Artigo de Eugênio Lara - Novembro de 2001

O Nome e a Função

CEPA é um belo nome. Traz embutido um marketing natural. Palavra com sonoridade e um significado especial para o que se propõe. Cepa é o tronco da videira, cuja fruta, a uva, produz uma das bebidas mais antigas e apreciadas de todos os tempos, o vinho. 
O desenho de uma cepa, com a uva, aparece no frontispício de O Livro dos Espíritos, um clichê que reproduz o desenho feito pelos próprios Espíritos, em Prolegômenos, prólogo por eles assinado: Santo Agostinho, O Espírito de Verdade, Sócrates, Platão, Fénelon, dentre outros. “Porás no cabeçalho do livro a cepa que te desenhamos, porque é o emblema do trabalho do Criador. Aí se acham reunidos todos os princípios materiais que melhor podem representar o corpo e o espírito. O corpo é a cepa; o espírito é o licor; a alma ou espírito ligado à matéria é o bago. O homem quintessencia o espírito pelo trabalho e tu sabes que só mediante o trabalho do corpo o Espírito adquire conhecimentos.” 
A cepa é o único símbolo no Espiritismo. Não há outro, o resto é invenção dos espíritas. E não se trata de um símbolo esotérico, com significações ocultas. É mais uma logomarca, um logotipo, um signo a representar o conteúdo filosófico e científico do Espiritismo. CEPA quer dizer Confederação Espírita Pan-Americana, uma entidade federativa e organizacional, a mais kardecista de todas as que foram criadas no século 20. Feliz idéia a de seus fundadores ao juntarem as letras iniciais, numa abreviatura, numa sigla que convence, tanto no conteúdo como na forma.
Pois é justamente a forma, tão agradável, que vem sendo debatida pelos participantes da CEPA. A palavra confederação contempla a práxis que a entidade deve ter em relação ao Espiritismo e aos espíritas? Sua atuação deve depender da filiação de federações nacionais? O fato de ser pan-americana não limita a sua atuação para além do continente latino-americano?
São questões pertinentes que surgem em um momento delicado, onde a reação do movimento espírita unificado, notadamente no Brasil, tem sido extremamente hostil à penetração da Confederação no País. Valeria a pena competir com o Conselho Espírita Internacional, entidade criada sob inspiração da Federação Espírita Brasileira (FEB) e que desconhece a existência da CEPA? Será que na geopolítica espírita-cristã haveria espaço para uma entidade como a Confederação?
Difícil definir um caminho mais adequado quanto a uma nova denominação de uma entidade que, aliás, é de boa cepa. O conteúdo vem sendo construído desde que foi fundada conforme os parâmetros kardequianos, ainda que em alguns momentos tenha havido algumas concessões em termos doutrinários e administrativos. Não é demais nem deselegante lembrar que o médium baiano Divaldo Pereira Franco ocupou por algumas gestões o cargo de vice-presidente da CEPA. Nada contra o distinto, mas é notório que ele não se identifica nem um pouco com os ideais da Confederação, ao contrário, trabalha contra e representa o segmento majoritário do Espiritismo brasileiro, marcado pelo religiosismo e a intolerância. E é justamente essa mesma intolerância que define a postura hidrófoba de algumas federativas, notadamente a do Paraná, com relação à CEPA.
A fim de contribuir para esse debate interessante, lembremos de dois fatos.
O CIMA é hoje um dos movimentos doutrinários mais fecundos e interessantes. Sob a liderança do ex-presidente da CEPA, Jon Aizpúrua, o CIMA adquiriu um status de entidade eminentemente kardecista. Mas o significado de seu nome tornou-se, com o tempo, inadequado: Centro de Investigações Metapsíquicas e Afins. Assim como a CEPA, a sigla CIMA, de domínio público e de interessante sonoridade, não poderia ser excluída. Partiu-se então para um consenso formal. A sigla foi mantida, acrescida de palavras que conceituam, a primeira vista, o conteúdo da entidade. CIMA-Movimento Cultural Espírita, foi a saída adotada pelos espíritas venezuelanos. Talvez pudesse ser adotado o mesmo critério em relação à Confederação: CEPA-Movimento Cultural Kardecista. Está aí uma sugestão a ser apreciada.
Um outro fato a ser lembrado é a trajetória da Liga Espírita do Brasil, fundada em 1926 com o objetivo de coordenar o Congresso Constituinte Espírita Nacional. Essa federativa surgiu de modo legítimo, a partir das bases do movimento espírita brasileiro e esteve presente em quase todos os movimentos culturais e doutrinários. Incomodou a Federação Espírita Brasileira até o Pacto Áureo, em 1949, quando teve de abrir mão de sua atuação federativa. Em 1976, com a extinção do Estado da Guanabara e consequente fusão ao Rio de Janeiro, a Liga praticamente deixa de existir até se transformar na União das Sociedades Espíritas do Estado do Rio de Janeiro (Useerj).
A partir do momento em que a Liga Espírita do Brasil perdeu sua função primordial de federar o movimento espírita brasileiro, ela praticamente se esvaziou. Isso também pode acontecer com a CEPA, caso deixe de lado suas funções confederativas. Um movimento cultural kardecista, com pretensões confederativas, funcionando nos moldes de uma ONG (organização não-governamental) talvez seja a melhor saída.