Artigo de Osvaldo Iório - Junho de 2001

Laicos ou Anti-Clericais ?

Recebo periodicamente em minha residência os jornais Abertura e Opinião, ambos editados por instituições ligadas a Confederação Espírita Pan-Americana (CEPA), entidade que tenho profunda simpatia e ambos os jornais de grande qualidade.
O que me deixa preocupado é perceber, pelo menos em alguns companheiros de ideal, uma certa confusão entre o sentido laico do Espiritismo e um certo anti-clericalismo, profundamente anti-religioso e preconceituoso. Claro que os adversários do Espiritismo laico vão usar esses elementos de preconceito para isolar o setor mais progressista da doutrina espírita fundada pelo Prof. Rivail, gerando medo e desconfiança em todos os espíritas sinceros no Brasil e no mundo. É comum ouvirmos espíritas temerem os chamados “laicos” porque eles “são contra as religiões”, “zombam da fé em Jesus” etc.
Não sou dono do Espiritismo e nem representante de ninguém. Além disso, a CEPA nunca me deu credencial de delegado ou seu advogado, mas, creio que se faz urgente um clara distinção: defender um Espiritismo nos moldes kardequianos, ou seja, um Espiritismo laico, livre-pensador e progressista não é ser anti-religioso e nem debochar da fé religiosa de cada um. Esse procedimento nada têm de kardecista e não deve ser confundido com o Espiritismo progressista defendido pela CEPA no Brasil e no mundo. Pelo menos, o que eu li até hoje da CEPA e das correspondências com Jon Aizpúrua entre outros, fornece-me convicção que a CEPA respeita profundamente as crenças religiosas de cada um, tanto que, Divaldo Pereira Franco, um espírita-cristão, já ocupou cargos diretivos na mesma Confederação. Eu temo que alguns companheiros desavisados, sem maldade, estejam contribuindo para tais inconvenientes.
A verdadeira postura do kardecismo é de profundo respeito pela fé religiosa de cada um, pelo misticismo sadio que todos nós alimentamos diante de Deus e da beleza da Vida. Jamais um kardecista irá zombar, tripudiar ou ver como algo menor e inferior a fé de uma pessoa, suas crenças religiosas.
Como nos narra em “O que é o Espiritismo?”, o Prof. Rivail (Allan Kardec) convivia nas sociedades espíritas do século 19 com crentes variados: “católicos fervorosos” (palavras de Kardec), protestantes variados, judeus, muçulmanos “e até budistas e bramanistas”. Ora... O Prof. Rivail não expulsou ninguém da sociedade espírita por causa de suas convicções religiosas particulares e nem debochava de nenhuma delas (creio mesmo numa influência maçônica nesse sentido), conviveu com todos num clima de respeito, pesquisa, fraternidade e autêntico ecumenismo. O respeito de Kardec pelos religiosos era tanto que no livro “Viagem Espírita” ele recomenda não fazer preces na abertura das sessões da sociedade espírita para evitar melindrar religiosos de variadas crenças, pois, se fizesse uma abertura com o “Pai Nosso” (prece cristã) poderia constranger o budista ou abrir margem para que na próxima sessão a prece fosse budista, o que causaria confusão já que o Espiritismo é laico. Por que então alguns kardecistas de hoje desprezariam as crenças religiosas de cada um?
Em “O Espiritismo Em Sua Mais Simples Expressão”, o Prof. Rivail reafirma o caráter ecumênico e universalista do Espiritismo nascente pedindo que homens e mulheres “de todas as castas, de todas as seitas, de todas as cores” dessem as mãos, porque somos todos irmãos pela filiação divina, “seja qual for a vossa maneira de adorá-lo”.
Entendemos assim que, de acordo com a visão kardecista, católicos, evangélicos, budistas, judeus, ramatisianos, roustenistas, etc. somos todos irmãos e irmãs, filhos e filhas de um mesmo Deus, pai e mãe de toda a criação. Lançar críticas duras, deboches, fazer pouco da fé alheia, é “a violação da Lei de Caridade” que Jesus, Kardec, Buda e tantos outros pregaram sobre a face da Terra.
Ao terminar estas linhas, devo dizer que não me sinto obrigado a abandonar determinadas crenças e vivências religiosas/místicas por causa do Espiritismo. O Prof. Rivail nunca entendeu assim a nova ciência e nunca exigiu que nenhum espírita de sua época abandonasse sua igreja, sinagoga ou loja teosófica para seguir exclusivamente o Espiritismo, como se esse fosse uma religião a exigir fidelidade. O Prof. Rivail apenas sinalizava para a importância de não misturarmos as coisas: vivência religiosa se dá no campo pessoal; as reuniões/sociedades espíritas devem ter um caráter laico. Em outras palavras, um judeu não precisa deixar de freqüentar a sua sinagoga e participar dos seus rituais, se isso for importante na sua mística pessoal, para abraçar o Espiritismo. Ele só deve ter cuidado e o bom-senso de não querer transformar o Espiritismo numa seita judaica. Esse era, no meu entendimento, o verdadeiro sentido laico do Espiritismo de Allan Kardec.
Márcio Sales Saraiva (por e-mail)
Querido Marcio
Concordo com tudo o que vc disse...porem embora possa dar as mãos aos espiritas mais catolicos ou mais evangelicos segundo os moldes do dogmatismo que contruiu essas religiões, devemos e temos que ser claros em nossas posições.
Caso contrario Marcio daqui alguns anos a CEPA por pressões vindas de seus filiados venha praticar algo que esteja em concordancia com doutrinas alienigenas e sem que todos percebam acabam adentrando em caminhos dos quais não conseguem mais sair....como é o caso da FEB e da USE , desta forma continuo com o meu pensamento no sentido de acusar qualquer desvio fora Kardec.
Atualizá-lo sim, mas com cuidado e responsabilidade, aceitar passivamente esse igrejismo apoiado atualmente pela FEB e pelo Divaldo é jogar o Espiritismo na vala comum das religiões. Aceitar como companheiro de viagem sim, qualquer um, mas concordar ou calar diante de seus atos e pregações é contribuir para que se desvie da rota proposta.

Oswaldo Iório é participante do movimento espírita de Ribeirão Preto-SP.