Artigo de Eugênio Lara - Julho de 2001
O movimento espírita consegue aglutinar um
grande corpo de voluntários na manutenção de atividades
assistenciais. Promoções beneficentes, campanhas de arrecadação
de alimentos, de vestuário, tornam-se um pólo aglutinador de
pessoas interessadas em praticar a caridade. O complexo
assistencial que o movimento espírita mantém, às custas de doações
e de muito trabalho de voluntários, é respeitado em todo o País.
Mas quando se trata da organização de determinada atividade
cultural, os voluntários são bem poucos. Estudo, participação
em seminários, simpósios, realizações que conduzem as pessoas
à reflexão nem sempre atraem um número razoável de
participantes. Muitos eventos subsistem em função da postura
abnegada de um parco número de pessoas, que sacrificam suas
horas de lazer na organização e promoção de eventos de
natureza cultural.
Tentar inverter ou subverter a mentalidade das pessoas que se
dedicam ao assistencialismo seria um contra-senso. Num país
cheio de misérias como o nosso, trabalhar em prol do próximo
torna-se um dever cívico, tanto quanto moral. Se estivéssemos
na Suíça a postura seria outra, já que nesse país não há a
miséria que existe por aqui. Mas estamos no Brasil, com índices
alarmantes no campo social.Justamente por isso que todo trabalho
no campo cultural e educacional é sempre bem-vindo. Cultura e
educação são excelentes preventivos da miséria. E o
Espiritismo, com efeito, pelo seu apelo cultural e educativo, se
constitui num poderoso auxiliar da prevenção à violência, miséria,
corrupção e tantas mazelas de nosso dia-a-dia.
Todavia, por que muitos dos que assumem uma postura mais arejada,
sem dogmatismos, voltada para a reflexão e o autoconhecimento,
na hora de arregaçar as mangas para trabalhar se omitem? Onde
estão os livre-pensadores que o Espiritismo produz? Por que
grande parte deles assume uma postura individualista? Por que
pouco produz e age à margem de tantas realizações e
atividades?Talvez a resposta a essas questões esteja não
somente na natureza humana, mas também na natureza da filosofia
espírita. O poder do Espiritismo está em sua filosofia,
afirmou Kardec de forma categórica. Pois o tempo demonstrou que
o Espiritismo somente será efetivamente respeitado se oferecer
à sociedade uma contribuição que extrapole o assistencialismo.
Se possuíssemos um Estado eficiente, grande parte das instituições
espíritas se tornariam inúteis. A contribuição espírita é
muitíssimo maior do que os milhares de passes e pratos de sopa
distribuídos diariamente pelo Brasil afora.
O Espiritismo, bem compreendido e vivenciado, é um convite à
reflexão, à autocrítica, a uma tomada de consciência.
Entra-se num processo de transformação, de ruptura, de
rearticulação dos fatores morais e intelectuais.
O produto final desse processo não é o crente, no sentido
daquele sujeito crédulo, pio, ingênuo e que, em função da
mentalidade mágica, torna-se submisso, facilmente manipulável.
E nem o ativista xiita, meio terrorista, guerrilheiro, sectário,
pronto para explodir de indignação, uma espécie de coquetel
molotov ambulante.
Também não é o iconoclasta, o quebra-santo, qual
Policarpo Quaresma disposto a reformar tudo aquilo que não
corresponde ao seu ideário.
A filosofia espírita produz livre-pensadores, pessoas livres de
dogmatismos, do medo do sobrenatural, solidárias, idealistas, ao
menos em tese, pois numa época onde o hedonismo e o
individualismo dominam o cenário social, fica difícil não ser
influenciado. Some-se a isso a sensação de liberdade que o
Espiritismo oferece na medida em que o sujeito toma consciência
de sua natureza, dos mecanismos que permeiam sua existência, a
percepção da imortalidade, o processo evolutivo... Ele se
assume como sujeito livre, independente, consciente de suas
limitações e de suas possibilidades. Todavia, não é qualquer
um que consegue conciliar o espírito solidário com sua
liberdade, solitária, individual, única e muitas vezes
impregnada de egoísmo.
O aconchego do lar, da família, as futilidades do dia-a-dia, as
injunções sociais, são componentes sedutores que desafiam o
maior dos idealistas. Não é qualquer um que sacrifica momentos
de lazer, um fim de semana prolongado, para se dedicar ao estudo
e divulgação do Espiritismo. É preciso paixão, um ideal
renovador e muita perseverança, elementos fundamentais na
realização de qualquer projeto. São virtudes que se adquirem
vivendo, trabalhando, existindo...