Artigo de Roberto Rufo - Dezembro de 2001

Os Espíritas têm Mentalidade Científica ?

A ciência é um conhecimento que inclui, em qualquer forma ou medida, uma garantia da própria validade. A limitação expressa pelas palavras “em qualquer forma ou medida” passou a ser incluída para tornar a definição aplicável à ciência moderna, que não tem pretensões de ser absoluta.
Isso por que o conceito tradicional de ciência inclui uma garantia absoluta de validade e é, portanto, como conhecimento, o grau máximo da certeza.
O oposto da ciência, a opinião, é caracterizada justamente pela falta de garantia acerca da sua validade. As diferentes concepções da ciência podem-se distinguir conforme a garantia de validade que se lhe reconhece (1).
Essa garantia pode consistir 
1. Na demonstração;
2. Na descrição;
3. Na corrigibilidade.
1. Na Demonstração – É a doutrina segundo a qual a ciência provê a garantia da própria validade demonstrando as suas afirmações, isto é, coligando-as em um sistema ou em um organismo unitário no qual cada uma delas seja necessária e nenhuma possa ser retirada, anexada ou mudada. É o ideal clássico da ciência.
Obs.1 – A mais perfeita realização desse ideal da ciência foram os “Elementos de Euclides” (século 3 a.C.). Essa obra, que quis realizar a matemática como ciência perfeitamente dedutiva, sem nenhum apelo à experiência ou à indução, permaneceu por muitos séculos (e sob certos aspectos permanece até hoje) como o próprio modelo da ciência.
Obs.2 – Descartes queria organizar todo o saber humano sobre o modelo da aritmética e da geometria: as únicas ciências que ele reconhecia “desprovidas de falsidade e de incerteza” porque fundadas inteiramente na dedução.
Obs.3 – As ciências naturais se afastaram desse ideal da ciência como um sistema e começaram a polemizar contra o “espírito de sistema”.
2. Na Descrição – A concepção descritiva da ciência se formou a partir de Bacon, Newton e dos filósofos iluministas.
Newton contrapunha ao conceito usual de ciência o método da análise.
A análise consiste em fazer experimentos e observações, em tirar conclusões gerais destes por meio da indução e em não admitir, contra as conclusões, objeções que não sejam derivadas dos experimentos ou de outras verdades seguras. A título de definição, mostramos a seguir os conceitos da dedução e da indução:
Dedução (A): É a relação pela qual uma conclusão deriva de uma ou mais premissas (silogismo).
(A) Silogismo dedutivo: “todos os homens são animais, todos os animais são mortais, portanto, todos os homens são mortais”; o termo médio (animal) constitui a substância ou razão de ser da conexão necessária entre os dois extremos : os homens são mortais porque são substancialmente animais.
Indução (B): é o procedimento que dos particulares leva ao universal.
(B) No raciocínio indutivo: “o homem, o cavalo e o burro são animais longevos; o homem, o cavalo e o burro são animais sem pena, portanto os animais sem pena são longevos”; o termo médio (o ser sem pena) aparece na conclusão: o que significa que ele não é um porquê substancial, mas um simples fato.
A indução, portanto, carece de valor necessário ou demonstrativo: o seu âmbito de validade permanece aquele do fato, isto é, da totalidade dos casos em que foi efetivamente constatada válida.
A ciência reduz-se, assim, à observação dos fatos. O positivismo apelava para o mesmo conceito de ciência. Mas não é uma mera reprodução fotográfica dos objetos, o que se quer é descrever todas as relações e os diferentes modos de relação dos elementos entre si. E por elementos, segundo a ciência descritiva, estão as coisas como a consciência. As relações entre os elementos tornam-se objeto de indagação. As relações são apenas outro nome para leis, já que a lei não é senão a expressão de uma relação.
3. Na Corrigibilidade – Uma terceira concepção é a que reconhece como única garantia da validade da ciência a sua autocorrigibilidade. Essa concepção ainda não alcançou os desenvolvimentos assumidos pelas duas concepções precedentes.
Essa concepção abandona toda a pretensão à garantia absoluta. Segundo Karl Popper, na “Lógica da Pesquisa”, o instrumental da ciência se volta não para a verificação, mas para a falsificação das proposições científicas.
