Artigo de Milton Medran Moreira - Dezembro de 2001

Opinião em Tópicos

Medo da Ciência

Quem tem medo da ciência? A Igreja sempre demonstrou esse temor. Desde que, com o final da Idade Média, o conhecimento se emancipou do controle eclesiástico, secularizando-se e criando o método científico, deixando, também, a filosofia de ser serva da teologia, a religião vive aos sobressaltos. Cada nova descoberta científica pode ser um golpe a mais naquela concepção de homem e de universo inspirada na interpretação literal da Bíblia.
O primeiro grande golpe se daria a partir da tese de Copérnico de que era a Terra que girava em torno do Sol, e que causou mal-estar no catolicismo e protestos mais candentes no protestantismo que então despontava. Lutero chamou Copérnico de “astrólogo vigarista” e Calvino, citando o salmo “o mundo também está determinado e não pode ser alterado”, perguntava: “Quem ousará colocar a autoridade de Copérnico acima do Espírito Santo?”

Evolucionismo

Até hoje, as igrejas cristãs não deglutiram inteiramente a tese da evolução. Ainda há poucos dias, Frei Betto, em crônica publicada no Jornal do Brasil (JB.8.10.01), recordava as aulas de catecismo que negavam as teorias de Darwin “tentando nos inculcar que somos mesmos descendentes diretos do senhor Adão, casado com a senhora Eva, sem que os catequistas se dessem conta de que Adão, em hebraico, significa terra, e Eva, vida”. Nos EUA, continua sendo uma questão séria a luta que igrejas fundamentalistas cristãs travam contra o Estado para evitar que nas escolas públicas se ministrem aulas sobre evolução das espécies.
O temor, agora, das igrejas é a clonagem humana. É claro que acenam com argumentos éticos. Mas, no fundo, o que temem é que, clonado um ser humano, se esvazie totalmente a crença na alma, que para elas é dogma e não principio filosófico. Na verdade, adentrando o terreno que ainda é da ficção científica, o dia que se pudesse clonar um homem, dando origem a um outro ser em tudo igual, tanto física como emocional, intelectual e moralmente, a tese das religiões da existência da alma estaria fortemente comprometida.

Ética

No último dia 25 de novembro, a empresa norte-americana Advanced Cell Technology anunciou ter conseguido desenvolver uma tecnologia para clonar embriões humanos. Substituíram com sucesso o DNA (molécula onde está codificada a receita para construir um indivíduo) de um óvulo humano pelo DNA do núcleo de uma célula adulta de pele humana. Esclarecem que o objetivo não é criar um ser humano mas obter células-tronco, capazes de se transformar em qualquer tecido humano, para tratar doenças e fazer transplantes.
Mesmo com esse esclarecimento, o protesto do Vaticano veio junto com a notícia. Nos Estados Unidos existe legislação que proíbe a clonagem humana e nada leva a crer que sejam violadas as barreiras éticas que recomendam não tentar essas experiências que, a exemplo da ovelha Dolly, em 1996, em tese poderiam dar lugar à criação de um novo ser humano, pois que isso ainda implicaria em riscos de gerar bebês deformados e aberrações genéticas imprevisíveis.

Tese Espírita

Mas, a ciência já detém em tese meios para clonar um ser humano. Superadas as questões relativas aos riscos das deformações, abortamentos, etc., mais dia, menos dia, a experiência deverá ser feita. Se exitosa, e se, por hipótese, dali surgisse um ser em tudo igualzinho àquele do qual foi retirada a célula mãe, estaria confirmado o que se chama de parelelismo psicobiofísico, isto é, os aspectos psíquicos, biológicos e físicos do homem têm simultânea formação. Ao contrário, a tese espírita sustenta a independência da identidade espiritual do ser humano. É no espírito, preexistente à concepção, que estão o conhecimento, a inteligência, a moralidade, fatores que tornam cada indivíduo um ser irrepetível, único. De uma certa forma, os gêmeos univitelinos comprovam isso. Podem ser praticamente iguais fisicamente. Mas, guardam características psíquicas e espirituais que os diferenciam.
Um ser construído geneticamente igual a outro, parece, ou será mera máquina biológica, robô de carne e osso, (e, nesse caso, estará ausente o elemento espiritual), ou, acolhendo uma consciência, apontará para a comprovação da milenar crença na existência do espírito, como um dos elementos do universo, absolutamente insuscetível de clonagem. Em qualquer hipótese, estará fortalecida a tese espírita.
Parece-me que, à luz desses pressupostos, aos espíritas, diferentemente das religiões, não cabe temer a clonagem.