Artigo de Milton Medran Moreira - Abril de 2001

Opinião em Tópicos

Migrações Religiosas

Um dos argumentos que sempre utilizei em eventuais debates com padres e pastores, no rádio ou na televisão, para demonstrar o crescimento do Espiritismo e seu potencial como a proposta espiritualista mais viável da contemporaneidade, foi de que, em sua maciça maioria, os espíritas são ex-católicos ou ex-evangélicos que, a partir de determinado momento, migraram para o Espiritismo, por verem ali respostas mais positivas a seus questionamentos de natureza espiritual. Muitas vezes usei o argumento de que a situação inversa (espíritas que se tornaram católicos ou protestantes) era raríssima, praticamente inexistente. Hoje, honestamente, não sei se ainda posso me valer desse último argumento. Tenho tomado conhecimento de inúmeros casos, ultimamente, de “espíritas” que migraram, de repente, para as religiões evangélicas, notadamente as pentecostais e neo-pentecostais, atraídos por esse fabuloso mercado de ofertas de serviços que tais religiões vêm promovendo entre nós. 

Evangélicos Enrustidos

Não tenho nenhuma preocupação com esse tipo de “perda”. Grafei o adjetivo “espíritas”, ali em cima, entre aspas, porque, na verdade, penso que alguém que já se declarou espírita e que resolveu, lá pelas tantas, aderir a uma igreja evangélica, na verdade nunca conheceu adequadamente o Espiritismo. Terá sido sempre um “evangélico enrustido”, que permaneceu na casa espírita enquanto esta lhe pareceu a proposta mágico-mística mais eficiente para lhe propiciar as “graças” e “bênçãos” que buscava. No momento em que toma conhecimento de religiões mais eficientes, aquelas que, no dizer do sociólogo paulista Antônio Flávio Pierucci (Folha de S.Paulo, Caderno “Mais”,31.12.00) se mostram capazes de oferecer “experiências religiosas”(o êxtase, o transe, o júbilo, o choro, o alívio, enfim a emoção) mais satisfatórias e terapeuticamente mais eficazes (levando à prosperidade econômica), é natural que para lá se dirijam. Durkheim escreveu, com muita propriedade, que todas as religiões “respondem de formas diferentes, a condições dadas da existência humana”, ou seja, cada um tem a religião que merece e de que precisa.

Mercado Religioso

Preocupa-me, sim, o tipo de “espiritismo” a que estiveram vinculadas, nas casas ou grupos dos quais essas pessoas migraram para os cultos evangélicos. Porque, ao que sei, esse tipo de conversão tem atingido não apenas eventuais freqüentadores de casas espíritas, mas também pessoas que foram criadas dentro delas, algumas com larga tradição familiar no movimento espírita. O que pode levar a isso senão uma distorcida concepção de Espiritismo, cultivada longamente, por toda uma vida, e transmitida de pai para filho, de dirigentes para dirigidos? Onde se divulga um “espiritismo salvacionista”, religioso, místico, capaz de prodígios, graças e benesses, se está, na verdade, operando na mesma faixa que Pierucci chama de “mercado religioso”, ao qual se entregaram as tantas “agências de salvação” que proliferam nas cidades e seus subúrbios e que se constituem num dos mais importantes fenômenos sociológicos de nossos dias.

Liberdade da Religião

A secularização do Estado e da sociedade mais politizada, a partir do advento da República, em fins do século XIX, acabou com o monopólio da fé, tristemente exercido pelo catolicismo por longo tempo. A liberdade religiosa, no entanto, gerou esse outro monstro que é o mercado da fé que, neste momento, já conquistou e se utiliza dos melhores recursos de marketing, capazes de atrair incautos e fazendo a fortuna de seus agentes.
Krishnamurti de Carvalho Dias, que nos deixou recentemente, distinguia a “liberdade de religião” da “liberdade da religião”. Sustentava, brilhantemente, que o Espiritismo é uma lúcida proposta capaz de nos libertar “da” religião. Com efeito, a gênese das idéias espíritas situa-o muito melhor no terreno do humanismo livre-pensador, que rompeu com a religião, do que no conturbado campo das disputas da fé e de suas pretensas fórmulas salvacionistas. Quem assimilar o Espiritismo como um pensamento filosófico verdadeiramente libertador, como propôs Kardec, nunca trocará de religião, porque dela terá se libertado definitivamente.