“O nosso método de pesquisa, dizia ele, não é destinado a defender as nossas antecipações para provar que temos razão, mas, ao contrário, é destinado a destruí-las.”
“O velho ideal científico do conhecimento absolutamente certo revelou-se um ídolo. A noção da autocorrigibilidade permite uma análise menos preconceituosa dos fatos.”
O Espiritismo participa tanto da segunda como da terceira concepção do que é ciência. O que Kardec refuta e reclama é que a ciência altere seu ponto de vista para os fenômenos do espírito.
Na Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita, item VII – A Ciência e o Espiritismo, Kardec diz que a “oposição das corporações científicas é, para muita gente, senão uma prova pelo menos uma forte presunção contrária”. Outros comentários:
- Temos os sábios em grande estima e ficaríamos muito honrados se fôssemos contados entre eles.
- Quando a ciência sai da observação material dos fatos e trata de apreciá-los e explicá-los, abre-se para os cientistas o campo das conjecturas: cada um constrói o seu sistema, que deseja fazer prevalecer e sustenta encarniçadamente.
- Os fatos, eis o verdadeiro critério dos nossos julgamentos, o argumento sem réplica. Na ausência dos fatos, a dúvida é a opinião do homem prudente.
- Direi mesmo que o sábio terá, talvez, mais preconceitos que qualquer outro, pois uma propensão natural o leva a subordinar tudo ao ponto de vista de sua especialidade.
- As ciências comuns se apóiam nas propriedades da matéria, que podem ser experimentadas e manipuladas à vontade; os fenômenos espíritas se apóiam na ação de inteligências que têm vontade própria e nos provam a todo instante não estarem submetidas ao nosso capricho.
- A ciência propriamente dita, como ciência, é incompetente para se pronunciar sobre a questão do Espiritismo: não lhe cabe ocupar-se do assunto, e seu pronunciamento a respeito, qualquer que seja, favorável ou não, nenhum peso teria.
- O Espiritismo repousa inteiramente sobre a existência da alma e o seu estado após a morte. Quando as crenças espíritas estiverem vulgarizadas, quando forem aceitas pelas massas os sábios as aceitarão pela força das circunstâncias.
- Se os fatos de que nos ocupamos estivessem reduzidos ao movimento mecânico dos corpos, a pesquisa da causa física do fenômeno seria do domínio da ciência; mas desde que se trata de uma manifestação fora do domínio das leis humanas, escapa à competência da ciência material porque não pode ser explicada por números, nem por forças mecânicas.
Já no item III da Introdução (A Doutrina e seus Contraditores), Kardec faz as seguintes ponderações:
- Dirigimo-nos às pessoas de boa fé, sem idéias preconcebidas ou posições firmadas, mas sinceramente desejosas de se instruírem, e lhes demonstraremos que a maior parte das objeções que fazem à Doutrina provém de uma observação incompleta dos fatos e de um julgamento formado com muita ligeireza e precipitação.
- O primeiro fato observado foi o movimento de objetos. Esse fenômeno observado primeiramente na América propagou-se rapidamente pela Europa.
- Alguns sábios bastante modestos para aceitarem que a Natureza poderia não lhes ter dito a última palavra, quiseram ver para tranqüilidade de consciência. Mas aconteceu que o fenômeno nem sempre correspondeu a sua expectativa, e por não se ter produzido constantemente, a sua vontade e segundo a sua maneira de experimentação, concluíram eles pela negativa. Ora, para conhecer essas leis é necessário estudar as circunstâncias em que os fatos se produzem e esse estudo não pode ser feito sem uma observação perseverante, atenta, e por vezes bastante prolongada. 
Kardec era um homem com mentalidade científica. Temos essa mentalidade? 
Afastar-se dos pensamentos mágicos, esotéricos, sem fundamentos lógicos é ir tornando-se verdadeiramente espírita, sem com isso perder a sensibilidade e a capacidade de se emocionar.

(1) Dicionário de Filosofia - Nicola Abagnano.

Roberto Rufo é bacharel em filosofia, vice-presidente do Instituto Cultural Kardecista de Santos e colaborador do Abertura.