senão uma distorcida concepção de
Espiritismo, cultivada longamente, por toda uma vida, e
transmitida de pai para filho, de dirigentes para dirigidos? Onde
se divulga um espiritismo salvacionista, religioso, místico,
capaz de prodígios, graças e benesses, se está, na verdade,
operando na mesma faixa que Pierucci chama de mercado
religioso, ao qual se entregaram as tantas agências
de salvação que proliferam nas cidades e seus subúrbios
e que se constituem num dos mais importantes fenômenos sociológicos
de nossos dias.
Liberdade de Religião
A secularização do Estado e da sociedade mais politizada, a
partir do advento da República, em fins do século XIX, acabou
com o monopólio da fé, tristemente exercido pelo catolicismo
por longo tempo. A liberdade religiosa, no entanto, gerou esse
outro monstro que é o mercado da fé que, neste momento, já
conquistou e se utiliza dos melhores recursos de marketing,
capazes de atrair incautos e fazendo a fortuna de seus agentes.
Krishnamurti de Carvalho Dias, que nos deixou recentemente,
distinguia a liberdade de religião da liberdade
da religião. Sustentava, brilhantemente, que o Espiritismo
é uma lúcida proposta capaz de nos libertar da
religião. Com efeito, a gênese das idéias espíritas situa-o
muito melhor no terreno do humanismo livre-pensador, que rompeu
com a religião, do que no conturbado campo das disputas da fé e
de suas pretensas fórmulas salvacionistas. Quem assimilar o
Espiritismo como um pensamento filosófico verdadeiramente
libertador, como propôs Kardec, nunca trocará de religião,
porque dela terá se libertado definitivamente.