Artigo de Eugênio Lara - Junho de 2001
Todo espírita é espiritualista, mas nem todo
espiritualista é espírita. Essa conceituação aparentemente
acaciana, do fundador do Espiritismo, Allan Kardec, definiu
fronteiras, estabeleceu limites e dotou a nascente filosofia de
uma autosuficiência bem peculiar. O Espiritismo nada em raia própria,
apesar de adotar princípios mais ou menos semelhantes aos das
doutrinas espiritualistas.
Há pelo menos duas diferenças fundamentais entre o Espiritismo
e o espiritualismo em geral. A mediunidade e a iniciação.
Todas as filosofias espiritualistas, sem exceção, possuem um
caráter esotérico, onde apenas alguns adeptos, iniciados em
determinadas práticas e mistérios, têm acesso a conhecimentos
que são guardados a sete chaves.
Dependendo do grau de iniciação, o adepto não tem como acessar
determinadas informações, até galgar os patamares necessários,
a fim de ascender na hierarquia de sua confraria. A iniciação
é uma tradição que se perde no tempo. Há quem diga e sustente
que na antiga Atlântida já existia esse tipo de prática. Entre
os celtas as informações eram passadas por via oral, não se
usava a escritura, exclusiva dos druidas, proibida, provavelmente
com o objetivo principal de se preservar as tradições célticas.
Práticas e conhecimentos mais profundos, e ocultos, circulavam
apenas entre os druidas e discípulos.
No antigo Egito, no bramanismo e em quase todas as civilizações
antigas observamos o mesmo comportamento. Nem mesmo os filósofos
gregos fugiram à regra. Sócrates, assim como Krishna e Jesus,
nada escreveu. Nem tudo que debatia com os discípulos ele
expunha nos conglomerados de Atenas. Os estudiosos da filosofia
grega sabem que tanto Platão como Aristóteles faziam uma distinção
entre ensinamentos que eram transmitidos somente entre os discípulos
(filosofia esotérica) e os que eram abertos ao público leigo
(filosofia exotérica).
E quando algum conhecimento vazava, surgia outra seita, alguma
dissidência. Um dos motivos dessa rigidez no acesso ao
conhecimento é justamente o receio de ele cair em mãos erradas,
provocando cisões.
Grande parte do conhecimento considerado esotérico por diversas
doutrinas espiritualistas, no Espiritismo está inteiramente
acessível. A separação nítida entre o que é esotérico e
exotérico deixa de existir. Não há iniciação, não há
degraus a serem superados, nem hierarquias. O acesso às idéias
é democrático, depende apenas da capacidade de cada um. Pois é
justamente por esse e outros motivos que o Espiritismo não é
muito bem aceito pelas doutrinas esotéricas.
Todavia, o ponto maior de ruptura está no entendimento da
mediunidade. Todas as doutrinas esotéricas, quase sem exceção,
rejeitam a mediunidade e a comunicabilidade dos Espíritos com os
homens. Cada corrente dá sua interpretação, nenhuma aceita a
interação entre os homens e os Espíritos da mesma maneira que
a Doutrina Espírita, como um fato natural, indissociável da própria
vida.
O Espiritismo dignificou a mediunidade. Elegeu esse mecanismo
natural como base de suas reflexões e experimentações. Repeliu
o sentido místico, mítico e mágico. Não há sortilégios, nem
aquela fila de pidões ávidos de saberem o futuro. Mediunidade não
é oráculo e médium não é pitonisa.
A mediunidade é o patinho feio que Allan Kardec adotou como a
base de suas experimentações e observações o laboratório
do Espiritismo. Se o Espiritismo conseguir mostrar às pessoas
que elas não precisam entrar num sistema hierárquico e fechado
para obterem informações disponíveis em qualquer livro espírita
ou site na Internet, e que a mediunidade é apenas um mecanismo
natural de comunicação entre os seres humanos e os Espíritos,
ele terá cumprido o seu papel.