Artigo de Milton Medran Moreira - Agosto de 2001
Crise de
Identidade
A Igreja Católica no Brasil vive uma crise de identidade. Os
bispos deixaram muito claro isso na assembléia que acabaram de
fazer em Itaici. Constataram que a Igreja experimenta um momento
de crescimento por conta da chamada corrente carismática: aquela
do padre Marcelo, com seus ritos aeróbicos, cantos e danças em
louvor a Jesus, pela força do Espírito Santo.
As inovações foram, pouco a pouco, sendo aceitas pela cúpula
da Igreja exatamente diante do esvaziamento dos templos. Com
elas, que se aproximam das práticas das igrejas evangélicas
pentecostais, o catolicismo experimentou uma reação positiva.
Padre Marcelo, depois de apresentações seguidas nos programas
da Xuxa e do Faustão, agora já ganhou espaço próprio na Rede
Globo, com sua missa barulhenta acordando os fiéis nas manhãs
de domingo.
Contradições
Mas as missas dos carismáticos não resolvem o problema de
identidade da Igreja. Pelo contrário, aprofundam essa crise. Foi
o que revelou recente pesquisa encomendada pela CNBB - Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil, e que foi objeto de reportagem do
jornal Hoje, da Rede Globo, na edição de 13 de julho último. Há
mais gente indo à missa. Mas, em igual ou em maior medida, há
um divórcio entre os católicos e algumas importantes posições
oficiais da igreja.
A pesquisa feita a pedido da Igreja Católica, ouviu 5.200
pessoas de baixa renda das principais capitais: 68% desses
entrevistados se declararam católicos. Desses, só 44 % vão à
missa regularmente. Aí já começa a contradição. Para a
Igreja, a freqüência semanal ao culto do domingo é uma obrigação
do católico. Tão importante, que se o sujeito deixa de ir à
missa dominical e morre na segunda-feira, estará condenado ao
inferno (pelo menos, era assim no meu tempo de seminarista).
Mais: 73% dos católicos pesquisados são a favor do uso da
camisinha e dos anticoncepcionais, condenados pela Igreja. 59%
deles concordam com o divórcio, o que bate de frente com a
doutrina da Igreja.
Fiéis x Dogmas
A pergunta que os bispos se fazem diante dessa pesquisa é a
seguinte: essas pessoas, que se dizem católicas e que têm
procedimentos e posições tão diferentes dos da Igreja, ainda
podem se declarar católicas? Dom Aloísio Lorscheider, arcebispo
de Aparecida, ouvido pela reportagem, diz que, mesmo se
modernizando, há princípios dos quais a Igreja não pode abrir
mão, como é o caso do aborto, rejeitado oficialmente mas aceito
e praticado por pessoas que seguem se afirmando católicas.
Ser ou não ser, eis a questão. Na verdade, apesar do
questionamento, a Igreja, que não quer perder fiéis para as
correntes protestantes, tem, na prática, passado por cima dessas
questões. Interessa-lhe, mais que outra coisa, exibir imagens
das milhares de pessoas que, no Natal, comparecem em praça
pública para assistir à missa do Pe.Marcelo ou caem de joelhos,
extasiadas, diante da presença do Papa. Essas multidões são a
garantia da preservação do poder mítico do qual as religiões
não querem se apartar e pelo qual brigam entre si.
Identidade Espírita
Mas, na medida em que as religiões se utilizam de idênticos
procedimentos de marketing, copiando-os umas das outras,
aprofundam essa crise de identidade e expõem as dramáticas
contradições existentes entre seus dogmas e o que pensam os
seus fiéis ( já não tão fiéis, assim).
Dias atrás, caiu no meu correio eletrônico, enviada não me
lembro por quem, notícia de que no movimento espírita está
surgindo uma outra corrente que já estão chamando de pentecostalismo
espírita. São reuniões espíritas,
comandadas por eufóricos pregadores-animadores que concitam os
ouvintes a repetir muitas vezes o nome de Jesus, num clima bem
parecido com o dos evangélicos e carismáticos, que, tanto
quanto os espíritas-cristãos, sonham com o resgate das práticas
do cristianismo primitivo. Necessariamente isso tinha que chegar
ao movimento espírita que, assim, dá sua colaboração à
consolidação de um grande movimento sincrético, cujo principal
e mais grave efeito é o de nos distanciar da conquista de uma
verdadeira identidade espírita.