Artigo de Ademar Arthur Chioro dos Reis - Janeiro / Fevereiro de 2001
Acabo de receber a notícia do desencarne de
Krishnamurti de Carvalho Dias. Não consigo deixar de expressar,
neste momento, a admiração e o carinho que nutro por este
companheiro de ideal espírita, lamentando a falta que sua
presença física fará entre nós.
Krishna é (ele nunca admitiria que se conjugasse esse verbo no
passado) um espírito fantástico, absolutamente apaixonado pelo
conhecimento e pela verdade, um dos maiores estudiosos e
conhecedores da kardequiana (como ele bem gostava ou gosta
de denominar a obra do professor Rivail), um auto-didata,
sábio, sonhador, encantado com projetos tão fantásticos e
enormes como o tamanho de seu coração.
Lembro-me de nossas aventuras em Petrópolis-RJ, em 1983, quando
ainda muito jovem (eu fazia faculdade de Medicina) me envolvi com
o movimento de mocidades carioca.
E logo assumindo a liderança do movimento, fruto da experiência
adquirida na MEEV (mocidade do CE Allan Kardec, de Santos) COMETI
O DESATINO de levar o Krishna para um domingo inteiro de
atividades na União Municipal Espírita de Petrópolis.
Ele chegou um dia antes (deve ter demorado umas 10 horas para
subir a serra), com a sua ximbica, um fusca todo remendado
sessenta e qualquer coisa, caindo aos pedaços,
carregado com os mais diversos equipamentos. E acreditem, ele
conseguiu sair de dentro do carro.
Krishna, na primeira parte da atividade, aberta ao público não
espírita, arrasou com sua super-hiper-tecnologia
(seus projetos denominados CINESP, TEVESP e DATAESP), passando
filmes em super 8 mostrando as comunicações mediúnicas por
equipamentos, tempos depois chamadas TCI (isso em 1983),
pesquisas internacionais, depoimentos de cientistas,
materializações de espíritos etc. Um material fantástico.
De repente, passou para uma nova etapa, cantando canções de
Chico Buarque e outros compositores da MPB e a cada verso da
música (Roda Viva foi um sucesso...) procurava demonstrar os
conceitos espíritas presentes na arte contemporânea e como a
filosofia espírita poderia contribuir para a formação de uma
nova sociedade. Ele acreditava que esse era um método
fantástico de difundir o Espiritismo. E fez o maior sucesso.
Mas foi quando, no período seguinte de trabalho, após o almoço
e só com o público espírita, ele dividiu os presentes em
grupos para ler e discutir um texto da Revista Espírita, de
dezembro de 1868, escrito por Allan Kardec, intitulado É o
Espiritismo uma religião? é que a coisa pegou.
Quando teve início o debate, transcorrido logo após a leitura
que deixou a maioria estupefata com o conteúdo do texto, foi com
seu raciocínio brilhante e sua fala tranquila, carioca,
competente, articulada, capaz de dissecar cada uma das palavras e
seus significados, rebatendo uma a uma as críticas de todos
aqueles que estavam atordoados com a súbita revelação
encontrada na obra de Kardec.
Ganhou a simpatia da maioria (principalmente os jovens), até o
momento em que a dona da União Municipal, uma jovem
e afetada senhora, abalada com aquela situação, fez um discurso
choroso, melodramático, teatral, em evangeliquês,
citando sem parar Bezerra e Joanna de Ângelis, e acabou
fraternalmente expulsando o Krishna e eu do centro
onde era realizada a atividade e, acreditem, jogando na rua todos
os trambolhos do meu amigo que, sentado numa mureta, a porta da
instituição, balançava negativamente a cabeça mas com um
sorriso que teimava permanecer em seu rosto. E me dizia:
há séculos atrás eles teriam nos jogado na fogueira...
eles teriam feito churrasquinho da gente....
Como conseqüência desta aventura fomos proibidos, a partir
deste evento, de participar de qualquer atividade do movimento de
unificação no Estado do Rio de Janeiro. Devo ao Sr. Oswaldo
Pizzi e sua adorável esposa, dirigentes da U.E. Allan Kardec,
daquela cidade, pequeno grupo localizado em frente a minha
faculdade, o acolhimento clandestino por quase três anos.
Em 1985, através da Licespe (ainda Dicesp na época), era
publicado seu livro O Laço e o Culto, um divisor de águas no
movimento espírita brasileiro, mas que determinou o definitivo
banimento nacional de Krishna.
Tenho uma grande satisfação de poder contar esses fatos, muito
simples e tristes, mas pitorescos. Mas que me permitem dizer que
tive a honra de ter conhecido, convivido e mais do que isso, de
ter sido influenciado intelectual e doutrinariamente (aliás,
diga-se de passagem, eu e toda uma geração) por um pensador
espírita do quilate de Krishnamurti de Carvalho Dias.
E de ter estado com ele, após muitos anos, em Porto Alegre, por
ocasião do Congresso da CEPA, tendo inclusive obtido o seu
autógrafo em seus formidáveis livros (cinco) recém lançados.
Aliás, não deixem de adquiri-los: vocês não sabem o que
estão perdendo...
O movimento espírita oficial brasileiro desperdiçou (essa
expressão é a mais adequada, podem ter certeza) uma grande
capacidade, alguém que conheceu o Espiritismo como poucos, com
um enorme potencial... Mas que amava a liberdade e a verdade e
jamais capitularia para atender os interesses daqueles que
controlam as instituições hegemônicas !
Alguém que lutou pela vida. Tão avançado para o seu tempo que
fez questão de retornar ao mundo dos espíritos somente no
século 21 (mesmo que nas primeiras horas do novo milênio).
Tenho a impressão que ele definitivamente encarnou e desencarnou
antes do tempo...
Valeu Krish!
Ademar Arthur Chioro dos Reis é vice-presidente da CEPA e
presidente do Centro Espírita Allan Kardec, de Santos-SP, onde
reside.