Artigo de Egydio Régis - Setembro de 2001
Luciano Costa
Quem
foi Luciano Costa? Infelizmente, não temos dados a respeito
desse admirável escritor espírita. Autor de um dos mais
importantes trabalhos de crítica aos Quatro Evangelhos de J.B.
Roustaing, na década de 40, teve seu livro Kardec e não
Roustaing reeditado nos anos 70, por iniciativa de
Herculano Pires, segundo ele nos confidenciou em um encontro em
sua casa, nessa época. Lamentavelmente, a editora Edicel-
não registrou uma linha sequer da biografia de Luciano, fato que
o deslustra e não faz justiça a uma obra dessa importância.
Outros autores como Júlio Abreu Filho, Herculano Pires, Wilson
Garcia, que trataram do mesmo tema, preocuparam-se em suas
análises, mais com o corpo fluídico, carro chefe de Roustaing,
enquanto Luciano foi mais fundo. Estudando ponto a ponto a
maçante obra, ele descobriu que os próprios comunicantes se
auto-condenaram em tantas incoerências. Transcrevemos, como
exemplo, o trecho abaixo, extraído das páginas 267 e 268, do
referido livro: 468 ( referente ao terceiro volume de Os
Quatro Evangelhos) Esta revelação, que podeis
intitular de- Revelação da Revelação- e que, repetimos,
mostra aos homens todos os fatos evangélicos numa harmonia
luminosa, no primeiro momento encontrará grande oposição.
Porém, quanto mais os espíritos sérios estudarem a questão,
tanto mais compreenderão a sua razão de ser e verão que fora
dela, nada pode ser, nem é admissível (grifo nosso) Não
são nada modestos, como acabamos de verificar, os nossos
cândidos irmãos reveladores, que, sem disso fazerem nenhuma
cerimônia, dão à sua obra um caráter absoluto de
infalibilidade, afirmando de modo dogmático que nada pode ser ,
e nem admissível, fora de sua revelação, que por isso deverá
ser aceita como sendo a revelação da revelação.
Até parece (continua Luciano) pela forma prepotente do
que sinceramente, não duvidamos uma ultra-revelação
jesuítica, com todos os seus sacramentos. ...Antes de nos
estendermos a novos comentários, passemos a estudar o que se diz
em outro lugar com referência a essa revelação, para
verificarmos se, realmente, essa Revelação da
Revelação é uma obra com os qualificativos apresentados
pelos ensinos que acabamos de citar.
Sob as assinaturas de Moisés, Matheus, Marcos, Lucas e João e
sob a assistência de todos os apóstolos, ensina a página 10,
do quarto volume:
10- Fica sabendo e faze saber a teus irmãos que a obra que
lhes colocas sob as vistas é uma obra preparatória, ainda
incompleta, (negrito nosso), uma entrada na matéria; que não
passa de um prefácio do que sairá das mãos daqueles que o
Mestre enviará para esclarecer as inteligências e despojar
inteiramente da letra o espírito. Aquele que há de senvolvê-la
e cuja obra será preparatória, não tardará a se dar a
conhecer, porquanto a atual geração humana verá os seus
primeiros ensaios messiânicos.
Há, como se vê, ( conclui Luciano) completa harmonia entre os
ensinos anteriores e estes que acabamos de transcrever, porque
ambos se desdizendo e ambos se aniquilando, acabam se
desmaterializando e se infalibilizando, como duas quantidades
negativas nada e zero. E como zero é igual em valor a
nada, daí a harmonia perfeita entre esses ensinos, pela
igualdade perfeita e absoluta dos seus valores.
Na verdade Luciano, Costa foi dos primeiros a provar que a
questão do corpo fluídico na obra de Roustaing é mero
boi de piranha, para possibilitar a passagem do resto
do rebanho, isto é, as verdadeiras intenções dos
reveladores: fazer do Espiritismo uma caricatura de
igreja, baseado em idéias esdrúxulas e incoerentes com seus
próprios princípios. O objetivo, está claro, era confundir,
distorcer e desacreditar a Doutrina.
Interessantes também são suas críticas aos formadores de
opinião espíritas, o que marca a sua posição corajosa em
defesa da Doutrina, já naquela época:
Nos capítulos anteriores (da mesma obra citada) procuramos
demonstrar a ascendência da doutrina espírita sobre a cristã,
e a esse mesmo assunto tornaremos, mormente por se tratar de uma
questão que reputamos seríssima e que por isso precisa ficar
bem esclarecida.
Comecemos, portanto, estes outros comentários e que são, como
já dissemos, um melhor esclarecimento à questão já iniciada,
criticando a maneira indevida, de que alguns dos nossos confrades
se servem, quando se referem ao Espiritismo...
