Artigo de Milton Medran Moreira - Janeiro / Fevereiro de 2001
Pipa
A gaúcha Patrícia Diniz, a Pipa, tornou-se famosa através do
programa No Limite da Globo. Agora, às vésperas do
seu casamento, tentou negociar com a Igreja para que a
cerimônia, da qual devia constar uma missa, fosse realizada no
clube onde ocorreria a festa. Mas, segundo noticiou Zero Hora
(23.11), a Igreja não liberou nenhum padre para rezar a
missa fora de um templo católico, alegando que não é possível
abrir exceção. A notícia acrescenta que Pipa
tentou também com os freis franciscanos, sem sucesso e que
a alternativa agora seria alguém ligado à religião
espírita que pudesse transmitir uma mensagem na
cerimônia.
No momento em que escrevo, ainda não sei se apareceu alguém da
religião espírita, ou de outra religião qualquer
para essa celebração. Com tantas religiões existentes por aí,
e como, ao que se depreende da notícia, para Pipa não faria
muita diferença, certamente alguma cerimônia religiosa
aconteceu em seu badalado casamento.
Celebrações Alternativas
Contava-me um amigo que, numa cidade do interior gaúcho, o mais
importante líder espírita local, presidente do órgão que
coordena os centros espíritas da cidade, tem sido cada vez mais
chamado a falar e rezar em casamentos e velórios. Como têm se
tornado muito freqüentes os segundos ou terceiros casamentos,
recusados pela Igreja, o popularmente chamado casamento
espírita passou a ser uma boa alternativa. Conhecido como
chefe dos espíritas, ele fala bem, faz uma prece
bonita e todos recebem aquilo como uma cerimônia religiosa.
Preserva-se algo da tradição, dá-se-lhe feição ecumênica e
ninguém pode dizer que não houve um casamento religioso.
Afinal, o Espiritismo também é uma religião, e todas as
religiões são boas, diz o povo.
O mesmo líder espírita, respeitadíssimo na cidade, é
freqüentemente chamado para falar e rezar em velórios. Já há
um consenso de que a cerimônia feita pelos padres é muito chata
e que a encomendação espírita é bem mais bonita e
confortadora.
O Caminho Novo
Um dos documentos mais ricos da Revista Espírita, editada por
Allan Kardec, foi o debate travado entre ele e o Abade Chesnel. O
padre escrevera um artigo advertindo os católicos de que uma
nova religião tinha surgido em Paris, o Espiritismo, espalhando
heresias que precisavam ser combatidas. Kardec contestou dizendo
que o abade estava enganado. O Espiritismo não era uma
religião. Seu verdadeiro caráter era de uma ciência e de uma
filosofia e que não deveria jamais se transformar numa
religião. Se o sacerdote insistisse em classificá-lo como uma
nova religião, estaria jogando o Espiritismo num caminho
novo.
O resto da história todos nós conhecemos. De tanto o padre (e
inúmeros outros confrades dele, encarnados ou desencarnados)
afirmar que era, o Espiritismo acabou por se fazer, na prática,
uma verdadeira religião. Uma bela religião, diga-se de
passagem, capaz de concorrer com as outras todas, oferecendo um
caminho novo, e - por que não? - uma opção alternativa para
cerimônias religiosas que tornam mais tocantes casamentos e
velórios.
Muitas Fés
A Pipa não tem culpa nenhuma em proceder assim, se é que optou
por alguém da religião espírita para celebrar
seu casamento. Ela sempre ouviu dizer que o Espiritismo é uma
religião. A imprensa também não tem culpa nenhuma em colocar o
Espiritismo em pé de igualdade com tantos outros cultos. Os
próprios espíritas recomendam o culto do evangelho no lar.
Além disso, quem entrar na maioria dos centros espíritas,
muitas vezes denominados templos vai assistir a
autênticos cultos, com longas orações decoradas, recitadas e
maquinalmente repetidas em ambiente de penumbra por circunspectos
dirigentes de olhos fechados; vai ver o passe sendo ministrado
indistintamente a todo o público, como sucedâneo de bênçãos
litúrgicas aos fiéis; vai presenciar filas, como as da
comunhão, para o recebimento da água fluidificada, tomada por
doentes em busca de cura. A mesma cura que irão buscar em
santuários católicos e evangélicos. Todas as religiões
são boas, nós mesmos vivemos dizendo isso. O importante
é ter uma fé. Ou várias fés ao mesmo tempo, como está na
moda, e onde cabem também componentes da religião
espírita.
O Espiritismo, nessa trilha, deixou mesmo de ser visto como uma
ciência e uma filosofia, pois preferiu tomar o caminho
novo, sugerido pelo Padre Chesnel. Muitos acham
honestamente que o novo caminho proposto pelo abade é o melhor.
Mas, sempre haverá os que resistem. Como o fez Kardec.