Em artigos, discursos e preces não raro é ler-se é ouvir-se:
A doutrina de Jesus, em se referindo à doutrina dos
Espíritos.
Temos lido, constantemente, artigos e crônicas de fonte
espírita, mas que, bem pensado, até parecem ser de autores
protestantes e católicos, por coisa nenhuma se encontrar nesses
escritos de moral espírita, e tudo neles estar impregnado pelo
espírito do Cristianismo, como se só cristã fosse a Doutrina
Espírita... Não observam os espiritistas que o mesmo que nos
está acontecendo, deu-se na era cristã, em que o espírito da
época, por estar afeito ao velho testamento, não se conformava
com a superioridade dos ensinos de Jesus, embora essa
superioridade moral existisse em todos os pontos....O mesmo,
infelizmente, vem se verificando em nossos tempos, porque alguns
espiritistas, embora vivendo em época de muito maior progresso,
em pleno advento do espírito, fazendo côro com padres e
pastores, querem violentar as consciências, que nascem para a
luz, amoldando o Espiritismo dentro de um sistema religioso de
vinte séculos atrás.... O fato de reconhecermos a superioridade
da moral espírita sobre a cristã, superioridade que vimos
procurando demonstrar, não é que desmerece o nosso amor e o
nosso respeito a Jesus, desde que esse amor e esse respeito
continuam intactos, mesmo depois deste nosso julgamento.
Espírita lúcido, combativo, pelo que se depreende de sua pena
corajosa, Luciano Costa não contemporizou com os erros de seus
companheiros e muito menos com o império da FEB. Talvez por isso
tenha sido marginalizado no meio espírita, embora ele mesmo
informa ter viajado pelo Brasil levando a todos os cantos a sua
palavra esclarecedora. Deve ter sido injuriado por muitos
religiosos febianos, do mesmo modo como somos
tratados hoje pela bandeira da atualização.
Mas, voltemos aos trechos do livro, que saboreamos pela sua
autenticidade e descortinamento: É dessa religiosidade que
procuramos nos lbertar, estudando, investigando e pensando sobre
a razão de ser de todas as coisas, para que a nossa mente não
se deixe ficar paralisada, ante a letra que mata, e prossiga ,
confiante, no espírito que vivifica...
Tomando-se, portanto, por paradigma as épocas em que se deram as
revelações cristã e espírita, e confrontando-se o progresso
de uma e outra humanidade, nessas mesmas épocas, fácil nos
será reconhecer que, pela desigualdade entre elas, o embaixador
de Deus no século dezenove não podia ser um missionário
inferior ao da Palestina.
Jesus, não negamos, deve ser o mestre de Allan Kardec, deve ser
o orientador do movimento espírita; mas um Jesus outro, um
Jesus, que não ficou sepultado vinte séculos e que veio sempre
progredindo, em cumprimento da Lei de Deus.
Amarmos, porém, a um Jesus estacionado dentro de sua doutrina, a
um Jesus imobilizado dentro de seus evangelhos como fazem os
nossos irmãos cristãos, é simplesmente insuportável, por
importar na negação do progresso espiritual do próprio
Jesus. (pág.254 )
E mais: Não insistamos, portanto, no erro de conduzir
espíritos, almas que já procuram a luz, pelos atalhos estreitos
da religião cristã, quando deverá ser pela estrada larga do
Espiritismo que todos os homens terão que passar.
Assim, não procuremos estacionar o Espiritismo, com nossos
embargos religiosos, com heranças funestas de nossas
existências passadas, quando sem o conhecimento da lei das vidas
sucessivas, esperavam na fé a salvação apenas de poucos.
O Espiritismo, por ser uma filosofia progressiva, que tem por
diretriz acompanhar e orientar o progresso da humanidade, em que
veio, não pode ser amoldado aos ensinos morais das revelações
anteriores, desde que se reconhece que, também nessas épocas,
os homens não comportavam os seus ensinos.
Adaptar o Espiritismo a essa moral antiga, a essas revelações
apropriadas ao progresso das épocas em que vieram, importa em
querer fazê-lo retroceder e, com ele, também a humanidade para
qual o Espiritismo veio. (págs. 266 e267)
Cremos que com estas transcrições conseguimos fazer justiça a
um homem que, desconhecido dos espíritas de hoje, foi um
precursor dos que lutam por um Espiritismo escoimado dos corpos
estranhos de origem religioso-roustainguista.
Egydio Regis é membro do Centro de Pesquisa e Documentação
Espírita (CPDoc) e colaborador do Abertura.